Filho de agricultor nascido em Paverama, Nelson Eggers, 80, se tornou um dos empresários mais bem-sucedidos do RS. Neto de Emílio Kirst, dono de uma pequena fábrica de bebidas em Arroio do Meio, passou a infância convivendo com a indústria ao mesmo tempo em que brincava com os primos na propriedade da família.
Por insistência do pai, estudou no internato do Colégio Alberto Torres, em Lajeado, onde se formou técnico em Contabilidade e alcançou o primeiro trabalho com carteira assinada. No início da juventude, morou em Porto Alegre para estudar engenharia e ampliar o leque de atuação profissional.
A decisão de voltar para o Vale do Taquari ocorreu em meados dos anos 1950. Mesmo diante de boas opções de trabalho, inclusive tendo passado em um concurso público, decidiu assumir uma posição na fábrica que um dia pertenceu ao avô, mesmo representando a menor remuneração com a maior carga de trabalho.
Desde então, foi um dos responsáveis por transformar a pequena fábrica iniciada em 1924 em um gigante do setor de bebidas. Hoje lidera o processo de franco crescimento da empresa, que além de dominar o mercado gaúcho de guaranás e água mineral se prepara para invadir o Brasil e a América Latina, ao mesmo tempo em que investe na criação de produtos inovadores.
[bloco 1]
Qual sua lembrança mais remota da Fruki?
Nelson Eggers – A empresa teve vários nomes. No início era Emílio Kirst, depois Emílio Kirst e Cia, quando era ele e dois filhos, após era Kirst e Cia, quando o Emílio, meu avô morreu, em 1941. Eu nasci em Paverama e a fábrica ficava em Arroio do Meio. Meu pai era colono, mas tinha uma fabriqueta de farinha de mandioca. Ele foi herdeiro dessa pequena parte dessa fábrica em Arroio do Meio junto com os outros parentes, porque minha mãe era filha do Emílio. Dois cunhados que já tocavam esse negócio convidaram para ir morar em Arroio do Meio. Ele vendeu as terras em Paverama e foi. Eu morava na casa que era do meu avô e fomos morar lá por volta de 1945. Naquela época eu era muito criança.
Como o senhor começou a participar da empresa?
Eggers – A partir daquele momento em que fomos morar ao lado da fábrica, participei de tudo. Tinha mais três primos, filhos dos meus tios, e brincávamos sempre ali pela volta. Meu tio Bruno trabalhava na indústria e cuidava da fábrica. Meu pai era vendedor, saía a cavalo, assim como meu outro tio, Válter. Eles ficavam duas semanas fora, vendendo lá nos comerciantes do interior. Naquela época o comércio no interior era forte. A gente até trabalhava, colava rótulos à mão. Trabalhava e brincava ao mesmo tempo. Ali do lado tinha um potreiro, jogávamos futebol e meu tio nos chamava para rotular algumas caixas. Quando terminava, voltava para jogar. Fim do mês ele nos pagava e conseguíamos comprar algumas coisas, como camiseta, calção e uma chuteira. Assim, já aprendemos essa coisa da economia. Fomos crescendo em volta da fábrica.
O senhor completou os estudos em Lajeado?
Eggers – Meu pai quis muito que eu estudasse. Me internou no Colégio Alberto Torres, porque na época Lajeado ficava muito longe de Arroio do Meio, as comunicações eram difíceis. Fiz o ginásio interno. Uma vez por mês conseguíamos sair por um fim de semana e ir para casa. Pegava o ônibus sábado de manhã e voltava domingo à tardinha. Depois de completar o ginásio, fiz contabilidade no Alberto Torres. Então, o diretor me convidou para trabalhar na secretaria. Esse foi o meu primeiro emprego com carteira assinada. Ganhava salário, tinha internato e aula de graça. Foi muito bom. Depois, quando que terminei contabilidade, fui para Porto Alegre para estudar, em meados dos anos 1950.
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Como foi a experiência na capital?
