A quebra de paradigmas foi o tema do 12º workshop Negócios em Pauta, realizado no dia 17 em Lajeado. Para abordá-lo, a diretora-presidente da Companhia Minuano de Alimentos, Margareth Schacht Herrmann, apontou as transformações realizadas ao longo dos quase 72 anos de história da empresa.
O processo iniciado com a mudança no setor de atuação, nove anos após a fundação, passou pela abertura do capital societário na bolsa até chegar às recentes transformações administrativas voltadas para um modelo de gestão compartilhada.
Graduada em Química Industrial de Alimentos e concluindo MBA em Gestão de Agronegócios e Biotecnologia, a palestrante atua faz 11 anos no setor frigorífico.
Também participaram do evento como debatedores o presidente do Sescon-RS, Diogo Chamum, e o prefeito de Santa Clara do Sul, Paulo Kohlrausch.
De acordo com Margareth, inicialmente, a Minuano trabalhava no ramo de tipografia e produção de embalagens. A mudança para o setor avícola ocorreu em 1955 e representa a visão do fundador da empresa. “Ele superou um paradigma e criou um novo que persiste por mais de 65 anos. É um belo exemplo de repensar tudo o que precisava e seguir adiante.”
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A alteração entre setores completamente distintos se mostrou assertiva. Com a abertura do abatedouro de aves em Lajeado nos anos 1970, a empresa se tornou uma das mais importantes do segmento no Brasil, e passou a exportar para países árabes, europeus e asiáticos.
Outro grande paradigma, aponta, foi o processo de abertura do capital da empresa, por meio de uma holding com atuação na bolsa de valores. “Esse foi um passo inicial, que entrou em fase mais acelerada a partir de 2012.”
Entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 2000, a companhia passou por um processo de expansão acelerado. Em 1987, lembra Margareth, foi lançado um dos produtos mais icônicos da história da Minuano, o Galeto Minu.
“Praticamente todo mundo tem alguma lembrança sobre essa campanha”, ressalta. Segundo ela, os anos 1990 foram de aquisição de novos frigoríficos, que hoje não estão mais em operação. Em 2002, aponta, a companhia sofreu seu maior revés, quando uma crise provocou a abertura de concordata.
“Iniciamos um processo de recuperação e no ano seguinte fechamos um contrato de prestação para a BRF”, relata. Hoje, a empresa tem 2,4 mil funcionários em seis unidades produtivas, cinco das quais prestam serviços para a BRF, além de uma planta com marca própria Minuano, que fornece produtos para RS, SC e mais de 15 países.
A partir de 2012, outro paradigma foi quebrado, com a entrada de novos sócios e a redução da participação da família fundadora. “Foi muito impactante, pois quem sempre trabalhou lá se acostumou com um chefe, o dono da empresa. Hoje trabalha para uma empresa com capital aberto e mais de 1,5 mil acionistas.”
Essa alteração trouxe profundas mudanças na forma de gerir a companhia. Segundo Margareth, diante da evolução do mundo e da velocidade com que a sociedade se altera, a melhoria contínua e a renovação em processos são fundamentais para a busca constante por melhores resultados.
“Precisamos de sonhos e padrões diferentes”, destaca. Conforme a palestrante, nem sempre essa postura significa uma ruptura completa, mas sim o amadurecimento e a costumização dos padrões diante das necessidades.
Para ela, a quebra de paradigma é importante pelo simbolismo de uma liberdade que talvez não existisse anos atrás, de questionar os conceitos pré-existentes se não concordamos com eles ou temos uma ideia melhor sobre o assunto.
Gestão compartilhada
Uma terceira mudança foi de gestão, consolidada em 2016 com a entrada da diretoria atual. Segundo Margareth, a proposta foi montar uma gestão participativa e transparente, fazendo com que as pessoas ajudassem a gerir um negócio como um todo.
“Quando um padrão é rompido para a criação de outro, a participação da equipe nesse processo é fundamental para o sucesso”, acredita. Para a palestrante, uma nova diretoria não pode chegar em uma empresa com décadas de atuação pensando que o conhecimento e a experiência dos diretores solucionam todas as coisas.
“Essa foi outra quebra de paradigmas, pois uma direção nova, composta totalmente por mulheres jovens que convidavam as pessoas a também decidir”, ressalta.
Margareth lembra que no início desse novo modelo as pessoas chegavam à sala das diretoras pedindo a solução de determinado problema. Quando eram instigadas a falar mais sobre o tema e a dar suas opiniões, ressalta que havia um certo estranhamento.
