Passado e futuro de um símbolo

Ascensão. Queda. Esperança

Passado e futuro de um símbolo

Os 24 anos do shopping de Lajeado são marcados por altos e baixos. Inaugurado em 1994, o maior complexo comercial do Vale do Taquari muda de administrador mais uma vez

Passado e futuro de um símbolo
Lajeado

A inauguração do shopping em Lajeado criou expectativa entre moradores e empresários. Também alimentou polêmicas e divergências. A festa de abertura do maior complexo comercial do Vale do Taquari, cuja obra perdurou por mais de dois anos, ocorreu quase dois meses após a primeira vitória de Fernando Henrique Cardoso sobre Luiz Inácio Lula da Siva, na disputa presidencial. Era 1994. E às 20h de quarta-feira, 30 de novembro, nascia um novo símbolo da região.

Vinte e quatro anos depois, o momento é de desconfiança. Mas também de esperança. Enquanto mais da metade dos espaços do shopping estão ociosos, o novo grupo de administradores promete investimentos estruturais no empreendimento. Comunidade e empresários anseiam melhorias pontuais. Muitas das quais ficaram só na promessa por parte do M Grupo. Como a fachada remodelada.

A situação econômica do país apresentava melhora a partir do Plano Real, em 1994. A estrutura no entorno do shopping era diferente. A BR-386 passava por obras de duplicação, a construção da nova ponte sobre o Taquari enfrentava greve de funcionários da empresa contratada. No mesmo período, o Exército mantinha uma ponte de ferro sobre a estrutura antiga, e a instalação do complexo comercial à beira da rodovia foi criticada pelo comando da Polícia Rodoviária Federal da época.

A chegada do novo empreendimento também impactou os bastidores da política. Em 25 de novembro, cinco dias antes da inauguração, a câmara de vereadores aprovou um projeto de lei encaminhado pelo então prefeito, Leopoldo Feldens, para ampliar o horário do comércio geral no município. A matéria propunha liberar entre 7h e 22h, nos dias úteis.

A proposta foi votada em regime de urgência, em uma sessão extraordinária presidida por Waldir Gisch, hoje vereador pelo PP. Entre os 17 parlamentares daquela legislatura, só dois foram contrários: Luís Fernando Schmidt (PT) e Antônio Altair Dossena (PPR). Enio Bacci (PDT) estava ausente.

Naquela ocasião, o plenário Tancredo Neves estava lotado de empresários e comerciários. Houve fortes manifestações durante a votação da matéria. Muitos reclamaram da rapidez com que os parlamentares avaliaram e aprovaram a mudança na legislação. “Nem o Airton Senna foi tão rápido”, gritou um indignado, conforme publicado em matérias jornalísticas da época.

Remodelação da praça de alimentação foi uma das poucas promessas cumpridas pelo M. Grupo

Remodelação da praça de alimentação foi uma das poucas promessas cumpridas pelo M. Grupo

Novas linhas de ônibus

A inauguração do complexo comercial distante da área central teve impacto na vida de funcionários, empresários e consumidores. Projetado para alcançar um público superior a 300 mil pessoas, o UniShopping gerou – logo de saída – mais de 500 empregos – hoje são 1,2 mil. Diante disso, o governo municipal alterou o serviço de transporte público.

As empresas Ereno Dörr e Scherer criaram novas linhas. A primeira implantou mais quatro itinerários e a Scherer colocou outros três trajetos diários passando em frente ao centro comercial.

As lojas na estreia

O número de empreendimentos no dia da inauguração era um dos indícios de que o espaço daria certo. Foram 55 empreendedores que apostaram no complexo. Eram comerciantes nas áreas da alimentação, farmácia, serviços bancários, lazer e diversão, comércio em geral, automobilístico, música e de pedras preciosas.

