“O sucesso é fruto da mistura entre competência,  valores e sorte”

Negócios

“O sucesso é fruto da mistura entre competência, valores e sorte”

Pretto faz parte da uma das famílias pioneiras do empreendedorismo regional

“O sucesso é fruto da mistura entre competência,  valores e sorte”

A história da família Pretto se confunde com a do Vale do Taquari. Imigrantes italianos estabelecidos na região no início do século XX, na época da formação das chamadas Colônias Novas, estão entre os pioneiros do empreendedorismo regional.

Parte dessa história é contada no livro De um só Grão não se Faz Pão, que narra a trajetória de 50 anos do Moinho Estrela, fundado na década de 1960 por Ângelo Domingos Pretto. A relação da família com os moinhos é ainda mais antiga. Pai de Domingos, José Pretto construiu o primeiro deles em 1930, na comunidade de Xaxim, em Progresso.

O pai de José, Antônio Pretto, era um conhecido comerciante da localidade de Putinga, na época pertencente a Lajeado. Neto de José e filho de Domingos, Jaime Pretto é um dos irmãos que comanda o grupo Estrela.

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Formado pelas empresas Moinho Estrela, a fábrica de pães e lanches congelados Panfácil, a distribuidora Mesasul e a Presete, do segmento imobiliário, o grupo é responsável pela geração de 650 empregos diretos e tem um faturamento anual acima de R$ 300 milhões.

Diretor financeiro, Jaime se envolveu desde pequeno com os negócios da família. Lembra da época em que ajudava a encher e amarrar os sacos de farinha no antigo moinho localizado em Estrela.

Para ele, o sucesso da família está relacionado aos valores éticos passados de geração em geração. A sorte e a competência também são citadas pelo diretor, que nasceu em Progresso e estabeleceu a vida profissional em Porto Alegre.

A família Pretto marcou história no Vale do Taquari, em especial pelas ações empreendedoras. Como começa a história do Moinho Estrela?

Jaime Pretto – A família Pretto é muito grande. Os irmãos que hoje são proprietários do Moinho Estrela são filhos de Ângelo Domingo e Ida Berté Pretto. Nossa família primeiro teve uma passagem por Progresso, onde eu e meu irmão mais velho Sérgio nascemos. Depois, mudamos para Lajeado, onde nasceram mais dois irmãos, o Jair e a Ivete. Por fim, viemos para Porto Alegre, cidade natal dos últimos dois irmãos, o Gerson e a Rejane.

Em 1939, patriarca José Pretto vistoria obra do primeiro moinho da família junto com os filhos

Em 1939, patriarca José Pretto vistoria obra do primeiro moinho da família junto com os filhos

Como o seu pai desenvolveu o tino para os negócios?

Pretto – Quando meu pai começou a vida profissional dele em Progresso, ele era filho de um italiano que já tinha um moinho constituído, o José Pretto. Era um moinho muito progressista para a época, porque trabalhava com turbinas na queda d’água. Começaram com essa atividade e depois meu pai cresceu trabalhando como tropeiro. Ele levava produtos para cima e para baixo. Mas a vida dele mudou quando veio para Porto Alegre servir o quartel. Ficou um ano na capital e depois que deu baixa voltou para Progresso com outra cabeça. Ele percebeu que a cidade grande é que tinha maiores oportunidades de negócios.

Esse primeiro moinho é o que dá origem ao Moinho Estrela?

Pretto – No início, era esse comércio em Progresso e mais tarde criaram o primeiro moinho, na área de Lajeado, chamado Moinho Ideal. Ficou durante algum tempo e depois uma parte dos sócios comprou um moinho pequeno em Estrela, que tinha outro nome. Meu avô tinha sociedade com os irmãos dele e eram 11 filhos. Os homens foram criados para lidar com os negócios e as mulheres para casar, procriar e ser dona de casa, como era tradição naquela época. O que aconteceu é que minhas tias acabaram casando e alguns dos cunhados do meu pai acabaram entrando nos negócios da família. Como era no município, criou-se o nome Moinho Estrela. Ele foi crescendo, mas a família era grande, então, não tinha espaço para todo mundo crescer em Estrela. Foi quando meu pai veio para Porto Alegre e montou uma distribuidora. Era a distribuidora Dália, na avenida Mauá. Ele trouxe dois cunhados para Porto Alegre, um deles tinha sido presidente da cooperativa em Encantado. Começaram a vender produtos da cooperativa de Encantado para o atender o Mercado Público.

