A semana foi turbulenta para o radialista João Pedro Stacke, de 53 anos. Ele viu seu nome virar assunto nas ruas e na internet. Tudo em função de uma mensagem distorcida em que a foto dele dividia espaço com um vídeo de dois homens fazendo sexo em um matagal.
Stacke recebeu a mensagem na semana passada. Um familiar lhe repassou por meio do WhatsApp. Em um primeiro momento, todos riram da montagem que usava a foto dele e um vídeo na Região Metropolitana, mostrando os dois homens praticando sexo e deixando o local em uma camionete que pertence a uma metalúrgica com sede no bairro Olaria, em Canoas.
“Tudo começou na quinta-feira da semana passada. Uma parente, em Forquetinha, me avisou: ‘Ó, João, tem um clone teu, muito parecido.’ Mas ainda era só uma foto desse cara, e uma montagem dessa com a minha foto.” No entanto, em poucas horas, o embaraço aumentou. “Ela me disse que também estavam rolando alguns vídeos. Daí eu percebi que algo pior poderia ocorrer.”
O radialista reforça, inclusive, a semelhança com o morador de Canoas. A camisa azul-marinho e a bermuda, segundo Stacke, são peças parecidas com as que ele têm no armário de casa. “Ele também tem traços que parecem comigo. Mas o ‘cara’ está usando sandália. Correntes, relógio. Não tem nada a ver comigo. Achei uma grande sacanagem isso tudo.”
Mas a sacanagem ficou mais pesada. Na segunda-feira, após um fim de semana tranquilo, as mensagens viralizaram em Estrela. “Estourou. Por volta das 22h, meu celular não parou mais. Me avisaram: estão te comprometendo. Eu logo percebi que devia ser algo relacionado ao WhatsApp.”
Em um primeiro momento, Stacke não soube como proceder. Afinal, a fonte da mensagem distorcida era – e ainda é – desconhecida. “Os colegas de rádio me alertaram. Então fui fazer um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia de Estrela. O delegado garantiu total empenho no caso.”
Na delegacia, o radialista foi novamente alertado sobre o grau de proporção já tomado pela divulgação das montagens. Relembra a situação em tom de brincadeira. “Estava cheio de gente na recepção. Todo mundo me olhando, meio estranho. Alguns me dando força. O inspetor começou a rir: ‘está aqui o cara da internet’. Daí me caiu os butiá do bolso (sic). Até brinquei que não daria autógrafo para ninguém.”
No início, pouca esperança
Conforme Stacke, o primeiro contato com a polícia foi preocupante. “O inspetor me falou da dificuldade para chegar até a origem. Mas eu já tenho um suspeito, e não vou descansar até provarmos quem foi. E pode ter mais gente que tenha ajudado a criar aquela montagem.”
Se identificado, o responsável pode responder pelo crime de difamação, que tem pena prevista de seis meses a dois anos de prisão e multa. A investigação é coordenada pelo delegado da PC de Estrela, José Romaci Reis.
Diante da incerteza, o radialista resolveu procurar advogados especializados nesse tipo de caso. “Conversei com um cara que passou pela mesma situação. Ele me disse: segura as pontas, semana que vem o pessoal esquece. Mas me convenceu também a não parar por aí, e processar quem fez.”
Empresa confirma origem do vídeo
O A Hora descobriu o nome da empresa proprietária do veículo que aparece no vídeo. A dona da metalúrgica com sede no bairro Olaria, em Canoas, confirma ter emprestado o carro para um funcionário que atua como retificador, e cujos traços físicos são semelhantes ao radialista. Ela não divulga o nome do homem.
“Emprestamos o carro, que veio de outro estado e prestava serviço de retificador. O que ele fez é errado. Poderia ter ido para um motel. Ele pegou nosso veículo na sexta-feira anterior ao Carnaval, e disse que buscaria a esposa, para fixarem moradia aqui. Mas daí estourou esse vídeo e um parente dele trouxe o carro. Ele não apareceu mais. Há informações de que teria se enforcado.”
Mais convites na rede social
Stacke quer fazer “do limão uma limonada”. Segundo ele, o momento conturbado deve servir de alerta. “Alguém que não gosta de mim, e quer me prejudicar, aproveitou a facilidade das redes sociais para isso. Precisamos ter cuidado com tudo que postamos e, principalmente, compartilhamos. É crime. E que quero justiça.”
Além de radialista e colunista, Stacke concorreu a cargos políticos, como em 2004 e 2008, quando tentou vereança. Diante disso, ele brinca sobre o aumento no número de pedidos de amizade em redes sociais. “Recebia uma média de quatro ou cinco convites diários. Agora, passa de cem. Não sei bem qual o interesse”, finaliza.

Celular da marca Samsung foi oferecido por R$ 505, preço bem abaixo do mercado. Sem receber o produto comprado, vítima descobriu que o link da rede de varejo era falso
Golpes pela internet
Apesar de gerar grande repercussão, o caso envolvendo o radialista não está no topo da lista das investigações realizadas pela Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI/DEIC). Segundo a delegada responsável, Luciana Caon, as ocorrências mais comuns são de golpes em compras de produtos pela internet.