Entre as lojas que faziam parte do complexo, estavam Supermercado Nacional, Gang, Roque Lopes Exportação de Pedras, Bijon, L´Acqua di Fiori, Banco do Brasil, Roma Material Esportivo, Luma Confecções, J.A. Spohr, Brasil Moreno, Certel, Hyundai, Casa Americana, Decorhome, Passion, Pedrinho Sports, Água de Cheiro/Benetton, Casa Prata, Disparate, Kasula, Casa do Sapato, Ciclovia, Baby & Cia, Pathwork e Xock Video.

Já a praça de alimentação era formada pela Fryzi, Rangus & Cia, Stoffel, Galeteria, Ilha do Pastel, Sorvebom, Bloom´s Burger, Pitschmann, Pizza Tost, Q Tutti´s e ainda o Unibowling, um espaço para a prática de boliche e também para festas diversas. No segundo andar, havia os brinquedos e eletrônicos da Flipertonics e o cinema da empresa Arco-Íris. Um pouco depois, uma pista de kart foi instalada no subsolo, junto ao estacionamento.

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“Expectativa era grande. Decepção foi maior”

O publicitário Mateus Weimer dos Santos foi um dos primeiros empreendedores do shopping. Em 1994, ele era um dos sócios da loja-franquia da Gang na região e escolheu um dos espaços do novo complexo para abrir o próprio negócio. “Antes de inaugurar, a expectativa era grande, Porém, logo depois, a decepção foi maior”, resume.

Para ele, o shopping nunca chegou a “vingar de verdade”. O publicitário cita diversos problemas enfrentados nos primeiros meses e anos do empreendimento às margens da BR-386. “O shopping nasceu para ser ‘regional’, com expectativa de um público de 300 mil pessoas da região. Porém, sempre dependeu muito de Lajeado, e as pessoas achavam longe do centro’, pontua.

Ainda de acordo com Santos, o shopping, desde a inauguração, sempre funcionou bem aos fins de semana. Entretanto, reforça a opinião de que, durante os dias úteis, o movimento costuma ser “fraquíssimo”. “As lojas não se mantinham. Aliado ao aluguel e condomínio altos, havia alta rotatividade.”

Santos ficou até 1997 no shopping. Naqueles três anos, além das dificuldades já citadas, ele relembra uma curiosidade que, por mais bizarra, também atrapalhou parte do comércio. “A Mãe Dinah previu a explosão de um shopping do interior. Não deu outra: o povo parou de ir, com medo. Afinal, ela tinha previsto o acidente do grupo Mamonas Assassinas”, comenta.

 

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“Uma minoria com problema de gestão”

Gerente e fundador da empresa Sorvebom, Martin Eckardt se considera um “lojista fundador” do shopping. No início, conta, o complexo comercial “estourou”. Porém, dois anos depois, os lojistas sentiram a primeira diminuição nos clientes. “Sempre foi uma luta contínua trazer pessoas ao local. Sempre fazíamos festivais de etnias e outros eventos para isso.”

Para ele, a queda na procura de clientes ocorria em função de uma série de fatores. Entre esses, ressalta a ausência de lojas âncoras. “A própria Sorvebom não tinha expressão fora de Lajeado até 1997”, diz. “A única era o Supermercado Nacional, que era da família dona do shopping. Depois que eles venderam essa bandeira Nacional para um grupo português, mudou bastante e iniciamos muitas dificuldades.”

Eckardt acredita também em questões culturais. Para ele, a sociedade local e regional demorou a “adotar” o UniShopping. “O povo não estava pronto para aceitar a estrutura de um shopping. Acho que não tínhamos a cultura de um shopping. Isso mudou de uns anos para cá”, diz ele, que ficou bastante animado quando, em 2012, o M.Grupo comprou parte do complexo e anunciou melhorias.