Eggers – Eu fiz cursinho porque queria estudar engenharia. Trabalhei em uma empresa onde as pessoas conheciam os professores do Alberto Torres. Depois em uma segunda empresa de engenharia. Depois, um professor de Lajeado veio para Porto Alegre para fundar o Colégio Pastor Dohms. Fui ser o secretário lá pela minha experiência no Ceat. Nós começamos a escola que hoje é uma das mais conceituadas de Porto Alegre. Tenho orgulho de ter sido o secretário-fundador com 18 anos de idade. Eu estudei bastante, naquela época não queria ser da tropa do Exército, então, fiz o CPOR, na área de engenharia. Eram dois anos, no sábado e domingo, e trabalhava na semana. À noite fazia o cursinho. Foram tempos de muito sacrifício. Também fiz alguns concursos. Passei para a Secretaria da Fazenda, mas tive que fazer meu estágio na tropa como aspirante a oficial para receber o título de tenente. Larguei o trabalho e fui para São Leopoldo com a tropa. Chegou um momento em que tinha quatro ou cinco opções para me empregar. Voltar para o colégio, assumir o cargo na Secretaria da Fazenda, continuar no Exército e também fui convidado para a nossa empresa de Arroio do Meio, a Kirst e Cia. Escolhi a secretaria, mas só queria trabalhar em Porto Alegre, porque queria estudar, o que eles não aceitaram. Então, decidi vir para Arroio do Meio, onde eu menos ganhava.
O que o senhor fazia nesse retorno à fábrica?
Eggers – Absolutamente tudo, até lavar garrafa. Venda, elaborar as fórmulas, aprendi de tudo. Se tinha que fazer uma instalação elétrica, como tinha um conhecimento razoável por causa do curso de engenharia do CPOR. Isso me estimulou para nossos negócios evoluírem bastante. Eu sempre pensava na frente, em como será. O empreendedor precisa ter isso. Não deve só pensar no hoje, no amanhã, em daqui dez anos. Toda essa minha caminhada me estimulou muito. Éramos cinco sócios- gerentes que trabalhavam dentro da empresa e tinham liderança. Com o tempo, meu tio e meu pai foram se aposentando. Meu outro tio e um sócio formado em contabilidade morreram. Eu continuei.
[bloco 3]
Isso foi em que época? Quando ocorreu a mudança da empresa para Lajeado?
Eggers – Entrei lá no fim de 1959. Em 1962, a rodovia ainda não estava aberta, e compramos o terreno em Lajeado onde a fábrica está até hoje. Eu era muito jovem ainda, mas tinha amigos engenheiros ou em final de curso e fazendo estágio. Um conhecido ajudou nessa demarcação da rodovia e me entregou o mapa. Portanto, sabia bem certinho onde a estrada passaria. Os piquetes ficavam no meio das macegas. Eu sabia o nome dos proprietários, que continuavam morando e plantando no terreno. Era tudo lavoura. Aquele mapa ajudou muito porque era um ponto muito próximo da cidade. Só em 1969 tivemos coragem de começar a construir. A rodovia já estava aberta e levamos 27 meses para erguer a pequena fábrica. Era um prédio com 800 metros quadrados, hoje são 25 mil e estamos muito apertados aqui.
De que forma a Fruki cresceu no mercado de bebidas?
Eggers – Sempre fomos buscando conhecimento. Comecei a viajar para os Estados Unidos, mas principalmente para a Europa, que é mais referência em bebida. Comecei a ir nas feiras, em especial à Alemanha. Antes disso, ia às feiras de São Paulo. Continuo indo até hoje porque o que já existe hoje lá fora teremos daqui cinco ou dez anos no Brasil. Então fomos nos antecipando. Mesmo sem dinheiro, mas fazendo muita economia, algo que fazemos até hoje. Conseguimos construir essa fábrica que hoje é referência. Vem gente de todo o Brasil conhecer os nossos processos.
Quando a empresa definiu suas diretrizes e valores?
Eggers – Isso foi uma construção iniciada em 2000. Definimos nossa missão, visão, propósito e valores. Os valores são a base de tudo e estão baseados nos conceitos de família. Temos a questão da confiança, por exemplo. Deixamos de vender para clientes ou de comprar de fornecedores nos quais não confiamos na qualidade de seus produtos e processos de gestão. A definição da nossa filosofia empresarial foi a grande mudança. Temos uma política de valorização dos trabalhadores. Hoje, temos como diretor industrial que entrou aqui como operário. Veio do interior, estudou, fez faculdade, algo que Lajeado facilita muito. Se formou em Engenharia de Produção, fez duas pós-graduações, mestrado na Ufrgs e foi crescendo na indústria. Foi gerente industrial por muitos anos e este ano convidei para ser diretor.
Qual a política da empresa em relação aos funcionários?
Eggers – Temos 150 trabalhadores apenas. Hoje os funcionários da fábrica precisam ter Ensino Médio completo. Eu não chamo mais de operários, gosto de chamar de profissionais. Hoje temos 11 engenheiros dentro da fábrica, três deles com mestrado e três fazendo mestrado. Nosso gerente financeiro começou como operário, assim como o gerente da segurança, que também é professor universitário. Temos 80 bolsas de estudo para ajudar os funcionários. Pagamos 50% da mensalidade e ele tem que pagar o restante porque o que é de graça não tem valor. Anos atrás dávamos 100% em alguns casos, mas a dedicação aos estudos não era a mesma na comparação com hoje. Isso porque acreditamos no desenvolvimento contínuo da empresa, trabalho em equipe e compromisso com a excelência.
