Maior rede de farmácias da Região Sul, a São João nasceu do espírito empreendedor de Pedro Henrique Kappaum Brair. Filho de agricultores da localidade de Santo Augusto, já na infância vendia picolés e vassouras de palha nas ruas da cidade para ajudar a família.
Na adolescência, mudou-se para Iraí, onde começou a trabalhar como balcofarmacista na farmácia de um tio. Em 1982, Brair comprou a primeira farmácia, no município de Campo Novo. Três anos depois, adquiriu a Drogafar, em sua cidade natal.
O reconhecimento das comunidades onde atuou e a experiência adquirida no ramo lhe deram a confiança necessária para expandir o negócio. Em 1996, mudou o nome fantasia da empresa para Farmácia São João e abriu a primeira filial, em Nova Prata.
No ano 2000, já com dez filiais, Brair transferiu a sede da empresa para Passo Fundo. Seis anos depois, iniciou o processo de expansão que resultou na criação de mais de 670 filiais no RS, Santa Catarina e Paraná, e na consolidação como uma das maiores empresas do ramo do país.
Brair conversou por mais de uma hora com a reportagem no novo Centro de Distribuição da empresa, um prédio imponente, fruto de investimento de R$ 100 milhões. Após a entrevista, comandou um tour pela sede, onde também evidenciou traços de uma personalidade aficionada por organização, muito religiosa e devotada ao trabalho.
Como foi o início da sua trajetória como empreendedor?
Pedro Henrique Brair – Em todos os momentos que tenho oportunidade de falar, tento evitar o glamour, porque as coisas não são fáceis e sabemos que o sucesso é momentâneo. Têm empresas com passado e presente, mas que se não se prepararem bem não têm futuro. A nossa história começa em 1979, na cidade de Iraí. Eu era muito jovem, tinha 13 ou 14 anos, e comecei a trabalhar com um tio que tinha uma farmácia. Naquela época era nessa idade que dávamos os primeiros passos para identificar uma aptidão e dar os primeiros passos profissionais. Sempre houve muito esforço. Na época a pessoa que me estimulou muito foi minha vó.
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De que forma ela te incentivava?
Brair – Me dava bons conselhos, mostrava as diretrizes do que é certo ou errado e me ensinou que se as pessoas tivessem vontade, determinação, trabalhassem e fossem corretas, com certeza, teriam o reconhecimento e o êxito, mais cedo ou mais tarde. Nós éramos do interior, e um dia no dia de Tiradentes ela pediu para que eu escrevesse uma poesia. Eu tinha muita timidez e dificuldade de decorar e ela pediu para eu ler a poesia diante dos demais colegas e professores. Lembro desse poema até hoje, nunca mais esqueci, pois me marcou. Foi treino de algumas semanas para conseguir. Era uma forma de estimular a comunicação e vencer a timidez. Essa simples situação demonstra que vamos superando barreiras quando alguém nos apoia e incentiva.
Como esse rapaz tímido conseguiu trabalhar no atendimento de uma farmácia?
Brair – Quando fui trabalhar com meus familiares, uma das formas para fazer a equipe ter êxito era transmitir confiança. Fui balcofarmacista e na época fiz curso de auxiliar de enfermagem. Então fazíamos procedimentos que hoje são realizados nos hospitais e postos de saúde. Era um farmacêutico prático, que na época acabava se tornando uma liderança na cidade. Aplicava injeções, curativos de primeiros socorros, e as pessoas acabavam criando essa confiança. Na época, não havia muitas faculdades ou acesso aos cursos e o número de farmacêuticos era limitado. Hoje essa prática está voltando aos poucos, por meio das farmácias clínicas que prestam serviços à comunidade. Temos algumas lojas nessa modalidade.
Foi essa prática que despertou o seu interesse no empreendedorismo?
Brair – Nós começamos em Iraí e depois fomos para Santo Augusto, onde também trabalhei no hospital, no setor de enfermagem. A frase que sempre foi muito forte para mim é “Servir é a melhor oportunidade que temos.” Sempre fui muito atento e curioso, pois a curiosidade aguça a inteligência. Então sempre me coloquei disponível, estive presente e querendo aprender. Como diz Luiz Marins, a vontade é o maior atributo do ser humano. É o que nos leva á realização dos nossos planos e desejos. A coragem também é fundamental para o empreendedor, ainda mais dentro do Brasil onde temos uma grande burocracia que nos faz ter uma tendência a desanimar. Só os fortes e guerreiros persistem.
Quais os principais desafios dos empresários hoje?
