Sozinha em casa, Júlia (nome fictício), 30, acordou no meio da noite preocupada com afazeres do trabalho. Mesmo sem saber ao certo o que desencadeou a síndrome do pânico, chegou a desmaiar durante as crises. “Eu acordava apavorada de madrugada, preocupada com coisas desnecessárias. Tinha faltas de ar horríveis. Certa vez, cheguei a cair da escada e desmaiar. Fiquei inconsciente por alguns minutos e só depois acordei, sozinha, ao pé da escada”, relembra.
De acordo com relatório deste ano da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está em primeiro lugar na lista mundial de transtorno de ansiedade. A estatística conclui que 9,3% da população brasileira enfrenta problemas que incluem síndrome do pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo e desordens de estresse pós-traumático, ansiedade social e ansiedade generalizada. A síndrome do pânico acomete 4% dessas pessoas.
Segundo Júlia, a pior parte da síndrome é a sensação de impotência. “Tu sabe que tem algo errado contigo, mas não sabe explicar o que é”, afirma. A jovem procurou ajuda apenas um mês após a primeira crise com desmaio. “Iniciei tratamento com uma psicóloga e demorei porque achava que tudo passaria magicamente, mas claro que não é assim”, alerta.
A síndrome do pânico é ligada à ansiedade excessiva. Para Júlia, a falta de cuidados com a ansiedade acabou por desencadear um transtorno pior. “Sempre fui ansiosa, acho que desde criança. Fiz tratamento na adolescência e início da idade adulta. As crises de pânico mesmo vieram há cerca de dois anos”, informa. Ela conta que dormia muito mal e tinha pesadelos antes de começarem os picos de pânico.
Para a maquiadora Jennifer Freitas, 23, as crises tinham sintomas parecidos com os de um ataque cardíaco. Dor no peito, falta de ar e formigamento no braço esquerdo. “A sensação é de que morreria. Cheguei na UPA com batimentos a 135 por minuto”, relata.
Após exames no coração apontarem o órgão como saudável, a jovem foi diagnosticada com crises de ansiedade que geravam a síndrome do pânico. “Me receitaram Rivotril pra tomar quando estava começando a ter as crises”, conta.
Durante os primeiros seis meses de tratamento, ela ainda tinha crises esporádicas. “Às vezes não tinha motivo algum. Em outros casos, locais muito fechados, com grande movimentação e abafados desencadeavam as crises”, explica. Com um ano e meio de tratamento, Jennifer não tem mais crises faz quase um ano. “Quando percebo que estou alterada, controlo minha ansiedade por meio de respirações compassadas e profundas”, indica.
De acordo com Dan Chisholm, coautor do relatório da OMS, alguns dados se mostraram intrigantes
• O aumento da depressão entre os jovens pode ter entre seus alicerces a popularização de novas tecnologias.
• Alguns fatores socioeconômicos e ambientais, como a pobreza e a proximidade com casos de violência, podem potencializar o desenvolvimento de transtornos psíquicos.
• O efeito das mídias sociais é um potencial adicionador de cargas de pressão e ansiedade nas novas gerações.
Alguns sintomas físicos e afetivos do transtorno
• Palpitações, coração acelerado, taquicardia
• Sudorese
• Tremores ou abalos
• Falta de ar ou sensação de sufocamento
• Sensação de asfixia
• Dor ou desconforto torácico
• Náusea ou desconforto abdominal
• Sensação de tontura, vertigem ou desmaio
• Calafrios ou ondas de calor
• Anestesias ou sensações de formigamento
• Sensações de irrealidade ou de estar distanciado de si mesmo
• Medo de perder o controle ou enlouquecer
• Medo de morrer
Entrevista
Em entrevista, o psiquiatra e mestre em Saúde Mental, Fábio Vitória, esclarece as características do transtorno.
1 – Como a psicanálise pode ajudar no tratamento de sintomas atribuídos ao transtorno do pânico?
As psicoterapias em geral, incluindo a psicanálise e a psicoterapia de orientação analítica, têm papel fundamental no tratamento do transtorno de pânico. Proporcionam um espaço terapêutico para a busca do autoconhecimento e do entendimento dos próprios processos emocionais e afetivos.
2 – Como o mundo atual (marcado, por exemplo, pela percepção de violência e falta de segurança nos grandes centros) contribui para a produção social do pânico?
A sociedade atual enfatiza a imagem, o “exterior”, em detrimento dos valores internos. A tendência é uma redução do homem à dimensão da imagem. As pessoas estão perdendo a capacidade de se colocar no lugar do outro; a cena narcísica ganha espaço em prejuízo ao altruísmo. Nesse sentido, o pânico expressa o fracasso do sujeito em atender às exigências dos ideais e valores que a sociedade atual prega.
Além disso, a insegurança, que é marca indelével do cotidiano, aguça o sentimento de desamparo e isso pode ser um gatilho para angústia, ansiedade e para surgimento de crises de pânico. Sob esse ponto de vista, portanto, existiria um processo de produção social do pânico.
3 – Sempre é necessário o uso de medicamentos?
Nem sempre se faz necessário usar fármacos para o controle do transtorno de pânico. Idealmente recomenda-se uma avaliação especializada para indicação do melhor tratamento.
4 – É possível agravar se não for tratado? Pode chegar ao ponto de alguém colocar a vida em risco?
Sim, a doença pode se agravar se não for tratada de forma adequada. Risco de vida não é comum, mas pode ocorrer, principalmente se um transtorno depressivo se sobrepuser ao transtorno de pânico não tratado ou a um transtorno de pânico que não melhora com os tratamentos propostos, uma vez que a depressão é capaz de desencadear pensamentos de morte ou ideação de suicídio.