Proprietário de uma das mais imponentes empresas de construção civil da região, José Zagonel transformou a obsessão pela qualidade no pilar de sustentação do negócio.
Natural de Picada May, Marques de Souza, começou a trabalhar ainda na infância ajudando os pais e os irmãos na lida no campo. Deles, Zagonel herdou o gosto pelo trabalho e a preocupação com a segurança.
O ingresso no ramo da construção civil começou com a edificação da própria casa. A moradia foi concluída com dinheiro emprestado pela família e ajuda do pai e dos irmãos com parte da mão de obra. Ao ver a qualidade da obra, um amigo solicitou a construção de uma casa.
Com três funcionários, pá, enxada, picão e uma caixa de argamassa, Zagonel iniciou a empresa que se tornaria, anos depois, uma gigante do setor.
Como começa a sua história até se tornar empreendedor?
José Zagonel – Me criei na colônia, em Picada May. Era uma família de dez irmãos em que todos começaram a trabalhar desde cedo. Quando criança, para ir para a escola primária, em Tamanduá, caminhava cinco quilômetros a pé ou ia a cavalo. Chegava em casa depois das 13h e a panela de comida estava no canto do fogão. Comia e ia para a roça, trabalhar. Na volta, tratava os animais. Depois, em casa, fazia o tema da escola à luz de velas. Após, ainda ia para o paiol ajudar meus irmãos a descarregar e debulhar milho. Não tinha folga por causa dos estudos. Isso se repetia todos os dias. Minha mãe era a primeira a levantar, ela chamava e a gente tinha que levantar imediatamente. Encilhava o cavalo para ir ao colégio, e junto levava uma lata com ovos, milho para o moinho, galinhas para vender no armazém e trazia algumas poucas comprinhas para casa. Comprava açúcar branco, sagu, erva-mate e fermento, já que outros alimentos produzíamos em casa. Depois do primário, fiquei quatro anos no internato no Colégio Estrela da Manhã. Nas férias, sempre tinha trabalho para fazer em casa. Meu pai fez muito potreiro em taipa e nas férias meu trabalho era puxar as pedras. Assim foi até eu me formar professor.
Chegou a atuar como professor?
Zagonel – Fiz o estágio em Olarias e continuei estudando no técnico em Contabilidade. Naquela época, Lajeado não era desenvolvida. Em 1971 eu bati de porta em porta pedindo emprego. Ia para casa na sexta-feira à noite, sábado trabalhava o dia inteiro, segunda-feira ficava até umas 16h30min e vinha de novo para Lajeado. Foi assim até novembro de 1971, quando consegui meu primeiro emprego com carteira assinada na Paróquia Santo Inácio. Antes disso, tinha trabalhado três meses em uma companhia de estrada em Rosário do Sul, na qual não recebi pagamento e foi uma grande frustração. Na paróquia, recebi meus primeiros salários. Era o máximo poder ter o meu primeiro dinheirinho, pois até então eu dependia do meu pai para tudo. Fiquei quatro anos na paróquia e tive a oportunidade de trabalhar na empresa Osvaldo Wink Filho, na qual assumi o setor financeiro e de RH. Nesse meio-tempo, também ingressei na faculdade.
De que forma o senhor ingressou no setor da construção civil?
Zagonel – Nessa época, eu morava em uma república porque não podia gastar. Comprei um terreno e comecei a construir minha casa, com dinheiro emprestado dos meus pais e dos meus tios. Como eu construí a casa e adquiri um pouco de conhecimento, um amigo da república, Ari Bagatini, que trabalhava no Banco do Brasil, me contratou para construir a casa dele. No começo, eram três funcionários, pá, enxada, picão e uma caixa de argamassa. Nem betoneira tinha. Construí a casa dele, depois surgiu a do contador da minha empresa, Paulo Konzen. Nesse meio-tempo, me desliguei da empresa onde trabalhava para me dedicar exclusivamente ao meu empreendimento. Assim foi começando, aos pouquinhos, com uma obrinha aqui, outra ali.
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Por que as pessoas começaram a procurar os serviços da Zagonel?