Brair – Tem que ter um modelo mental muito positivo porque a legislação vai contra quem produz. O empresário, o líder maior, é sempre o que mais trabalha, ainda mais em uma economia que não é saudável e com setores em recessão. Existe muita competitividade pelos consumidores, que têm muitas opções. As margens de lucro são cada vez menores, com custos cada vez maiores. As pessoas querem cada vez mais inovação, preço e qualidade. Tudo isso exige uma capacidade de administrar e saber lidar com pessoas. É um conjunto de situações que o empresário precisa estar sempre atento. Esse mundo digital, a cada dia, tem situações novas e o empresário às vezes não compreende as mudanças de tão rápidas que são.
Quais foram os momentos mais complicados na trajetória da rede de farmácias São João?
Brair – Tem um escritor famoso que fala sobre crescer de forma saudável. Você tem que fazer um planejamento pensando nos percalços do caminho. Não pode ser exageradamente otimista. Pode acontecer algo que não estava previsto e aquilo impactar diretamente na estratégia. Tive problema com o plano econômico da Zélia Cardoso de Mello que tirou o dinheiro de todo mundo. No dia seguinte, as pessoas não tinham dinheiro para comprar nada. Mudou totalmente a economia de um dia para o outro. Um dos segredos é trabalhar sempre com um pouco de reserva. Não é crescer rapidamente, mas de forma sustentável. Não é o tamanho da empresa que importa e sim a sua estrutura. Assim, mesmo em momentos de dificuldade, ela tem como se manter. Nós temos uma estratégia bastante conservadora, para que o crescimento não seja alavancado. O empresário tem obrigação de trabalhar com seus próprios recursos. Imagina passar por todas as dificuldades do dia a dia e ainda ter dificuldade financeira. Ninguém se sente bem no negativo, devendo mais que tem para receber. É melhor às vezes parar, dar uma pensada par dar passos bem alicerçados.
Como você estruturou o seu modo de operar para se tornar um empresário de sucesso?
Brair – No início o que mais estimulou foi uma força ao contrário. Nós tínhamos sete ou oito lojas e a concorrência nos apertou em uma determinada cidade, cobrando preços abaixo do custo que pagávamos. Aquilo foi determinante. Tivemos que sair daquele raio que estava minado. Forçosamente, ocupamos outros espaços. Com isso, acabamos abrindo outros mercados que nos fizeram abrir muitas e muitas lojas. Acabamos crescendo e dando certo por meio da integração com essas comunidades. Evidentemente nem todas as lojas têm 100% de êxito, mas o importante é ter mais acertos que erros para dar continuidade. Nós também não podemos ter vergonha ou nos sentir incompetente porque uma loja não atingiu seu objetivo. Não precisa fechar, e sim transferir de local até atingir o ponto de equilíbrio. Uma loja no varejo tem um custo, se não atingir o ponto de equilíbrio, não adianta teimar deixando ela aberta. Em 2018, temos algumas lojas que vamos agir para encontrar esse ponto de equilíbrio, o que é normal. Precisamos ter a capacidade de imediatamente reagir quando não estivermos atingindo os objetivos.
Se tivesse que começar tudo de novo, qual seria sua primeira providência?
Brair – Jorge Paulo Lehmann fala que sempre temos uma ideia imediatista. Queremos montar o negócio hoje e ter resultados amanhã. Esse é o maior erro que temos. O mais importante é fazer um planejamento a longo prazo para ter um crescimento gradativo e sustentável. As pessoas que têm sucesso dificilmente tiveram uma ascensão contínua e rápida. Geralmente ocorrem percalços no caminho. Esses momentos de dificuldade são sempre os de maior aprendizado. Costumamos atribuir os problemas ao governo, impostos, aos outros em geral. O Estado impacta de forma negativa, mesmo assim, aquilo que é razoável, objetivo e com metas bem traçadas acontece.
Como se faz para ser um líder de uma empresa com 11 mil colaboradores?
Brair – A resiliência hoje faz parte da capacidade de superação. No dia a dia, a pessoa tem que ter transparência e tranquilidade no que faz. Ser verdadeiro dá segurança para as pessoas que trabalham contigo. É preciso mostrar que elas são importantes, evitar o eu, pois é tudo feito por nós. Somos uma equipe e temos que respeitar todos, pois todos são importantes. Se não houver esse engajamento, nada vai acontecer. Nós que temos lojas em várias regiões diferentes, com clientes e moradores de culturas diferentes, temos uma certa dificuldade para manter a uniformidade e a padronização. Cada região tem suas peculiaridades, então, as pessoas que fazem a diferença. Os produtos se assemelham, o que muda é o magnetismo das pessoas. Tem muitas empresas apostando em máquinas de atendimento e vivemos em um mundo onde a depressão é cada vez maior. As pessoas têm necessidade de dialogar e se comunicar com outras pessoas. A energia humana é fundamental. As necessidades básicas, preço, prazo e produto, todos precisam cumprir. Mas existe aquela responsabilidade de cuidado com o cliente. São essas empresas que passam confiança. O ser humano ainda faz muita diferença.