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Quando vocês começaram a operar com moinhos em Porto Alegre?

Pretto – Foi nessa época. Apareceu a oportunidade de negócio de comprar um moinho em Porto Alegre que não estava muito bem financeiramente. Na época, a compra do trigo era realizada por meio do Banco Central, em um sistema de cotas. Tínhamos um bom relacionamento com o setor responsável do Banco do Brasil. Eles conheciam o pai, chamaram ele para conversar. Compramos esse moinho chamado Moinhos Brasileiros, que foi o grande salto nas nossas operações. A compra foi financiada pelo Banco do Brasil e nós praticamente desativamos o pequeno moinho de Estrela. Foi quando a família veio toda para tocar essa unidade em Porto Alegre.

O que essa mudança representou para o grupo?

Pretto – Aí que começou a deslanchar, pois tínhamos o Moinho Estrela e a distribuidora. Foi o período de maior crescimento do nosso grupo, a partir da década de 1970. Ainda estávamos em um sistema de cotas. Havia outro moinho chamado Preto Zagonel, do qual compramos as cotas para começar a aumentar o potencial do Moinho Estrela. Fomos crescendo e investindo em outros ramos, tivemos uma construtora, investimos em agropecuária, compramos fazendas em Mato Grosso e em Goiás.

Essa fase durou quanto tempo?

Pretto – Foi até 1989, quando decidimos fazer uma cisão. O grupo estava consolidado, mas tinha muitos sócios, muitos parentes. Meu pai teve seis filhos, quatro na operação. Tinham mais dois tios com mais filhos. Nesse processo, parte da família saiu com as operações da construção civil, outros com as fazendas, outra com parte do patrimônio. Meu pai, eu e meus irmãos ficamos com a titularidade Moinho Estrela, a distribuidora, que hoje se chama Mesadul, e outra construtora. A partir daí, começa a história moderna do Moinho Estrela e da atual sociedade. Hoje, meu pai se retirou da sociedade. Ele ainda atua, mas os sócios são os seis irmãos filhos do Adão Domingos Pretto.

Como você foi preparado para assumir as funções da empresa?

Pretto – Todos nós da família, quando chegávamos a uma certa idade, iniciávamos alguma atividade dentro da empresa. Eu com 8, 9, 10 anos, estava ajudando no moinho, não por obrigação, mas porque gostava mesmo. Ajudava a encher os sacos de farinha, o que antigamente era de forma quase artesanal. Botava com uma conha, fechava e costurava. Então, desse jeito, já começávamos a ter um preparo profissional e criávamos gosto pela atividade. Depois que fomos para Porto Alegre, com a distribuidora Dália, perdi um pouco o contato diário com o moinho, mas passava sempre as férias em Lajeado com meus primos e íamos ao Moinho Estrela. Em Porto Alegre, minhas atividades eram na distribuidora.

Casal Domingo e Ida Pretto acompanhados de seus seis filhos

Casal Domingo e Ida Pretto acompanhados de seus seis filhos

O processo foi semelhante com todos os irmãos?