Como a Fruki trabalha a criação de novos produtos?
Eggers – Quando inauguramos a fábrica em Lajeado, lançamos a marca Fruki. Antes era tudo Bela Vista. A Água da Pedra lançamos em 2001, e em 16 anos nos tornamos líderes disparados no mercado de água mineral do RS. A última pesquisa de mercado mostra que temos 43% do mercado gaúcho, e o segundo colocado tem 14%. Em 2002 lançamos o Frukito, no qual também somos líderes no mercado. Compramos uma área em Paverama e imaginamos, a depender da burocracia, começar a produzir no fim de 2020 produtos que estamos lançando e hoje fabricamos em outros lugares, como o energético Elev e o suco Com Tem. A marca é nossa, todo o desenvolvimento dos produtos também. Fazemos diferente do que a maioria. Nossos técnicos acompanham a fabricação e o desempenho da linha de produção. Agora estamos trabalhando em cima da cerveja, que terá cinco tipos. Será um tipo premium, mais barato, e outros quatro artesanais.
Ao longo destes anos de atuação, o país passou por várias crises econômicas. Como a Fruki enfrentou esses momentos e quais foram os mais marcantes?
Eggers – A crise que eu mais me lembro foi aquela no início do governo Sarney. Nossa economia sofreu muito e aprendemos com isso. Se você tem muita austeridade em todos os processos, ajuda muito. Porque cada lâmpada ligada você cuida para apagar porque é consumo. Nosso aprendizado e desenvolvimento sempre foi com base na economia. Passamos muitos anos sem distribuir lucro nenhum, com os sócios vivendo apenas com o salário. A crise do Sarney foi muito difícil por causa da inflação. Se você vendia com prazo de 30 dias para receber, o custo do produto já era maior do que o recebíamos. No início dos anos 90, teve mais uma grande crise com o Collor. Depois a coisa melhorou muito com o real. Nesse período do começo do governo FHC, o consumo de refrigerante por habitante no Brasil dobrou. Hoje, uma pessoa toma em média 60 a 70 litros por ano no país. Naquela época, era 25 litros e dobrou para 50. Foram crises em que aprendemos e sempre cuidamos de manter o caixa bem suprido e não arriscar demais para manter uma reserva.
Como a Fruki trabalhou os processos de sucessão familiar ao longo da história e como se prepara para os próximos?
Eggers – As primeiras sucessões não foram nada planejadas. Era um convite que fazia e pronto. A maioria dos herdeiros não tinha interesse na empresa, porque era muito pequena e exigia muito sacrifício. Agora todos pensam que deveriam ter ficado. Hoje são acionistas. Nós começamos a implantar a governança corporativa e a sucessão da empresa no início dos anos 2000. São coisas que têm que andar junto porque é preciso uma empresa estruturada para fazer uma boa sucessão. A preocupação com isso começou nos anos 1980, quando fiz um seminário em Porto Alegre com o professor João Bosco Lodi. Na época ninguém se preocupava com isso. Eu tinha três filhos pequenos, um deles com uma pequena deficiência intelectual. A mãe tinha morrido e comecei a pensar em como seria, se eu iria casaria de novo e ter outros filhos, como isso iria funcionar. O seminário me abriu a cabeça e comecei a vasculhar material para me preparar. Dali para frente fui organizando a parte societária para um dia concluir isso.
Quais os planos da companhia para o futuro?
Eggers – Compramos o terreno para construir a fábrica em Paverama, com 90 hectares. Algumas coisas devem acontecer em 50 anos, por isso, temos um terreno muito grande para explorar. Teremos muito provavelmente escassez de água e problemas para geração de energia elétrica, porque os rios estarão mais fracos. Por isso, a produção de energia será muito mais por vento e solar, que exigem bastante terreno. Imagino que a Fruki vai crescer muito, então, teremos sistemistas, como uma gráfica que fabricará os rótulos. Não precisa ser nossa, fazemos o negócio com uma empresa que coloca a gráfica no terreno e nos fornece uma imensidão de rótulos. As garrafas nós mesmos fabricamos em linha, mas teremos muitas outras coisas que serão dessa forma, como ocorre na indústria automobilística. No ano passado, começamos a vender em Santa Catarina. Queremos expandir para o Brasil e em breve para a maior parte dos países da América Latina, onde já temos registro da marca Fruki, da Água da Pedra, do Frukito, entre outras.