É difícil conciliar as diferentes gerações?
Brair – É um pouco preocupante uma certa inversão de valores. As pessoas no Brasil estão ficando na casa dos pais até depois dos 30 anos. Se formam, fazem pós-graduação, mas não cortam esse cordão umbilical. Não estão enfrentando as coisas e por isso têm dificuldade para encontrar seu espaço. Existe uma mudança de comportamento. Mas o fundamental é ter clareza no perfil da empresa e contratar pessoas que se adaptem a esse perfil. Se ele não se adaptar a nós, existe o livre- arbítrio para procurar um local que se encaixa. O mundo mudou e está sendo contagiado pela lógica do mundo digital, mas vejo que esquecem de exercer a criatividade. Mas temos em nossos quadros muitas pessoas jovens que são comprometidas, trabalhadoras e talentosa.
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Como você trata a saúde pessoal e a necessidade de sono, alimentação e exercício físico?
Brair – Esta semana assisti a uma palestra de Márcio Atala. Ele falou justamente sobre isso, a necessidade de fazer exercício diário, comer 10% menos, beber moderadamente e não fumar. Com todo o respeito aos nutricionistas, restringir demais a dieta resulta no efeito sanfona. Importante é fazer pequenas coisas. Se morar no décimo andar, ao invés de ir pelo elevador, subir as escadas. A pessoa pode fazer tudo, mas moderadamente e gastando energia também. Tudo é gradativo até chegar ao equilíbrio. Você tem que estar em paz com a consciência, pois isso traz equilíbrio emocional. Sou religioso, temente a Deus. A fé é o que nos move, é algo fantástico. Quando a pessoa se autodescobre, vê que tem algo muito maior. Tenho cuidado da alimentação, não fumo, bebo muito pouco ou quase nada, e faço exercício ao menos três vezes por semana.
Qual a primeira coisa que pensa ou faz quando acorda?
Brair – A primeira coisa que faço é arrumar a cama. É a nossa primeira conquista do dia. Posso estar no hotel ou qualquer lugar. Arrumo a cama, arrumo o banheiro, tiro o lixo e faço uma oração. Não acho justo alguém ter que começar o dia fazendo aquilo que eu posso fazer. Se eu quero o bem do meu semelhante, a primeira coisa é proporcionar bem-estar para ele. Me sinto feliz porque a primeira pessoa que entrar no quarto vai agradecer a Deus porque alguém colaborou um pouco com ela. Dá a sensação de respeito por aquele profissional que está na menor escala hierárquica, pelo nosso semelhante. Também agradeço pela noite que passou e pelo dia que está começando.
Faria alguma coisa diferente se pudesse voltar no tempo?
Brair – Ocuparia melhor o meu tempo. Perguntaram para o Luiz Marins qual foi a maior herança recebida dos pais, e ele disse que é nunca ter deixado meu o tempo ocioso. Sempre temos que tentar fazer alguma coisa boa enquanto tempos saúde e energia. Usar o tempo para fazer coisas boas e agradáveis para ti e para o nosso semelhante. Às vezes dez minutos com uma pessoa que não está bem pode fazer a diferença na vida dela, servir de estímulo. É uma questão de solidariedade.
Como a São João se adaptou às mudanças no mercado farmacêutico? O quanto os produtos não medicamentosos representam para a empresa?
Brair – O que é chamado de farmácia na verdade tem duas denominações. Onde tem manipulação é farmácia, e o resto é drogaria. Na drogaria tem o medicamento de prescrição, o de balcão, isento de prescrição, e os psicotrópicos, cuja receita fica retida. Nós temos também os produtos de perfumaria, que tem crescido bastante. Para 2018, estamos estabelecendo um novo modelo, também voltado para a conveniência, com um layout diferenciado. Vamos trabalhar com produtos de valor agregado em cosméticos e umas três ou quatro linhas de produtos de maquiagem, em um ambiente clean. Vamos colocar em no mínimo 500 lojas entre janeiro e fevereiro. Quando a pessoa entrar na loja, ela vai perceber algo atrativo. Também teremos produtos e orientações para melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio do serviço de farmacêuticos especializados. É um projeto- piloto. Sempre investimos em estacionamentos para a comodidade do cliente. Também temos um projeto em logística e automação no Centro de Distribuição. Estamos trabalhando com cinco sistemas de tecnologia da informação andando ao mesmo tempo para continuar dando continuidade para o nosso crescimento.