Foi o que aconteceu com Marinês Fulber, natural de Cruzeiro do Sul, e moradora no litoral norte. O celular dela estragou durante atividades domésticas e ela começou a procurar novos produtos em sites. Foi nesse intervalo de tempo que visualizou, via Facebook, a propaganda de um telefone móvel da marca Samsung, custando R$ 505,08.
A compra foi por meio do link apresentado na rede social. E o pagamento por boleto bancário, para uma agência do Banco do Estado do Piauí. No documento impresso, constava como beneficiário a CNova Comércio Eletrônico, com sede em São Caetano do Sul (SP), que desenvolve venda on-line por meio de sites.
Diante da demora na entrega do produto, ligou para a loja que teria feito a compra. Descobriu que não havia qualquer pedido em nome dela, pois o link da rede era falso. “É uma sensação muito chata, muito ruim. Uma decepção. Me senti como se eu não fosse nada.” Ela não fez ocorrência.
Outros casos
Em maio de 2015, casos envolvendo mulheres de Encantado foram notícias no país. Ambos sobre divulgação de fotos íntimas. Uma delas afirmou à polícia que encaminhou o disco rígido do computador para conserto. As imagens teriam sido divulgadas depois desse fato.
Naquele mesmo mês, uma funcionária da área da saúde, contratada pelo governo municipal de Arvorezinha, teve fotos íntimas compartilhadas por meio do Facebook e WhatsApp. Mais recentemente, a coordenadora de Governo da Procuradoria da Prefeitura de Lajeado, Ana Pereira Lazaron, se deparou com uma página no Facebook em que o administrador anônimo publicou a cópia da folha salarial dela, com detalhes sobre as verbas recebidas em função dos honorários advocatícios.
Nos comentários da postagem, ofensas direcionadas a ela. Diante disso, registrou um BO por crime de injúria e difamação. O fato aconteceu em novembro do ano passado. “Ainda não tenho resposta alguma. Estão tentando identificar o administrador da página. O sentimento é de impotência.”
Entrevista
“Muitas ocorrências poderiam ser evitadas”
Delegada estadual de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI), Luciana Caon, relata trabalho no combate dos crimes cibernéticos
A Hora – Como é formada a equipe?
Luciana – Somos cinco policiais e eu, como delegada, para todo o estado. Atuamos no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Esse grupo é suficiente?
Luciana – Com a demanda aumentando a cada ano, o grupo é insuficiente. Em 2016, por exemplo, estávamos com 300 ocorrências por ano. Isso passou para mais de 500, em 2017, só na delegacia de Porto Alegre. Temos a previsão de dobrar o numero de funcionários. E vamos mudar para uma nova sede. Haverá concurso público em breve. A intenção é buscar policiais com experiência na área da informática, com pós ou alguma especialidade.
Quais são os principais crimes virtuais?
Luciana – O mais corriqueiro são aqueles envolvendo o e-commerce. Principalmente a compra de aparelhos de celular. Ocorre via sites do Mercado Livre, OLX, ou páginas falsas de grandes redes, que não enviam por e-mail as ofertas. Geralmente, oferecem o produto por preços bem abaixo do mercado. Por isso, sempre alertamos para cuidado com promoções no Facebook. Desconfiem. Normalmente tem algum erro de português. É preciso se ater aos detalhes, alguma coisa incorreta no boleto. Muitas ocorrências poderiam ser evitadas.
Os golpes são mais corriqueiros via boleto?
Luciana – Normalmente o golpe é por boleto. Quando o link só atende ou trabalha por meio do boleto, desconfie. Essas empresas trabalham com cartão e, quando o pagamento é no cartão, é possível bloquear. E os valores costumam ir para contas-poupança, em outros estados, ficando mais difícil de rastrear porque sai da nossa alçada.
É possível rastrear esses golpistas?
Luciana – Não é impossível. Quando o golpe é fora, temos que pedir ajuda para colegas da PC de outros estados. Estelionato não vai para a Polícia Federal (PF). E são pouquíssimas prisões preventivas de estelionatários. Praticamente, só com condenação para prender. Desde 2016, por exemplo, não nenhuma prisão envolvendo crimes virtuais. Creio que cabe aos bancos melhorar os critérios de abertura de contas e enrijecer a cobrança de documentos. E não só com número de CPF. Isso tem que melhorar muito.
Qual a importância de registrar o crime na polícia?
Luciana – Eu imagino que os golpes virtuais estão sendo registrados. Do interior, ainda recebo poucas. Tem que registrar, senão fica uma cifra oculta. Precisamos alertar. A internet veio para facilitar a vida, mas tem que ter cuidado. Se trata de segurança digital, tal como nosso seguro de casa, de carro. Não é um local tão inocente assim.
Difamação ou injúria via WhatsApp é comum?
Luciana – Não é muito comum. Ao menos em relação às denúncias que chegam até nossa delegacia. Sobre esse caso do radialista, e mesmo não estando totalmente a par da investigação, vejo uma dificuldade muito grande para chegar na fonte e ver quem foi o primeiro a enviar. Essa rede social tem uma cadeia muito extensa. É mais fácil pegar em um grupo, por exemplo. Em se tratando de calúnia e difamação, são mais comuns os perfis falsos em Facebook. Já recebemos, também, muitos políticos reclamando de ofensas ou fake news.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br