“ A América homogênea mitológica não existe mais. Somos um mosaico formado por minorias.”
Joel Weiner citado por Philip Kotler no livro Administração de Marketing
Os criativos da publicidade norte-americana são mestres em vender ao mundo aqueles símbolos que tão bem lhes representam. Na década de 1960, o cigarro significava status – cada classe social tinha a sua marca – e o fumante seguia um ritual de gestos para distinguir refinamento de rudeza. Na época, uma engenhosa estratégia da Philip Morris deu partida à ascensão irresistível da marca que se tornou sinônimo de virilidade. O projeto cumpriu uma trajetória espantosa: de preferência feminina, devido ao filtro, ao pódium masculino. Caminho assegurado por uma pesquisa que revelou quem o ianque adulto desejava ser, caso pudesse escolher.
LUGAR ÚNICO. Com a resposta na cabeça, os publicitários responsáveis pela “conta”, escolheram um personagem, levaram-no para as Montanhas Rochosas e puseram-no em uma roupa de “cowboy”. Com o agora cavaleiro sobre o lombo do cavalo, tal qual os grandes filmes – era a “era de ouro” do faroeste –, produziram uma série memorável. O roteiro salientava lides campeiras ao embalo da música de Henry Mancini (ouça!). Cada fim sem “The End” encadeava-se em um novo começo, como um discurso exato de Cícero. Sutis convites para degustar o cigarro que abriam as portas do lugar único: “Come to Marlboro Country”.
FÓRMULA 1. Marlboro “bombou”. Os homens queriam ser “cowboys”; as mulheres desejavam aqueles vaqueiros de tempos politicamente incorretos. Tudo corria às mil maravilhas até os governos resolverem comparar ganhos com impostos e gastos com a saúde. Feito a conta, atiçaram as campanhas antitabagistas e deram um chega pra lá na publicidade explícita de cigarros. Atenta, a intelligentsia da companhia mudou o jogo. Investiu no logo – a bandeirola vermelha – de simplicidade franciscana, mas com força para dominar grafismo mundial. Fora da mídia tradicional – jornais, rádios e tevês – incrementou o marketing ao ingressar no circo da Fórmula 1 e patrocinar a McLaren. Com novos cavaleiros – Emerson Fittipaldi, James Hunt, Niki Lauda, Airton Senna e Alain Prost –, a marca disparou sob a força de milhares de cavalos da escuderia. Perdeu as Rochosas como moldura, mas ganhou o mundo como a forma glamorosa de viver com arrojo e determinação.
BRAZIL. O cinema italiano mostrou “cowboys” mais próximos à realidade – Feios, Sujos e Malvados (veja o filme). Nada capaz de abalar o mito “made in USA”. Já o gaúcho, equivalente espraiado do Rio Grande à Argentina, é folclore ilhado no Sul da América. Faltou uma Hollywood para transformá-lhe em mocinho universal. Por isso, talvez, ante o desejo de invocar-lhe, o Brazil multinacional – que tem vergonha do Brasil multicultural –, cria coisas bizarras como o recente comercial da Tramontina. Nas primeiras peças da campanha publicitária, a figura irrompe na tela à semelhança de um imponente “marlboro man”. Domina a cena com a voz grave e discorre sobre a melhor técnica para um grande churrasco. Na sequência, aplica conselhos risíveis aos orgulhosos assadores gaúchos – o vídeo tem ampla veiculação no Rio Grande do Sul. Logo um especialista em “barbecue”, cara-pálida! Constrangedor. Perdeu-se uma oportunidade de viralizar boas (e bem humoradas) histórias do Centauro dos Pampas.
THE END. Ironia: induzida pelo humor raso de uma ideia infeliz, a gaúcha Tramontina passou do ponto e queimou o churrasco.
1. Cowboy: vaqueiro;
2. “Came to Marlboro country.”: “Venha para o mundo de Marlboro.”;
3. Made in USA: feito nos Estados Unidos;
4. Marlboro man: homem-marlboro;
5. Barbecue: churrasco
“O Brazil multinacional que tem vergonha do Brasil multicultural, cria coisas bizarras…”