A necessidade de compreender o funcionamento dos modelos mentais foi evidenciada no último workshop Negócios em Pauta de 2017. Diante das mudanças motivadas pelo avanço da tecnologia, descobrir a melhor forma de operar a própria cognição pode ser a diferença entre o fracasso e o sucesso na vida profissional e pessoal.
Palestrante do evento, o médico especialista em Programação Neurolinguística, Nelson Spritzer, alertou para os desafios dessa nova era digital, segundo ele, maiores do que o imaginado. Ao mesmo tempo em que o ser humano desenvolve mecanismos de acúmulo de conhecimento inesgotáveis, a maior parte da população parece hipnotizada por smarthfones e redes sociais.
Uma das principais mudanças apontadas por ele é o desenvolvimento da Inteligência artificial, tecnologia que avança a passos largos rumo à chamada singularidade, o momento em que as máquinas ficarão tão inteligentes e autossuficientes que serão capazes de criar novas máquinas ainda mais avançadas, superando a capacidade intelectual humana.
Conforme Spritzer, a capacidade da inteligência artificial de hoje já excede a compreensão da maioria das pessoas. Cita como exemplo o procedimento de exame de sangue para análise genética. Segundo ele, se um exame é enviado para a central brasileira do setor, as informações são repassadas para um sistema da IBM que indica os melhores tratamentos diante da análise realizada.
Outro exemplo é a indústria automobilística, cujas marcas tradicionais do setor começam a enfrentar a concorrência de empresas de tecnologia, como Apple, Google e Amazon. “Daqui a pouco não vamos querer automóveis, e sim computadores que andam sem precisar de alguém para dirigir.”
Conforme o médico, a principal pergunta que as pessoas devem se fazer é se estão preparadas para esse novo mundo tecnológico. Segundo ele, a resposta está na relação da população com os smartphones e as redes sociais.
“As pessoas ficam horas passando o dedo nos aparelhos como autômatos hipnotizados. O cérebro humano está adicto, viciado em redes sociais”, aponta. Para Spritzer, ao mesmo tempo em que a civilização está prestes a se tornar planetária e galática pela primeira vez na história, as pessoas continuam perdendo tempo com as fofocas do dia.
Os reflexos desse paradoxo, aponta, estão nas famílias, que vivem uma crise inédita. “Nossos filhos estão entorpecidos por medicamentos mal indicados, diagnosticados por doenças que não existem.”
Nos últimos cinco anos, aponta, a prescrição de Ritalina aumentou 2.000% no Brasil. Conforme o médico, os próprios psiquiatras reconhecem o exagero de diagnósticos de Déficit de Transtorno de Atenção e Hiperatividade (TDHA).
Para ele, o problema real está no sistema educacional, que ainda remonta ao século XIX. De acordo com Spritzer, o modelo quer que todas as crianças sejam iguais e avaliadas da mesma forma, ao mesmo tempo em que adoramos e sentimos orgulho quando nossos filhos são diferentes.
“Largamos o filho diferente em um mundo com tendência à normalização, mas ele não mostra interesse por essa forma de educar”, ressalta. Diante disso, crescem as recomendações de terapias e medicamentos para ter mais atenção. Hoje, alega, chegamos ao ponto em que mesmo adultos buscam a Ritalina para aumentar a atenção.
Cenário desafiador
“Esse é o tempo que vivemos, de desafios, de novidades crescentes, tecnologias avassaladora, e de controle da nossa vida por outros”, alega. Lembra que todas as informações das nossas vidas estão disponíveis na nuvem, que por meio de dados sabe o que fizemos e quais nossos interesses.
Para Spritzer, além disso tudo, é preciso se preparar para a extinção de 80% das profissões que existem hoje, em cerca dez anos. “Você tem que começar a se preparar e fazer coisas que nenhuma máquina consegue, caso contrário, ela fará melhor que você.”
Lembra que a singularidade está prevista para 2043, ano em que todos nós ainda estaremos vivos devido aos avanços da medicina. “Os velhinhos não são mais como eram, pois estão musculosos, saudáveis e ativos.”
Conforme o palestrante, ao mesmo tempo em que ocorrem os avanços tecnológicos, as pessoas estão cada vez mais idiotizadas e emburrecendo rapidamente, pois perderam a curiosidade em se aprofundar em coisas além de sua vizinhança.
“Estão focadas em youtubers, que não agregam qualquer coisa de valor na vida de ninguém, pois falam futilidades e bobagens”, alerta. Para ele, uma das provas concretas desse cenário é o resultado das pesquisas eleitorais.
Diante de uma população cada vez mais indecisa, insegura e dividida, aponta, qualquer tipo de messias é seguido de forma irracional. Cita como exemplo o efeito manada motivado pelo Bitcoin, em que milhares de pessoas seguem o que outras estão fazendo sem saber ao certo o porquê.