Pretto – No caso da distribuidora, eu e meu irmão mais velho, Sérgio, íamos para lá no início da adolescência e ajudávamos a separar as mercadorias. Fomos criando um vínculo, mas o Sérgio acabou prestando vestibular aos 18 anos e ficou em terceiro lugar geral, um feito para a época. Ele seguiu carreira na área da tecnologia e fundou uma empresa chamada Nutecnet, que depois virou Zaz e por fim o Terra. Ele também foi presidente da Telefônica, então, teve vida fora do nosso grupo. Eu fiz vestibular para Arquitetura e fazia atividades esporádicas na empresa. O tempo que fiquei no curso eu prestei expediente na nossa empresa de construção civil. Ali comecei a desenvolver mais a parte financeira da construtora. Passei a fazer Economia e uma formação mais matemática, por isso, assumi as funções do financeiro do grupo. Não foi uma coisa programada. Fui assumindo funções e fazendo coisas até chegar hoje onde estou, como responsável administrativo e financeiro do grupo. Da mesma forma, meus outros irmãos foram assumindo as outras funções. O Gerson fez formação em Engenharia Mecânica é o diretor industrial, tem muito conhecimento em equipamentos. O Jair e a Rejane têm muito conhecimento de atacado e cuidam da Mesasul. A Ivete, minha irmã do meio, cuida de uma área que criamos depois e que vai muito bem, a Panfácil Alimentos. A empresa tem uma fábrica que inauguramos no ano passado, em um investimento de R$ 30 milhões. É uma aposta em pães e lanches congelados, feitos com a mesma matéria-prima do moinho que é a farinha de trigo.

Nestes 50 anos de existência do grupo, o país passou por diversos períodos de instabilidade na economia. Como as crises interferiram nesse crescimento?

Pretto – Nós tivemos um crescimento tranquilo e sem muito sobressaltos até o fim da década de 1990, quando houve uma superdesvalorização do real, no governo FHC. Logo após a reeleição do ex-presidente, um mês depois, o dólar disparou. Nosso passivo com o Banco do Brasil Cambial era em dólar, então, dobrou o valor da dívida. Foi aí nosso momento de maior crise empresarial. Como tínhamos um bom relacionamento com o Banco do Brasil e os demais bancos, conseguimos renegociar e passar por esse sufoco. Nós aprendemos que não dá para ficar dependendo muito de banco nem confiando muito no que dizem os economistas brasileiros que comandam as diretrizes governamentais. No momento de crise aparecem muitas oportunidades. Esse moinho onde estamos agora surgiu porque a empresa também estava em dificuldade devido a esse problema cambial. Não compramos a empresa, e sim o patrimônio imobilizado, e então trouxemos nossas operações para cá. Foi uma oportunidade importante, assim como outro moinho que compramos em Canoas. Nós vamos atrás das oportunidades que aparecem, sempre pensando se tiver vínculo com nossas operações e estiver dentro da nossa capacidade financeira, acabamos fazendo o investimento.

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De que forma surgiu a Panfácil?

Pretto – A empresa de congelados nós criamos em 1999. Percebemos que havia bastante possibilidade de crescimento no mercado de congelados, como de fato aconteceu. É uma tendência no Brasil. Dentro do moinho, crescemos estruturalmente pensando em melhorias em sistemas e processos, e na Panfácil fizemos esse investimento grande pensando em ocupar um espaço que ainda existe. Está dando resultado. Temos essa fábrica, inaugurada no ano passado, que é destaque, sendo reconhecida em termos de qualidade e tecnologia.

Como foram os processos de cisão do grupo?

Pretto – A família sempre foi grande, mas todos os sócios em todos os empreendimentos sempre tiveram um bom relacionamento. Nunca houve uma ruptura traumática. Não tivemos problemas de litígio de sócios achando que estavam sendo pouco reconhecidos ou nada disso. Era questões simples, de muitos descendentes para tocar um negócio que já tinha muitas pessoas envolvidas. Seria melhor se cada um pegasse sua expertise e tocasse uma parte. Não contratamos nenhuma consultoria, sempre fizemos estudos de patrimônio e decidimos tudo entre nós. O grande aprendizado é que com brigas não se chega a lugar nenhum. É importante ter muita honestidade para passar por esses momentos sem nenhuma perda para os negócios. Se houvesse algum tipo de desconfiança ou desavença, não teríamos esse bom resultado para todos como tivemos. Essa sinceridade entre os sócios, esse olho no olho e essa confiança é a chave do sucesso de todos. Eu sou da terceira geração e até hoje me dou muito bem com todos meus primos. Quando nos encontramos, é sempre com alegria. A relação da família é muito harmônica e isso é o melhor de tudo. O lado financeiro é importante, mas é muito bom dormir de cabeça tranquila. É isso que fez essa história de 50 anos de moinho.

