Cidade Maravilhosa, cheia de trancos mil…

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Cidade Maravilhosa, cheia de trancos mil…

“…constava que faziam parte de um arrastão, de uma das quadrilhas de pivetes que agiam na Zona Sul da cidade…”
Trecho de Romance Negro e outras histórias, livro de Rubem Fonseca

Como é tradição, o carnaval carioca deste ano arrastou milhares de turistas para as ruas e avenidas da capital fluminense. No embalo do samba, dezenas de arrastões deram vida à ficção de Rubem Fonseca em O Romance Negro e outras histórias: “… ninguém sabia por onde eles andavam; constava que faziam parte de um arrastão, de uma das quadrilhas de pivetes que agiam na Zona Sul da cidade, assaltando […] pessoas bem-vestidas, turistas…” Pavor captado por celulares e câmeras de segurança. A alegoria completou-se com avenidas paralisadas por tiroteios e o fulgor sinistro das balas traçantes no céu da cidade. A violência não segurou a evolução de enredos críticos e as arquibancadas cantaram letras sob medida contra os malfeitos políticos “patropi” – vox populi, vox dei. Destaques salientaram a realidade turbinada por autoridades criminosas – corruptos, assaltantes e ratos. Tanta ironia e rigor ressuscitaram a censura e o singular vampiro da Paraíso do Tuiuti, mesmo aprovado pelo público, perdeu a faixa presidencial no desfile das campeãs.
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A CONTA. O pastor-prefeito Marcelo Crivella, avesso à folia pagã, exilou-se na Europa para não se misturar com o maior evento turístico brasileiro. Enquanto o município pegava fogo, o alcaide inventava um motivo para a turnê hibernal. Disse ter ido “conhecer tecnologias para a segurança pública”, algo ignorado na agenda oficial. Já o governador Luiz Fernando Pezão, refugiado no Interior, só se manifestou para confessar o erro de planejamento. A conta com a saga infame do ex-governador Sérgio Cabral, inconsequência do ex-prefeito Eduardo Paes, incompetência de Pezão e descaso de Crivella chegou acrescida da violência. Insuportável para uma cidade maravilhosa, que trocou encantos por trancos mil.
BÁLSAMO. Com o adeus da reforma da previdência, proximidade das eleições e possibilidade de brecar a votação da Lei da Ficha Limpa, a intervenção federal surge como um bálsamo para autoridades desacreditadas. Pela emergência e falta de planejamento, pode ser um engodo para a população desejosa da volta à tranquilidade experimentada durante a Copa do Mundo e a Olimpíada. Sem milagre e grana curta, o drama atual pode recrudescer. Complexa é a tarefa do general Walter Souza Braga Netto. Tem de organizar um aparelho contaminado pelo crime, ordenar expurgos e conter o tráfico. Sem poder influir na política e nas graves questões sociais de um ambiente urbano corrompido pelo conflito permanente. Oremos.
VANGUARDA. A cidade do Rio do Janeiro foi uma vanguarda política e social brasileira – São Paulo assumiu a primazia. Lançou modas boas e ruins. Favelas e facções fazem parte das piores criações cariocas e disseminaram-se por um país relapso com suas desigualdades. Hoje, a “favelização” dos bairros mais carentes de cidades-polos – Lajeado, por exemplo – estimula a expansão das facções. A degradação aplaina o terreno para a geração do estado paralelo sonhado pelo crime cada vez mais organizado. A intervenção chega acrescida de um caráter pedagógico. Seu problema está no governo pirotécnico, capaz de lançar o Plano Nacional de Segurança Pública, fevereiro de 2017, para logo transformá-lo em factoide.
DISTORÇÃO. Com pouco tempo e nenhuma grandeza, esses líderes em permanente suspeição não estabelecerão uma política de segurança verdadeiramente pública. Mas poderão ampliar o muro da exclusão com o aprofundamento conveniente da distorção do Estado que segrega a sociedade entre “eles” e “nós”.

“A missão de construir uma sociedade justa esbarra na falta de combate à vilania. É a vitória da omissão sobre a missão.”
De O Sujeito da Frase, livro que escrevi e ainda não publiquei

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