Capacidade mental
Conforme o palestrante, a construção dos nossos nossos mapas mentais está relacionada à capacidade para resolver as questões que se apresentam e nas nossas relações em casa, nas empresas e na sociedade. “Existe uma coisa que é o cérebro, e outra que o pensamento, que está ligado à filosofia, à abstração, aos sonhos e às crenças.”
Diferente do cérebro enquanto estrutura física, os pensamentos são etéreos, pois não existem no plano físico. A mente, explica, é o operador desses dois polos e ainda não consegue ser bem explicada pela ciência.
“Ela é separada pela nossa consciência, mas boa parte da nossa porção é inconsciente, e obedece regras cibernéticas, as mesmas que regem os computadores e a inteligência artificial”, aponta. Segundo ele, o inconsciente estabelece padrões que seguimos sem sabermos os motivos.
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“Repetimos nossos erros e vícios, sejam alimentares, de uso de álcool e drogas, ou de redes sociais”, destaca. Por outro lado, afirma, é possível estabelecer padrões automatismos bem-sucedidos, algo que não pode ser alcançado por meio de livros de autoajuda.
“Eles trarão informações para a janela consciente, racional, que não obedece as leis da cibernética que regem a nossa parte operacional”, ressalta. Segundo ele, os mapas mentais são formados por meio de estímulos recebidos pelos órgão sensoriais, cujas informações são filtradas e gerenciadas por processadores inconscientes.
Esse processo, explica, cria o conjunto de memórias que formam os nossos modelos mentais de realidade. Segundo ele, pessoas mais bem-sucedidas têm excelentes modelos mentais em várias áreas, mas também existem pessoas com ótimos modelos mentais para os negócios e péssimos em afetividade, por exemplo.
“Outras pessoas são muito boas em tomar decisões gerenciais, mas têm dificuldade em conhecimentos específicos e não conseguem fazer uma conta. Assim como existem físicos e matemáticos que não conseguem tomar uma decisão na hora de comprar uma roupa.”
Os mapas, aponta, são especificamente orientados de acordo com os contextos. Conforme Spritzer, um número mínimo de pessoas, cerca de 1%, têm mapas excelentes em diversos contextos. Da mesma forma, uma em cada cem pessoas tem mapas ruins em todos os contextos.
A boa notícia, aponta, é que os outros 98% da população são treináveis, podendo crescer, aprender e melhorar seus mapas mentais. Conforme Spritzer, isso é possível na medida em que as pessoas estiverem abertas a mudar os próprios padrões.
Tecnologia e afetividade
Consultora organizacional da Capital Verde, Raquel Winter iniciou a sabatina perguntando ao palestrante sobre o quanto o avanço tecnológico influencia nossa capacidade afetiva. De acordo com o médico, esse é um desafio importante e muito debatido.
Conforme Spritzer, o ser humano é capaz de desenvolver afeto por máquinas e animais de estimação. “O homem humaniza bichos e desenvolve mais simpatia por eles do que por outras pessoas. Da mesma forma, acaba desenvolvendo relações de afeto doentias com objetos.”
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Para ele, a questão do afeto e da empatia com outros seres humanos é primordial. Cita como exemplo os médicos, que estão ameaçados a se tornarem obsoletos de forma muito rápida. “Hoje, os pacientes chegam nos consultórios com todas as informações sobre as doenças e em breve o Google dará melhores opiniões do que os médicos.”
Spritzer acredita que os cirurgiões serão os primeiros extintos com o avanço da robótica, uma vez que as máquinas farão o mesmo trabalho com mais precisão e qualidade. “Mas tem uma coisa que os robôs não conseguem substituir: quando ficamos doentes, queremos afeto.”
Para ele, os médicos precisam ser afetivos, algo que não se aprende na faculdade. “Para sobreviver, ele terá de fazer como os antigos médicos da família”, ressalta. Segundo Spritzer, máquina nenhuma substitui a atenção e a solidariedade.
Modelo positivo
Mediador do debate, Adair Weiss perguntou ao empresário Claudir Dullius como ele formou os seus mapas mentais de forma a alcançar o sucesso no varejo.
Conforme Dullius, desde a infância no interior, ele procurou o auto-conhecimento para compreender seus anseios e desejos. “Não concluí nenhuma faculdade, mas estou sempre estudando, principalmente psicologia”, alega. Segundo ele, a compreensão do ser humano é uma das aptidões mais importantes, mesmo diante das mudanças tecnológicas.
Para o empresário, se hoje as pessoas não estão felizes, é por viverem presas aos mesmos padrões e esteriótipos em um mundo em que cada um deveria ser original. “A maioria das pessoas não são elas mesmas. Perdem a essência por não ter contato com o seu interior.”
No cotidiano da empresa, Dullius procura trabalhar o lado humano dos funcionários. Para ele, um dos pontos mais importantes é preparar as pessoas a assumirem as responsabilidades. Segundo o empresário, hoje as pessoas estão infantilizadas e se vitimizam demais, apontando para fatores externos quanto precisam lidar com a culpa.
