A primeira opção da engenheira de produção, Adriana Borges dos Santos, 41, para compras de hortaliças e frutas é por alimentos livre de agrotóxicos. Nas terças e sextas vai até a feira do produtor de Lajeado, até a banca de Daniel Purper. “Sempre busco produtos saudáveis.”
Esse hábito surgiu faz dois anos. Antes, comprava em Arroio do Meio, no grupo Forqueta, primeiro da região a ter certificação de orgânicos.
Morador de Estrela, Valmor Humberto Johann, 66, é outro cliente da banca de Purper. “Há uma tendência mundial por alimentos sem agrotóxicos. Sempre buscamos qualidade de vida. Isso começa pela alimentação”, frisa o aposentado, que ainda complementa : “aconselho todo mundo a procurar alimentos livres de agrotóxicos.”
No país líder mundial no uso de agrotóxicos, conseguir a certificação de propriedade livre é um desafio. No Vale do Taquari, com a economia baseada na produção alimentícia, poucos agricultores conquistaram essa façanha.
Nesta quarta-feira, uma nova etapa deste movimento se apresenta à comunidade. A Orgânicos do Vale, um Organismo de Controle Social (OCS), recebe a declaração de conformidade do Ministério da Agricultura (Mapa).
Um dos agricultores participantes é Daniel Purper. No Sítio do Danni, as hortaliças e frutas nunca tiveram aplicação de defensivos químicos. “Comecei a trabalhar na lavoura faz mais de dez anos. Nunca apliquei veneno.”
Essa preocupação se dá por vários fatores. Saúde dele e da família durante o trabalho, aposta por um mercado em expansão e desejo de levar ao consumidor um produto diferenciado.
O grupo Orgânicos do Vale é formado por seis famílias. A organização dos produtores começou em 2016, após um curso de produção orgânica promovido pela EmaterAscar-RS. Os integrantes são de Cruzeiro do Sul, Lajeado e Forquetinha.

Entre o violão e a enxada. Leandro Lang é músico e agricultor. Ele e Daniel Purper são os primeiros de Lajeado a conseguir o certificado de orgânico
Precursores em Lajeado
Dois agricultores são os primeiros da cidade a conseguir o reconhecimento do Mapa de produção orgânica. “Significa muito para nós ter esse certificado. É fruto de todo o trabalho, o esforço no campo”, relata Purper.
Sobre ser um dos primeiros de Lajeado a conquistar esse diferencial, o agricultor de São Bento é comedido. “Nunca pensei nisso. Minha preocupação sempre esteve em fazer o melhor na lavoura. Em ter produtos de qualidade diferenciada.”
O outro produtor é Leandro Lang. Morador da área urbana de Lajeado sente um misto de alegria e tristeza. “Sem dúvida é uma honra ter a propriedade certificada. Por outro lado, também é preocupante. Precisou um cidadão urbano, do bairro Florestal, se envolver com demais produtores para trazer a certificação.”
Lang espera que essa conquista da Orgânicos do Vale sirva de motivação para mais agricultores plantem sem usar agrotóxicos.
Entre a música e a lavoura
Lang é integrante de uma das bandas mais conhecidas da região, a Bico Fino Blues Band. São 16 anos de estrada, com apresentações em diversas cidades e estados, até mesmo no Uruguai. “São minhas duas paixões. De dia trabalho na terra. À noite faço um som.”
A mistura de atividades tem relação, conta. Entre os estilos que gosta, o blues e o folk, o nascimento dessas vertentes vem do interior dos EUA. “É possível conciliar. Quando temos viagens, eu adianto o que posso. Na volta, me dedico para tirar o atrasado.”
O trabalho na lavoura carrega também uma questão ideológica. “Nosso país sofre de um atraso para adotar práticas positivas. O uso de agrotóxicos nos alimentos é uma prova. Há muitos interesses por trás. Nada que não possa mudar. A partir do interesse e da busca das pessoas pelos orgânicos, as empresas e as políticas públicas precisam se moldar. Isso vai fazer que a coisa engrene.”
Fruto de uma parceria
A organização do grupo começou após um curso sobre produção orgânica promovido pela Emater, em parceira com o governo. A engenheira agrônoma do escritório da Emater de Lajeado, Andréia Binz Tonin, auxilia os participantes com acompanhamento técnico e orientação.
Segundo ela, as dificuldades para a conquista certificação estão nas adequações das propriedades. “Não pode haver nenhuma contaminação. O uso dos insumos apenas livres de agroquímicos. No caso de o vizinho usar agrotóxicos, é necessário ter barreiras vegetais para evitar a contaminação.”
