Quem cresceu na década de 1970 deve lembrar que o termo “cascata” era usado em praticamente todos os contextos. “Isso aí é cascata”, “vamos fazer uma cascata?”: o significado dependia da entonação do interlocutor. Mas, em Lajeado, a gíria ganhou um sentido especial em 5 de fevereiro de 1976. Na cidade das pioneiras Vaga Lume e Maracangalha, guris de 13 e 14 anos criaram, se não a mais importante, a escola que mais resistiu aos altos e baixos do Carnaval local.
Marco Aurélio Rozas Munhoz, o Keko, 55, é um dos fundadores da Cascata. Uma semana depois, conta, um grupo, pouco mais velho, fundou a Sociedade Recreativa Batutas do CTC, a Soreba. As duas escolas praticamente revezavam o título de campeã do Carnaval de rua entre 1978 e 1986. Dessas, se originaram outras famosas, como a Explode Coração e a Deixa Sambar.
A juventude sempre teve apoios dos adultos, tanto de pais quanto de presidentes do CTC. Em alguns casos, eram os pais que integravam a diretoria, como Osmar Berwig, o Gaiteiro, e Joares Enger. “Nós tínhamos muita ajuda”, recorda. Essa turma ajudou a elevar a festividade lajeadense a uma das melhores do interior do estado, no nível de cidades como Uruguaiana.
Disposição também não faltava. O grupo começava a folia na sexta-feira, no desfile do Carnaval Regional de Lajeado, e seguia o embalo nos bailes realizados no CTC, no sábado e na segunda -feira à noite (o domingo à tarde era reservado para festa infantil). A temporada só acabava no fim de semana seguinte, com o baile de Enterro dos Ossos.

Veteranos lembram que Lajeado chegou a ter uma das melhores festas do interior
Segundo Keko, a escola não tinha apenas sócios do clube e era a mais “povão” daquele tempo. Chegou a desfilar com 500 pessoas, quando a atração era realizada na Júlio de Castilhos. A Cascata sempre se destacava pela bateria. “Ganhando ou perdendo, a nossa bateria sempre era nota 10”. O auge da festa do Momo na maior cidade do Vale, observa, ocorreu na década de 1980, quando muitos dos destaques eram trazidos de Porto Alegre.
Além da festividade propriamente, outras atividades marcaram o período. Durante o inverno, o Parque do Imigrante sediava as Olimpíadas das Escolas de Samba. Era quando os integrantes se reuniam, durante um ou dois fins de semana, para disputar jogos de vôlei, futebol e basquete. Os campeões eram anunciados em festa na Acvat.
Para arrecadar fundos para a escola, até filmes a gurizada fez. “Chegamos a fazer um faroeste. Gravamos uma fita VHS e fazíamos jantares para mostrar as filmagens. Juntamos mil pessoas”. Entre 1986 e o início do século, o Carnaval perdeu força. Nesse meio-tempo, os veteranos faziam encontros e eventos de integração, para não deixar o samba (nem a escola) morrer.
A turma de fundadores da Cascata inclui também Calete Schroeder, Markinho Bald, Ale Martins, Antenor Spech, Paulinho Zart, Feijão Deitos e Pedro Bergamaschi.
Segunda geração
Afilhado de Keko, Roberto Munhoz Leal, o “Bebeto”, 36, era criança na época áurea do Carnaval, mas lembra da movimentação que a festa causava na família. Assistia ao desfile sentado na janela do consultório odontológico do avô, quase na esquina da Júlio de Castilhos com a Saldanha Marinho.
Testemunhou a união da primeira geração da escola, mesmo quando o concurso perdeu força.
“Acho que o que manteve a Cascata é que sempre faziam alguma coisa; se juntavam na casa de alguém , faziam batucada, camisetas. De alguma maneira, se fazia Carnaval”.

Cascata e Soreba revezavam o título de campeã entre 1978 e 1986, em Lajeado
Mestre da bateria, Bebeto puxou a frente da segunda geração da Cascata. Viu a escola ganhar os desfiles de 2001 e 2003, mas começou a se envolver diretamente aos 16 anos, quando ajudou a unir adeptos para movimentar o bloco da Cascata, que se concentrava no CTC e ia, de ônibus, para bailes, como o de Santa Clara do Sul. “Dessa gurizada dos últimos dez anos, quem não participou, sabe que existe, porque o bloco é muito tradicional”.
Acredita que o fortalecimento de blocos de rua é um caminho natural, uma vez que já é uma tendência em cidades maiores, como Caxias do Sul. Além disso, a organização exige menos preparação e investimentos do que um concurso – que também depende de outras escolas.
Uma das projeções da Cascata é recuperar o espírito popular do evento. “A nossa ideia é fazer um carnaval com todo mundo, em família. Já se falou até em fazer durante o dia. Temos várias ideias.”
Enterro dos Ossos
O grupo é uma das atrações do baile Carnaval de Enterro dos Ossos, que ocorre neste sábado, no CTC. A Cascata vai apresentar sambas-enredo cantados em desfiles e músicas conhecidas. O grupo terá cerca de 30 integrantes na bateria, além de rainha e madrinha e estandarte. Foram feitas cem camisetas do bloco.