Como essa característica da família se mistura com a história da empresa?

Pretto – É uma história de negócio de sucesso, mas muito mais de relacionamento. Todo mundo com quem nos relacionamos sabe que o Moinho Estrela é uma empresa boa de fazer negócio. A honestidade nos negócios é fundamental. Meu pai sempre foi muito forte nesse ponto. Ele sempre foi empreendedor e, apesar de ter feito muitos negócios diferentes, não conheço ninguém que possa dizer “o seu Domingos me enganou”. Todos dizem que ele sempre cumpriu o que prometeu e esse é um legado que tentamos levar. Queremos ter lucro e sucesso, mas o relacionamento é o mais importante. Dentro da Mesasul, por exemplo, o lema é qualidade se faz com pessoas. Se não houver pessoas e relacionamentos de qualidade, não adianta.

Antiga sede do Moinho Estrela, na cidade de Porto Alegre

Antiga sede do Moinho Estrela, na cidade de Porto Alegre

Por que o grupo aposta na criação de diferentes empresas?

Pretto – Isso foi ocorrendo de forma espontânea, ao natural. O que descobrimos ao longo do tempo é que quem tem dois, tem um e quem tem um, às vezes, não tem nada. Às vezes uma coisa não dá certo em um negócio e os outros conseguem segurar. A Mesasul hoje é operação totalmente rentável, mas por muito tempo foi sustentada pelo Moinho Estrela. Também tem o seguinte, tenho cinco irmãos e não havia atividades para todos no moinho. Não foi algo que definimos no conselho. Claro que outros investimentos, como a fábrica da Panfácil, foram planejados. Avaliamos o mercado e decidimos.

Como a empresa trabalha a sucessão para as próximas gerações?

Pretto – Em uma relação diferente. Mudou muito de como meu pai conduziu a minha geração, em que os filhos eram quase que compulsoriamente determinados a trabalhar para a empresa da família. Meus filhos e os filhos dos meus irmãos foram livres para escolher suas formações. Dos seis filhos do meu pai, tivemos 14 netos. Três trabalham na empresa e os demais seguiram vida própria. Meu filho mais velho trabalha com a Ivete no setor comercial da Panfácil. Tem o Matheus na área de logística da Panfácil, mas não tem previsão de mais herdeiros entrarem na operação. Tem um ou dois de formação acadêmica que talvez ingressem, mas é só. Por isso, investimos na profissionalização. Provavelmente, todos da nova geração serão acionistas, e estamos estudando isso. O tempo passa muito rápido, mas estamos pensando em como seguir, por isso, contratamos profissionais competentes.

Vocês já pensam em um planejamento para os próximos 50 anos?

Pretto – Hoje não dá para pensar em mais 50 anos. As coisas estão muito mais rápidas, e talvez tudo que vivemos nas últimas cinco décadas vamos viver em cinco anos. O que estamos fazendo neste momento de tanta modificação em todos os setores, seja de comportamento ou tecnologia, é ir olhando passo a passo. Hoje, olho para o horizonte de 2018, depois, em 2018, vou pensar o 2019. Tem como, no máximo, fazer planejamento de dois ou três anos. Mais do que isso não acho que vale a pena. Precisamos pensar o momento, o curto e o médio prazo. Apenas manter os princípios, valores e a ética. São três coisas cada vez mais importantes. O principal legado é que não dá para ter uma empresa de 50 anos sem a confiança do mercado. Se chegamos até aqui foi porque fomos competentes profissionalmente, mas também graças a uma grande estrutura familiar, de ética e de uma formação cristã que veio do meu pai

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