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“Se você estiver conectado à TV, às redes sociais e às conversas de posto de gasolina, não conseguirá se conectar consigo mesmo”, reforça. Para Dullius, o modelo mental que deu certo é o de estar constantemente se questionando.
De acordo com Spritzer, são poucos os mapas mentais existentes desde o nascimento, todos eles relacionados à sobrevivência. Todos os demais, alega, são apreendidos por meio de um sistema de trocas entre o mundo exterior e interior da pessoa.
“A qualidade dos mapas que formamos é aleatória, da mesma forma como ocorre na loteria genética”, assinala. Para ele, a questão não é quem tem ou não um modelo mental inadequado, e sim o que fazer a partir disso.
“Uma pessoa com medo de viajar de avião ou de empreender não pode se limitar por isso. Deve aprender a superar esse medo”, acredita. Conforme Spritzer, também é importante compreender que um modelo mental de sucesso, como o de Dullius, dá certo no contexto em que está inserido, mas pode dar errado em diversas outras realidades.
Perguntas e respostas para o palestrante
Lisiane Diehl – De que forma podemos transformar essa realidade tão dura sem entrar no pessimismo?
Spritzer – Não sou pessimista, mas sim realista. A primeira forma de vencer a dificuldade é admitindo ela. O pensamento positivo simples, apenas acreditar que as coisas darão certo, tem se mostrado ineficaz. O insight positivo é sempre bem-vindo, assim como ter controle sobre algumas coisas. A notícia mais importante é que da pele para dentro mandamos nós. Não podemos negar o que está acontecendo no mundo, mas na minha cabeça mando eu. O fato de estar no meio de pessoas se deteriorando não me obriga a fazer igual. Ao contrário. Nós temos que individualmente marcar os nossos terrenos para fazer da nossa vida algo que valha a pena e deixar um legado. Se puder ensinar e ter o privilégio de tocar a alma das pessoas, melhor ainda. Se uma pessoa mudar por ter cruzado comigo, já cumpri meu papel. Temos total controle para mudar o tempo todo. Podemos, diante de um ambiente adverso, tomar providência e encontrar soluções.
Tiago Guerra – Como acessar o inconsciente de forma a evoluir para não cometer os mesmos erros de sempre?
Spritzer – Somos totalmente programáveis. É tão fácil fazer um programa e colocar na cabeça do ser humano que tem muita gente enganando os outros e ganhando dinheiro com histórias da carochinha. Somos muito suscetíveis à sugestão, e a hipnose mostra isso. Porém a diferença entre nós e os autômatos é que o ser humano tem um sistema autoprogramador dentro dele, enquanto uma máquina só pode ser programada externamente. Se eu fizer o meu programador ter musculatura e estimular ele todos os dias, ele sempre será mais potente do que os programas externos. Ele mora naquela ilha pequena chamada consciente, que é minúsculo na comparação com o inconsciente, mas é o responsável pela formulação dos nossos desejos. Para aumentar a nossa capacidade de programação própria, é preciso ter mais atenção. O perigo é que estamos cada vez mais distraídos e desatentos. A sociedade contemporânea nos traz muitas fontes de distração externas. Também é preciso aprender a formular os desejos. A escola da neurolinguística nos ensina passos para isso. Se eu souber fazer desejos para mim, os outros não me imputam desejos com tanta facilidade.
Martin Eckert – Qual a importância do amor neste contexto? Existe salvação para a alma do negócio com todas essas mudanças em curso?
Spritzer – O amor é inestimável, mas o problema é que as pessoas não sabem como amar. Não basta dizer ame, as pessoas sabem que é importante, mas não conseguem. Os dois requisitos prévios para amar não estão resolvidos. O primeiro deles se chama perdão. Para amar, é preciso perdoar em primeiro lugar a si mesmo. Uma vez que consegue a proeza de se perdoar, você consegue perdoar aos outros. Sem ambos, você não consegue amar. A alma do negócio está no negócio da alma. É preciso que os empresários entendam o sentido do negócio. Até agora fomos iludidos com a ideia de que o sentido do negócio é dar dinheiro. Quando eu, cardiologista, tenho um paciente na UTI nos últimos dias de vida, o dinheiro não interessa mais. Tem coisas muito mais importantes que o dinheiro, não que ele não seja importante. É uma régua de medida de eficácia. Mas a empresa precisa um sentido de crescimento, educação, oportunidade e maneiras de tornar a vida melhor, dos funcionários, da sociedade, da comunidade, do país e do planeta. Não faz sentido uma empresa que cria dificuldade, morte, envenenamento ou destruição para ganhar dinheiro. Temos agora o Bitcoin, uma cripto-moeda que precisa de uma enorme quantidade de energia para ser minerada. Se criou uma moeda virtual, que é nada, consumindo energia não renovável no planeta para deixar algumas pessoas mais ricas. Mais ricas para quê? Para pagar o tratamento do câncer que certamente essas pessoas terão por ter dado tanta importância ao dinheiro.