Depois de atingir 8,1 no Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) para anos iniciais, em 2015, o município de Brejo Santo tornou-se exemplo nacional de educação. Com apenas 47 mil habitantes, e 23,4% da população dependente de bolsas sociais, a cidade mostrou que é possível fazer educação com poucos recursos. Ficou 2,8 pontos acima da média nacional, e 2,6 acima da média do próprio estado.
Na sexta-feira pela manhã, o desempenho foi assunto do segundo dia de formação dos gestores das escolas municipais.
Secretária de Educação do município cearense pelo terceiro mandato, Ana Jacqueline Braga apresentou o exemplo a Lajeado, que quer atingir melhores índices de educação. No último Ideb, o município teve média 6,2 nos anos iniciais, e 4,9 nos anos finais.
Em palestra no salão de eventos da prefeitura, contou como transformou o modelo de ensino a partir de 2009. Uma das escolas da rede, com melhor infraestrutura, estava entre as 150 piores no estado, e os índices das demais também não eram bons. Cerca de 40% dos alunos saíam dos primeiros anos sem saber ler, nem escrever. O Ideb, na época, era de 3 para os anos iniciais e 2,4 para os anos finais.
Após um diagnóstico preciso e sincero, das 44 escolas, o município começou a reordenar a rede. Foram encerradas as atividades das 33 salas multisseriadas. Escolas isoladas também foram fechadas. “O professor não foi formado para isso, para ensinar a mais de uma série. É um faz de conta. Eu finjo que ensino, você finge que aprende. Enquanto nas escolas isoladas ninguém sabe o que acontece”, resume.
O intuito era centralizar, e aproximar aluno e professor. Para isso, transporte escolar passou a ser oferecido, assim como merenda de qualidade, e em quantidade. Na região, é comum que os estudantes façam as únicas refeições na escola.
A transformação começou a dar resultados nos anos seguintes. Em 2013, a escola de Ensino Fundamental Maria Leite de Araújo, situada na zona rural do município, recebeu 9,2 no Ideb para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Em 2015, a nota subiu para 9,6 – a maior de todas. “Por isso digo que infraestrutura não está ligada à aprendizagem. Ela pode favorecer, mas o que faz a diferença é a relação do professor e aluno.”
Nas demais instituições, os resultados também foram percebidos. Treze escolas obtiveram nota 10 no estado. Os servidores de cada uma receberam 14º salário, como incentivo para a melhora contínua.
Entrevista
“Falta humanizar a educação. Chegar ao coração do professor”
Secretária de Educação de Brejo Santo, no Ceará, desde 2009, Ana Jacqueline Braga fala acerca do processo implantado na cidade e como ele pode servir de exemplo para Lajeado.
A Hora – Como foi possível identificar os problemas existentes na educação de Brejo Santo?
Ana Braga – A primeira coisa a ser feita em qualquer rede de educação é um diagnóstico. O mais simples: quantidade de alunos; número de crianças e adolescentes em idade escolar; se todos estão na escola; reprovação; aprovação. Pegar o quadro situacional do município e traçar o perfil. É doloroso, porque às vezes, quando você termina o diagnóstico, está tudo um caos. Como foi o nosso caso. E como fazer para melhorar tudo isso? Sentar, respirar e começar a pensar em estratégias que deem resultados.
Quais foram os desafios para implementar essas estratégias?
Um dos principais desafios que se apresenta em qualquer rede é a questão política. A educação precisa ser blindada. Ela precisa ser entendida como algo divino, sublime. Ela não pode ter interferência política. Precisa ser feita com seriedade, com compromisso, com pessoas que acreditem no que estão fazendo, e que tenham o perfil de educador. Quando você consegue isso, a partir do gestor maior, que é o prefeito, blindar a educação de questões políticas, as coisas andam facilmente. Como eu sou técnica, não sou política, sou professora, para mim foi muito fácil. Mas eu sei que para o meu prefeito da época não foi. Ele precisou ser forte para superar tudo que acontecia nos bastidores, e que eu nem queria tomar conhecimento.
Na palestra, você comentou que a questão da infraestrutura não está ligada ao bom desempenho. Por quê?
Enquanto educadora, por muitos anos, eu fazia essa correlação entre infraestrutura e aprendizagem. Eu acreditava piamente nisso. Com o meu fazer na Secretaria de Educação eu fui desconstruindo esses conceitos que estavam bem fortalecidos em mim. Por quê? Porque eu tinha dois casos bem distintos no município. Eu tinha um com uma escola de uma boa infraestrutura, que estava entre as 150 piores do Ceará, e em 2011 eu tinha uma escola com uma infraestrutura que não era boa, da zona rural, pequena, que precisava de muitas coisas, mas que foi a melhor do Brasil no Ideb, 9,2. Então eu tive que me desconstruir. Onde está o X da questão: a aprendizagem está ligada à relação professor aluno, naquilo que se estabelece, na afetividade, no amor, no envolvimento.
Aqui, assim como em tantos outros municípios do país, há boa infraestrutura. Mas os avanços não são tão significativos. Você acredita que esse envolvimento é o que está faltando?
Eu estou andando há alguns anos em vários municípios. Fazendo essa socialização de Brejo Santo, que é uma experiência que realmente chama a atenção por ser um município pobre. Mas quando eu vou a municípios ricos, percebo que falta humanizar a educação. Chegar ao coração do professor para que ele compreenda a importância que ele tem na nossa sociedade. A importância que ele tem no processo de revolução do Brasil, enquanto cidadão.
E como fazer isso? Isso se dá por meio da valorização?
Com muito amor. Quero deixar bem claro que não faço correlação entre salários e bom professor. Tenho professores que ganham muito bem e não são bons professores e outros que ganham bem e são bons professores. Aí está uma quebra de paradigma. O ser bom professor é aquele que se entende como transformador social daquele aluno que lhe foi confiado, a partir de todas as limitações daquele aluno. Ele compreende que é essencial na vida daquela pessoa e que ele pode transformar com o seu dia a dia na sala de aula, com o seu gesto, com a humanização. É o afeto, os laços que nos levam a querer fazer melhor.
Carolina Chaves da Silva: carolina@jornalahora.inf.br