Zagonel – Sempre tive uma grande preocupação com a qualidade. Então, se eu sabia que tinha um bom pedreiro numa outra empresa, contratava. Minhas obras têm que ser diferentes pela qualidade, além da robustez que é padrão na construção civil. O detalhe do acabamento faz a diferença. De estrutura, poucos entendem, mas acabamento todos enxergam. Cobro muito das minhas equipes que temos que enxergar mais que nosso cliente. Na entrega de apartamento ou uma casa, não posso admitir que o cliente note algum defeito. Temos que enxergar antes e resolver. Acho que esse foi um grande diferencial desde o início. Outro fator é a seriedade com que sempre tratamos o negócio. Nestes 41 anos, jamais alguém pôde dizer que fui desonesto, que não cumpri alguma coisa. São fatores muito importantes para o sucesso de uma empresa.
Quando o senhor percebeu que a Zagonel seria a grande empresa que se tornou?
Zagonel – A empresa surge como uma locadora de mão de obra, a J. Zagonel. Isso foi até 1988, quando percebemos que havia espaço no mercado para incorporação. Começamos a construir o primeiro prédio próprio para venda de apartamentos. Foi um salto e um desafio, mas foi uma obra relativamente pequena e tinha recursos suficientes para fazer. A transição não foi tão difícil porque sempre me preocupei em ter equipamentos bons e também com a segurança no trabalho, cuidado que herdei dos meus pais. Exijo que meu colaborador trabalhe e que produza, mas a segurança sempre em primeiro lugar. Por isso, ofereço equipamentos adequados para que meu operário possa desenvolver as atividades.
Quais as principais dificuldades enfrentadas ao longo destes 41 anos?
Zagonel – A primeira dificuldade grande foi quando fizemos uma obra para uma cooperativa de produtores de maçãs. Eles haviam encaminhado financiamento, que demorou para ser liberado. Meus funcionários chegaram a ficar 40 dias sem receber. Reuni o pessoal e disse que não estava recebendo. Deixei aberta a possibilidade de desligamento para quem não pudesse aguentar mais tempo sem pagamento, mas todos continuaram na empresa. Em seguida, liberou o dinheiro no banco e tudo ficou em dia. O confisco de poupança do governo Collor também foi um momento difícil. Todo o dinheiro que tínhamos ficou bloqueado e não havia para quem apelar, mas também conseguimos superar. Antes disso, havíamos passado outro período terrível com a quebra do Meridional, no início dos anos 1980. Como o gerente era meu amigo, todo o meu dinheiro estava lá. Sempre paguei meus profissionais com cheque. Paguei numa sexta-feira, na segunda-feira, ao chegar no banco, não tinha mais banco. Foi um baque. Mas conseguimos contornar e seguimos adiante.
Como a Zagonel ampliou o seu campo de atuação ao longo dos anos?
Zagonel – Depois da incorporadora, criei a Loteadora Zagonel em sociedade com meu irmão Saulo Zagonel. Assim, passamos a fazer loteamentos. O primeiro deles e muito consagrado, o Verdes Vales, em Lajeado. Foi um grande sucesso. Também mudamos a razão social da firma de locação de mão de obra de empresa individual para empresa limitada. Criamos então a Construtora Zagonel e com isso começamos a participar de licitações. Em seguida, fundamos a indústria de esquadrias de madeira e a Construtora Lajeado, em parceria com meu irmão Inésio Zagonel, que mora em Porto Alegre. O salto maior foi nos últimos oito anos, pois investimos pesado em equipamentos, desde grua, escavadeiras, miniescavadeiras e andaimes importados dentro do padrão internacional. Foram surgindo também as grandes obras corporativas, como o Frigorífico Languiru, o Colégio Alberto Torres, a Cooperativa Sicredi e o Colégio La Salle Santo Antônio. Em 2013 entramos no programa Minha Casa Minha Vida. Assim, nos últimos quatro anos, em média, construímos um apartamento a cada dois dias úteis e meio.
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Como esse crescimento alterou o seu papel na empresa?
Zagonel – Mudou bastante. Não foi muito fácil, pois sempre tive uma relação muito próxima com todos os funcionários, algo que hoje fica mais complicado. Eu sabia o nome dos filhos e a história de cada um. Também sempre gostei muito de ir em obra. Mas hoje não tenho mais tempo para fazer isso. É desafiador, porque antes eu tinha o domínio absoluto de tudo que acontecia e hoje tenho um domínio relativo. Meus quatro filhos fazem parte da administração da empresa, sendo que dois deles são engenheiros e assumiram a parte de execução de obras. De vez em quando, ainda vou na obra dar uma espiada e meus pitacos, mas fiquei mais na parte dos negócios, pois não tenho como cuidar das obras e das negociações. Fico mais na gestão, na definição de produtos e na negociação dos terrenos. Tenho o feeling de perceber onde é bom para construir e qual o produto que o cliente quer.