Junto com isso, somam-se a apresentação de laudos com a qualidade da água, de compostos orgânicos e amostra do produto final. As análises, diz a agrônoma, dá ainda mais credibilidade para o trabalho do Orgânicos do Vale.
Todo o processo não teve custos para os agricultores. “É preciso participação, envolvimento nas formações. De investimento, fica apenas as adequações na propriedade.”
Mudança cultural
A produção orgânica virou uma tendência em todo o país. Hoje, estima-se que movimente R$ 3 bilhões por ano, de acordo com estudo do Programa Organics Brasil. Esse avanço aparece também na área de cultivo e das feiras ecológicas. Conforme a Comissão da Produção Orgânica no RS, existem 90 pontos destinados ao comércio desses produtos.]
Em torno de 34% da população dos três estados do Sul inclui orgânicos na cardápio. Nos últimos cinco anos, segundo o Mapa, a área cultivada registra crescimento de 88,5%. Passou de 603,2 mil hectares em 2013 para 1,13 milhão de hectares em 2017. O número de produtores saltou de 6,7 mil para 15 mil.
Para o engenheiro agrônomo regional da Emater, Marcos Schäfer, diverso movimentos na sociedade apontam para uma crescente nesse sentido. Passa por políticas públicas para o apoio desse tipo de atividade, a preocupação social com a preservação do ambiente e com a saúde. Como resultado, consumidores optam cada vez mais por alimentos sem agrotóxicos.
Em termos regionais, analisa Schäfer, essa tendência ganha cada vez mais força. Mais municípios e produtores têm feitos as adaptações para conquistar os certificados de lavouras livres de agrotóxicos.
Produtores das cidades de Santa Clara do Sul, Encantado, Estrela, Colinas e Imigrante se organizam para entrar nesse mercado.

Daniel Purper produz alimentos sem agrotóxico faz mais de dez anos. Na feira, conquistou clientes fiéis
União pioneira
Lançado no ano passado, o Programa de Produção Orgânica de Santa Clara do Sul tem um objetivo audacioso. Disponibilizar 100% da merenda escolar com alimentos livre de agrotóxicos. Até 2020, a meta é ter pelo menos 300 hectares cultivados por meio do modelo agroecológico.
A iniciativa é uma parceria da Emater, Embrapa Clima Temperado e governo municipal. O Executivo auxiliará com apoio técnico, de infraestrutura e com investimento financeiro. A iniciativa começou com a identificação dos produtores interessados. Em seguida, parte-se para a formação do grupo, definição dos produtos a serem cultivados, preparação do solo, busca de locais para venda e a conscientização dos consumidores.
De acordo com o agrônomo regional, essa iniciativa deve ser enaltecida. “São ações muito bem vindas. Quando a municipalidade propõe esse caminho, fica mais fácil organizar o grupo. Como resultado, toda a sociedade tem a ganhar.”
Entrevista
Na feira de Lajeado, há produtos sem agrotóxicos vendidos pelo preço normal
A engenheira agrônoma do escritório da Emater em Lajeado, Andréia Binz Tonin, acredita que o mercado para alimentos sem agrotóxicos está em uma crescente. A partir disso, se abre uma oportunidade para os agricultores.
A Hora – Percebe-se um movimento no Vale para certificar mais propriedades livres de agrotóxicos. Ainda assim, estamos no país que é líder mundial no uso desses defensivos químicos. Com esse enredo, a que se deve esse novo comportamento que está surgindo no Vale?
Andréia Binz Tonin – É uma demanda do consumidor. As famílias estão buscando alimentos mais saudáveis. Temos na nossa região produtores que trabalhavam com orgânicos, mas que não conseguem se diferenciar sem a certificação. Ainda assim, temos diversos agricultores que percebem essa tendência. Também há o fato dos produtores não quererem se expor ao risco de contaminação, a preocupação com o ambiente e com a saúde do consumidor.
Com relação aos riscos do uso de agrotóxico, qual o impacto disso sobre a saúde das pessoas e da natureza?
Andréia – São diversos. A diminuição da vida do solo, isso pode acarretar a perda do potencial produtivo da terra. Na água, contamina o lençol freático. Para o produtor, há diversos casos de intoxicação por não usarem equipamentos de proteção.
Há uma questão de preço. Os orgânicos costumam ser mais caros. Com o aumento da produção, esses alimentos podem chegar ao patamar dos convencionais ?
Andréia – Hoje como a oferta é pequena, há uma diferença de preço. Aqueles que não são certificados ficam no mesmo patamar. Na feira de Lajeado, por exemplo, há produtos sem agrotóxicos vendidos pelo preço normal.
Quanto é o preço a mais?
Andréia – Difícil dizer, pois cada caso é um caso. No mercado institucional, o governo federal estipulou um adicional de 30% para os orgânicos credenciados.
Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br