De acordo com o empresário, foram investidos mais de R$ 300 mil na montagem da nova loja – passou do primeiro para o segundo piso, em 2013, e hoje têm dez funcionários –, e o movimento, segundo ele, é bom. “Nossa movimentação é positiva. O problema não são os lojistas. A maioria é muito competente e não está com problemas. Mas existe uma minoria com problemas de gestão, com operações equivocadas. E com isso falam mal do shopping.”

Mesmo assim, ele atenta para a necessidade de melhorias na infraestrutura do local. Entre os pontos, destaca uma reforma na fachada e no acesso, no ar-condicionado, nas escadas rolantes, banheiros, bancos, entre outras demandas.

“Nosso shopping é muito bom”

Romulo Vier é gerente da Lojas Prata, rede com 17 unidades. No shopping, a franquia inaugurou o próprio espaço em 2011.

“Na época, era nossa quinta loja. Entre os prós daquele investimento, o fato de que o antigo shopping tinha um custo de operação mais baixo que o atual.” Na inauguração, eram nove funcionários. Hoje, são oito. E, apesar dos problemas recentes da administração, Vier garante novos investimentos na unidade do shopping. “A única loja não remodelada da empresa é essa. Vamos fazer uma loja maior muito em breve.”

Ele também faz questão de ressaltar as virtudes do local. “Poucas são as cidades no Brasil com 80 mil habitantes que têm um empreendimento desse porte. Em qual cidade do interior a Lojas Renner vende tanto? O Shopping Lajeado dá certo, tem clientes fiéis, temos uma excelente praça de alimentação, uma excelente livraria, cinemas, estacionamentos bons”, pontua.

Mesmo assim, o empresário alerta para a necessidade de reposição de alguns empreendimentos que deixaram o local. “Tivemos perdas como a Grazziotin, e agora o mercado. Logo virá um supermercado com o foco nesse público novo. Precisamos de um mercado que acompanhe a nova proposta. Estamos próximos de consolidar. Tem que facilitar para as grandes âncoras locais. Que ajudariam muito com o fluxo de pagamentos de crediário.”

Sobre a polêmica envolvendo o M.Grupo, comenta: “Houve falhas de pensar muito a longo prazo. Investiram pesado em mudanças desnecessárias. Mas trouxeram excelentes marcas. Lojas que têm relações fortes com o consumidor”, finaliza.

Enquanto lojas de renome estadual vieram para o shopping, outras saíram. Atualmente, mais da metade dos espaços estão ociosos

Enquanto lojas de renome estadual vieram para o shopping, outras saíram. Atualmente, mais da metade dos espaços estão ociosos

Entradas e saídas recentes

Só neste mês de fevereiro, duas importantes marcas gaúchas fecharam as portas no Shopping Lajeado. A primeira foi a Multisom – que também fechou pelo menos 30 lojas em outras cidades do estado –, no dia 1º. Menos de uma semana depois, foi a vez do Supermercado Rissul demitir mais de cem funcionários e encerrar as operações no Vale do Taquari após mais de uma década.

Se de um lado houve saídas, de outro, estão previstos novos empreendimentos no complexo de 25 mil metros quadrados. O cirurgião-dentista Ricardo Pires pretende instalar um centro clínico de odontologia e estética no primeiro andar, e depois ampliar o atendimento para o segundo piso. Mas, diante das incertezas, ainda prefere aguardar antes de investir.

Questões jurídicas pendentes

Advogado da associação dos lojistas, Cesar Bublitz acompanha a situação jurídica atual do empreendimento. Atualmente, e diante de uma liminar concedida pela Justiça de Lajeado, o M.Grupo foi afastado da função de síndico do imóvel. A ação foi movida por um dos fundos de investimento proprietário do shopping, a Capitania S.A. Outra parte pertence ao RB (Rio Bravo).

Bublitz também moveu uma ação, que resultou na cedência para a associação do direito de gerenciar o Fundo de Promoção e Publicidade (FPP), mantido com valores repassados mensalmente pelos lojistas. “Essas poucas campanhas, desde o Dia das Mães do ano passado, foram organizadas pela associação”, informa o advogado. Um terceiro processo foi movido em função da falta de prestação de contas.