A Zagonel já encaminha o seu processo de sucessão familiar?
Zagonel – Não me imagino sem ter o que fazer, nem com 90 anos. Vou continuar trabalhando. Mas também preciso dar espaço para meus filhos que têm vigor, juventude e conhecimento. Eles foram totalmente livres para escolher uma profissão, tanto que meu segundo filho, o Joni, fez vestibular para Engenharia Mecânica. Eu fiquei pasmo, porque tem uma empresa de construção civil na família, mas apoiei. Passou dois anos, ele mudou para Engenharia Civil, sem que eu interferisse. Hoje ele tem um conhecimento fantástico nessa parte de gruas, ligado à engenharia mecânica. O Jean, que eu sempre achei que seria engenheiro, fez Administração. O Diego também é engenheiro civil e o Giovani cuida das máquinas e equipamentos da empresa. Os quatro estão aqui dentro. Nós fazemos reuniões permanentes para planejar e pensar adiante. Como é uma empresa familiar e os filhos estão aqui, temos que focar na perpetuação do negócio. Daqui a pouco virão os netos. Por isso, temos que pensar para frente. Queremos e vamos crescer.
Muitas empresas do setor surgem e desaparecem. Quais as dificuldades do segmento?
Zagonel – Há uma ilusão de que a construção civil dá muita margem, o que não é verdade. Para quem paga seus colaboradores em dia, assina carteira e recolhe devidamente os impostos, a margem de lucro é relativamente pequena. É uma indústria que depende de bastante conhecimento. Estamos sempre aprendendo e nunca sabemos o suficiente. Evidentemente, se você pegar uma empresa de construção civil com 41 anos de história e uma com dois ou três anos, tem muita diferença. Nos anos antes da crise, muita gente que não era do segmento começou a construir e quebrou a cara. Porque se há venda em alguns momentos, também existem aqueles sem venda e para isso é preciso suporte. Uma época atrás, você contratava um bom mestre, assentava tijolos e fazia uma obra. Hoje depende de uma série de fatores que influenciam e geram um custo mais alto. Vinte anos atrás, o custo da construção era muito menor. Uma grua hoje custa R$ 600 mil, mais 40 mil para montar e outros 40 mil para desmontar. A mão de obra ficou muito cara. Hoje balança 50% a 50% com o material, às vezes, até mais.
Por que os Vales do Taquari e Rio Pardo são as principais regiões de investimento da Zagonel?
Zagonel – A nossa região é muito boa. Lajeado é um fenômeno. Não somos muito ricos, mas nossa economia é muito diversificada. Nessa última crise que houve, nossa região foi pouco afetada, pois tem muitas indústrias de alimento aqui. Sofremos um pouco, mas nada comparado com outras regiões, como a de Caxias do Sul, por exemplo. Outro fator é a localização, 115 quilômetros de Porto Alegre, 90 de Caxias do Sul e 60 de Santa Cruz do Sul. Muitas pessoas de outras regiões vêm morar aqui. O Vale do Rio Pardo também é um polo, não tão desenvolvido em termos de comércio quanto o Vale do Taquari, mas Santa Cruz do Sul é uma cidade muito rica. Tivemos a felicidade de sermos muito bem aceitos lá e obtivemos um respeito muito grande.
O senhor também é reconhecido pelo trabalho voluntário. O que leva a essa dedicação?
Zagonel – Aprendi em casa, com meus pais. Lá na colônia, sempre que um vizinho, parente ou amigo precisava, estávamos disponíveis para ajudar. Como estudante, sempre fui um líder e tive muito envolvimento, assim como nas empresas que trabalhei. Como empresário, sempre temos a obrigação de retornar para a sociedade um pouco daquilo que também obtemos dela. Se cada um faz um pouco, o pouco vira muito. Tenho 40 anos de Lions Club e também atuo nas entidades porque é a maneira de retribuir. É gratificante poder ajudar uma entidade, nos engrandece como ser humano.