“Falávamos para chamar as pessoas envolvidas na questão e fazer uma grande discussão juntos, mas muitos se sentiam incomodados, porque queriam alguém que decidisse e mandasse fazer”, lembra. Afirma que com o tempo as pessoas foram ficando mais à vontade para participar e expor suas opiniões.
Passados quase dois anos, Margareth destaca os resultados desse processo. Segundo ela, uma decisão tomada sozinha é mais fácil, mas aumenta a chance de erros, enquanto uma decisão coletiva, mesmo mais demorada, reduz as chances de dar errado.
Outro fator impactante a partir da implantação do modelo, ressalta, foi a revelação de vários talentos na equipe. “Quando passamos a dar vez e voz para as pessoas, descobrimos muitos potenciais que nos orgulha muito dizer que foram promovidos pela empresa.”
Lembra que o início do processo foi difícil e conflituoso, porque envolveu a construção de um padrão coletivo em detrimento dos padrões individuais pré-existentes. Para ela, essa quebra de paradigma na gestão de pessoas é fundamental, porque elas fazem a empresa ser o que é.
“As ações na bolsa de valores, prédios e unidades são apenas ativos imobilizados depreciando se não existirem pessoas trabalhando”, destaca. Conforme a palestrante, a Minuano aposta na expressão cabeça de obra, ao invés de mão de obra. Dessa forma, incentiva a participação por meio de interdisciplinaridade.
“Precisamos de pessoas de diferentes setores e segmentos discutindo ideias juntos, pois isso instiga o conhecimento e nos faz evoluir”, ressalta. Para que um processo como esse dê certo, ressalta, é fundamental a união e a confiança mútua na equipe, para que todos possam ter a coragem de quebrar os paradigmas.
Amarras do setor público
Questionado sobre a possibilidade de trazer esse conceito de gestão no setor público, o prefeito de Santa Clara do Sul, Paulo Kohlrausch, falou sobre as resistências às quebras de paradigmas. Segundo ele, a principal dificuldade para estabelecer eficiência e eficácia no setor público é o engessamento e a falta de autonomia do gestor.
O prefeito alega que parte desse engessamento é causado pela burocracia. “Imagine se você tem uma empresa sem autonomia para escolher o colaborador que fará essa equipe andar”, relata. Enquanto nas empresas privadas o setor de RH exerce papel fundamental, ressalta que na administração pública a maior parte dos servidores é concursada.
“O gestor nem conhece as pessoas que virão trabalhar e só sairão quando bem entender”, aponta. Lembra que concurso público nenhum define caráter ou pode julgar a vida pregressa de quem participa e é aprovado.
Segundo ele, diante desse paradigma, são necessários líderes competentes capazes de conduzir e motivar esses profissionais. “É preciso uma habilidade ímpar e criatividade para conseguir tirar o melhor resultado dessas pessoas e atender os milhares de patrões, que são os moradores de um município.”
Para Kohlrausch, a responsabilidade dos resultados de serviços prestados ou da parte financeira da gestão é do chefe do Executivo. “Por isso é importante abandonar velhos conceitos e quebrar paradigmas.”
Conforme o debatedor, além da estabilidade do servidor, outro fator que atrapalha a gestão pública brasileira são as licitações. “Imagine se uma empresa não pode escolher seus fornecedores, que são peça-chave em qualquer organização.”
Segundo ele, a exigência das licitações acaba com a autonomia do gestor. Cita como exemplo os atrasos nas entregas de um fornecedor, que provocam a perda de credibilidade na oferta de bens ou serviços para o cliente.
“Sei que a burocracia é necessária, mas essa premissa de que todo gestor público é corrupto ou vai se corromper engessa o processo”, alega. Outro ponto que causa a ineficiência no poder público, aponta, é o compromisso político firmado entre os diferentes partidos durante uma disputa eleitoral.
Quando da formação de governos, revela, a composição é definida pelos partidos da base que indicam os cargos em comissão (CCs). “Temos indicações que não são feitas para resolver os problemas de governo, e sim os problemas pessoais de A, B ou C.”
A questão dos financiamentos de campanha também representa uma amarra, na opinião do prefeito. Prova disso, alega, é a Operação Lava-jato, que revelou as relações danosas entre empresas e gestores públicos. Para ele, toda essa situação afeta diretamente o setor privado, pois quando a coisa pública não funciona de acordo o empresário é quem mais se prejudica.
Mudanças em todas as esferas
Presidente do Sescon-RS, Diogo Chamun citou exemplos de quebra de paradigmas em diferentes setores. Segundo ele, toda mudança requer algum tipo de ruptura, sejam elas estruturais, como uma troca do mercado de atuação, ou mesmo de coisas relacionadas ao cotidiano, como a troca de tecnologia.