Entrevista

“Vamos investir milhões para recuperar o espaço”

Entrevista com o novo administrador do Shopping Lajeado, Rubens Simonsen

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A Hora – O que podemos esperar da Simonsen Assessoria e Participações?

Rubens Simonsen – Depois das dificuldades do M.Grupo, o shopping foi retomado pelos investidores e fundos de investimentos que financiaram a negociação para os antigos donos. Obviamente, eles têm recursos para aguentar este período de dificuldade e manter o shopping. Não há mais aquele sufoco. E a nossa empresa, nomeada judicialmente para administrar, tem sede em São Paulo com filial no RS. Atende em todo o Brasil. São 30 anos de experiência. Já fizemos serviços para mais de 50 shoppings. Nos caracterizamos na área de comercialização dos espaços e na administração.

Como vocês receberam o Shopping Lajeado?

Simonsen – Nós recebemos o empreendimento com uma total falta de informações. E isso fez com que perdêssemos tempo. Há também algumas dívidas, que já estão sendo negociadas (com energia elétrica, a cifra ultrapassa R$ 1 milhão). Também fomos pegos de surpresa com entrega da loja do Rissul, mas era uma decisão que já estava tomada. Fizemos reuniões, tentamos reverter. Mas não foi possível. No momento, estamos muito preocupados em arrumar a casa, ajeitando o sistema de ar-condicionado, de escadas rolantes, os elevadores, os banheiros, geradores, iluminação. Vamos arrumando a casa para poder receber nossos novos hóspedes.

Qual a solução para o “buraco” deixado pelo Rissul?

Simonsen – A área deles era de 4,6 mil metros quadrados. Quando começou o shopping, era usual um mercado dentro. Hoje isso não é mais usual. E, se existem, ocupam áreas menores. Queremos fazer desse limão uma limonada. Vamos conseguir não só um novo mercado, adaptado com as áreas e espaços atuais, mas ainda trazer outras âncoras ou lojas satélites. Já estamos negociando com três redes de supermercados interessadas no local e, com um espaço menor para esse empreendimento, haverá possibilidade de expandir em até 50% o número de lojas do shopping. Um mix perfeito.

É possível mensurar o investimento necessário?

Simonsen – Estamos negociando pagamento de dívidas. O investimento será grande. Queremos entregar antes do Carnaval um Plano de Negócios aos fundos de investimento. Eles devem aprovar logo depois do feriado. Não posso confirmar o valor, mas será alto suficiente para ajeitar o shopping. Alguns milhões, digamos assim. Quem ficar conosco, só tem a lucrar.

Em números, quais são as projeções de público e negócios para os lojistas?

Simonsen – Hoje estamos com uma média de 500 mil pessoas por mês passando pelo shopping. Queremos atingir uma média de 750 mil até o fim do ano. Sobre valores de vendas, estimamos que a média mensal girava em torno de R$ 10 milhões com cerca de 80 lojas. Até o fim de 2018, queremos que esses números atinjam R$ 15 milhões mensais, com o acréscimo de dez ou 15 lojas.

Quais serão as vantagens para os lojistas que apostam no shopping?

Simonsen – Os novos lojistas, assim como aqueles que permanecerem conosco, terão condições de aluguel e condomínio especiais. Planejamos, em um prazo de até dois meses, baixar em 20% o condomínio que hoje está em torno de R$ 100 o metro quadrado. O mesmo ocorrerá com o aluguel, cuja média atual fica em R$ 105 o metro quadrado. Também já podemos anunciar a contratação de uma gerente de marketing. Seremos muito agressivos nas campanhas, divulgações, promoções. E vamos criar novos eventos e retomar antigos, como exposições de carros antigos, feiras itinerantes e festivais de etnias e danças típicas da região. Tudo a partir de abril.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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