Aos 74 anos, o aposentado José Ramos da Silva começará uma nova etapa em fevereiro de 2018. Durante uma manhã e duas noites por semana, ele ocupará uma cadeira na Univates, como aluno do curso de Letras. A alegria da conquista de quem já estava fora da educação formal há mais de meio século está no entusiamo do calouro e na faixa de “bixo” pendurada no portão de casa, no bairro Pinheiros.
“Eles nem vão precisar me dar apelido. Eu mesmo vou encontrar um”. É nesse espírito que o policial militar da reserva remunerada da BM se prepara para dividir a sala de aula com colegas que poderiam ser seus bisnetos. “Muita gente pensa que vai passar vergonha na frente da gurizada, porque eles são modernos e nós, antigos. Então, vamos ser modernos também! E transmitir para eles energia, para que não desistam e aproveitem o tempo”.
Apesar de já ser aposentado faz 23 anos, Silva não conseguiu ingressar na faculdade antes. Complicações na saúde foram um dos impedimentos. Mesmo não tendo doença grave, algumas situações isoladas foram extremas. Apenas nos últimos cinco anos, precisou de três cirurgias, passando também pela UTI. Uma foi para retirada de cisto, outra envolveu pâncreas e duodeno e, há cerca de dois anos, operou o coração, para aplicação de stent.

Policial militar aposentado faz mais de 20 anos, José Ramos da Silva, de Estrela, voltará aos estudos em fevereiro. Cursará letras na Univates
Essas situações delicadas fizeram ele repensar a forma como aplicaria o tempo. Uma das incentivadoras de sua volta aos estudos foi a filha, Luciane, 25, que toca saxofone e cursa licenciatura em Música. O outro filho, Leandro, 29, cursa Aeronáutica. “Temos dois filhos maravilhosos”. Luciane acompanhou o pai na fila do vestibular. Quando um dos instrutores da prova entregou a caneta para ela, a moça apontou para o pai e disse: “o aluno é ele”.
A mulher, Lurdes, também ajudou. Foi ao lado da companheira que ele retomou algumas lições na semana anterior à prova. “Achei tudo difícil, menos Português”, comenta. Essa parceria começou ainda em 1987, quando, mesmo já tendo concluído o Ensino Médio, Ramos fez o curso supletivo, apenas para incentivar Lourdes a concluir os estudos.
Ela fez o Enem e também almeja conquistar o diploma de Ensino Superior, no curso de Enfermagem. Eles são casados faz 33 anos.
Anos perdidos
Natural da antiga vila de Sério, Silva entrou para a escola com 10 anos. A família, de 13 filhos, era muito pobre e, naquela época, não existia escola próxima. As condições de sobrevivência também não eram das melhores. Sem terras, cuidavam de roças e manutenção em troca de moradia. Três dos irmãos morreram quando bebês. Outras três, em virtude da falta de recursos, foram dadas para famílias de Lajeado, Forquetinha e Marques de Souza.
Apenas quando eles se mudaram para Arroio do Ouro, em Estrela, ele pôde entrar para a Vidal de Negreiros. Mais tarde, a família foi para Novo Paraíso e, as crianças, para a escola rural, que hoje é a Nicolau Müssnich. Na sequência, tiveram que ir para Boa Vista. Foi nessa época, quando Silva tinha 14 anos, que seu pai morreu.
Mais velho dos irmãos que ainda moravam em casa, ele ajudou a mãe a criar outros cinco. Foi forçado a dar uma pausa nos estudos por três anos, para ajudar no lar. Aos 17 anos, conseguiu voltar para a sala de aula e concluiu o Ensino Médio no João Batista de Mello, em Lajeado, onde estudava de noite e trabalhava de dia. “Pegava em dois turnos. Quando terminava a safra na Souza Cruz, eu ia para a Lacesa.”
Aos 23 anos, passou no concurso para a Brigada Militar, onde chegou à patente de sargento e ficou por quase três décadas. Uma das lembranças que lhe incentiva a escolher Letras é da época em que foi monitor de Língua Portuguesa no curso de soldados. “Um aluno levantou e disse que tinha aprendido mais em uma aula minha do que em dois meses de aula com o capitão.”
Gesiele Lordes: gesiele@jornalahora.inf.br