No caso da entidade que preside, destaca a adoção do slogan “Sindicato a serviços da Sociedade”. Conforme Chamun, um sindicato é uma entidade que defende um segmento em determinada base territorial, defendendo seus representados por meio de qualificação e de representação dos interesses junto aos órgãos públicos.
“No Brasil, o sindicato tem um estigma muito ruim, porque temos quase 16 mil entidades do tipo, a grande maioria fazendo coisas que não deveriam”, afirma. A decisão de adotar o slogan fez parte da estratégia de alterar essa lógica sindical.
Junto com isso, o Sescon-RS também passou a apostar em ações voltadas para a sociedade e não somente para o público de atuação. “Criamos estudos que hoje subsidiam projetos parlamentares para corrigir a defasagem na tabela do Imposto de Renda e reduzir a burocracia para a abertura das empresas, entre outros vários eventos.”
No setor privado, cita como exemplo a empresa na qual trabalha, em Porto Alegre. Cerca de dez anos atrás, Chamun começou a buscar especializações, mas não em áreas mais tradicionais, como controladoria, tributação e auditoria.
“Decidi mudar e fazer uma especialização em gestão empreendedora. Como resultado, geramos um negócio que hoje atende os nossos então concorrentes, que é o de serviços previdenciários”, destaca.
Lembra que na época a área contábil não sabia fazer esse serviço porque teria que se aprofundar no tema, enquanto os profissionais de Direito não faziam porque consideravam os honorários muito baixos. “Hoje atendemos escritórios de contabilidade e advocacia.”
Na esfera nacional, Chamun cita as mudanças provocadas pela reforma trabalhista do governo federal, que para ele desatou muitas amarras. Conforme o presidente do Sescon-RS, ao longo dos anos, o trabalhador foi sendo excessivamente protegido, a ponto de se tornar um filho mimado para as empresas. “Basta ter um pouco de tempo de casa que uma demissão se torna cara e não acontece.”
Segundo ele, é preciso parar de falar em proteção e começar a apostar na qualificação enquanto palavra de ordem. Chamun afirma que parte dos problemas de gestão no país se explica por isso. “Dados mostram que o brasileiro produz a metade do que produz um chileno e 1/4 do que produzem alemães e americanos.”
Perguntas e respostas para a palestrante
Paulo Kohlrausch – De que maneira você conseguiu enfrentar as resistências nesse processo de transição?
Margareth – No primeiro ano foi mais delicado. Fomos até as equipes e convidamos elas para trabalhar com a gente. Ali que as resistências aparecem. As declaradas são mais fáceis de se trabalhar, e as veladas mais difíceis. Mas sempre pensamos que a maioria vence. Em um ambiente onde você vai convidando as pessoas, as resistências vão se isolando. Elas acabam não conseguindo mais se manter naquele ambiente. Então a pessoa acaba tendo que tomar uma decisão, ou faz parte ou deixa aquele grupo. Os próprios colegas e as equipes acabam identificando e isolando. Quando você convida as pessoas para trabalhar, umas vão querer, outras não. Felizmente é uma minoria que resiste.
Adair Weiss – Como o processo de tomada de decisão coletiva interfere no tempo das ações?
Margareth – Antes do amadurecimento da equipe, o tempo era um problema. Depois de ter uma equipe madura, foi mais rápido, pois as pessoas entendem o seu papel e entendem que terão que participar, com isso, as decisões saem mais rápido. Outra coisa é que talvez a gente passa mais tempo discutindo e menos tempo corrigindo. Porque no momento que várias cabeças pensaram juntas a minha chance de errar é menor.
Martin Eckert – Como unir uma geração mais experiente e resistente à mudança com uma nova propensa a mudar, mas com pouca experiência?
Margareth – Percebemos que os mais antigos, por mais que sejam resistentes, carregam uma experiência muito importante para fazer essas mudanças em um formato estruturado. Eles detêm o conhecimento. Os mais novos compram logo a ideia, mas talvez não persistem tanto nas atividades referentes àquela mudança. Acho que o formato é o mais diverso porque não podemos escolher geração, idade ou sexo das pessoas que trabalharão conosco. Acho que a união dessas gerações, fazer o mais antigo conversar com o novo, traz boas experiências. Precisamos que essas pessoas que têm 20, 30 anos de empresa conversem com quem está chegando hoje. Quem chega hoje acha o trabalho difícil, complicado. Quem está há muito tempo diz que hoje é muito fácil de trabalhar, porque antigamente ele mesmo limpava o chão ou carregava os produtos e não em um carrinho. Então as pessoas têm esse sentimento. A união dessas experiências é importante porque os jovens mostram suas necessidades e os antigos explicam como está favorável o momento. É um formato interessante para trabalhar.