A duplicação da BR-386 no trecho entre Tabaí e Lajeado está perto de terminar. Obra iniciada em novembro de 2010 e prevista para ser concluída em 2013, passou por entraves que resultaram em quase cinco anos de atraso.
Apesar da demora, a nova pista começa a transformar a realidade regional. Quem transita pela rodovia percebe a quantidade de empresas e empreendimentos que surgem às margens da estrada. A duplicação aproximou o Vale do Taquari a Região Metropolitana, transformando a região em alternativa diante da saturação logística de outros pontos do estado.
Gerente de marketing de uma rede de concessionárias, Marcelo Paim afirma que a BR-386 é o principal ponto para o desenvolvimento da região. Diante disso, a empresa a qual representa investe R$ 20 milhões na abertura de uma segunda unidade às margens da rodovia.
“Todos os 33 municípios que atendemos utilizam a rodovia”, ressalta. Além da ligação entre a Capital e o interior do Estado, Paim ressalta que o trecho do Vale do Taquari se transforma em um entroncamento que recebe tráfego de diferentes regiões, como o Alto Taquari, o Vale do Rio Pardo e do alto da Serra do Botucaraí.
“A duplicação é essencial para o desenvolvimento de toda a região”, aponta. Uma das primeiras empresas a perceber o potencial da estrada foi a Fruki. A empresa inaugurada em 1924 em Arroio do Meio se transferiu para Lajeado, onde instalou o complexo industrial às margens da rodovia.
De acordo Nelson Eggers, diretor-presidente da companhia, o terreno foi comprado em 1962, antes mesmo da abertura da rodovia. “Na época, o governo estava providenciando a compra e a desapropriação dos terrenos para a construção da Estrada da Produção, como ainda é conhecida até hoje.”
Nove anos depois, em 1971, a empresa inaugurou o primeiro prédio na atual sede, quando a rodovia tinha apenas uma pista. Naquela época, Eggers já projetava o crescimento do fluxo de veículos na estrada. “A avaliação é que passariam 30 mil veículos diariamente, e hoje tem dias que o fluxo é muito maior, o que indica que acertamos.”
Entre os anos de 1980 e 1981, Eggers assumiu a presidência da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil), ano em que iniciaram os primeiros movimentos em reivindicação da duplicação da rodovia.
“Fizemos muita pressão e as obras começaram a acontecer na década de 90, primeiro no trecho entre Lajeado e Estrela e a última etapa iniciada em 2010 que falta completar”, relata. Segundo ele, a duplicação da rodovia foi um dos fatores que pesou escolha de Paverama como local onde será instalada a nova fábrica da empresa, em um investimento de R$ 200 milhões.
A decisão ocorreu em 2016, e na época 76 municípios de diferentes regiões se candidataram para receber a unidade. “O local onde compramos é 40 vezes maior do que a atual, e fica em um cruzamento entre a BR-386 e a estrada que vai de Paverama até Taquari. Estamos pensando um século na frente.”
Diante das projeções da empresa, Eggers afirma que o fim da duplicação e a melhoria das condições da estrada são fundamentais. Ressalta os prejuízos causados pela deterioração e falta de manutenção do asfalto. “Hoje, mesmo na parte nova, temos problemas com pneus que estouram devido aos buracos, em especial nos dias de chuva.”
Conforme o diretor-presidente da Fruki, por ser um dos principais pontos de passagem de cargas e passageiros do RS, a região tem tudo para crescer cada vez mais se a rodovia apresentar as condições necessárias para isso. “Estamos perto da região metropolitana, da Serra, Vales do Caí e Taquari, e somos caminhos para as Missões, o que nos dá uma grande vantagem.”
Se na época da inauguração da fábrica a Fruki foi uma das pioneiras a compreender esse potencial, hoje cerca de 280 empresas estão localizadas às margens da rodovia, somente no trecho de Lajeado. Mesmo sem as condições ideais, a estrada é um dos principais argumentos das administrações municipais na busca por novos investimentos.
Em novembro, uma das principais redes de supermercados do RS inaugurou uma loja próxima à fábrica de refrigerantes, em um investimento de R$ 15 milhões. No início do ano foi inaugurada em Estrela a primeira unidade de uma rede multinacional de supermercados na região.
Crescimento nos municípios
Prefeito de Fazenda Vilanova, José Cenci foi um dos líderes à frente do movimento pela duplicação da rodovia no fim dos anos 2000. Eleito presidente da Amvat em 2009, ano em que a duplicação do trecho entre Tabaí e Canoas foi anunciado pelo Governo Federal.
“Fazem três anos que estão terminando essa obra, e mesmo sem estar pronta percebemos a diferença na quantidade de empresas que procuram se instalar às margens da rodovia”, destaca. Em Fazenda Vilanova, dois novos empreendimentos estão próximo de serem iniciados. Um deles é um posto de gasolina com paradouro, em um investimento de aproximadamente R$ 10 milhões.
“O outro ainda estamos em negociação, mas também envolve grandes cifras. As possibilidades estão abertas”, ressalta. Para Cenci, o Vale do Taquari é a bola da vez dos investimentos do RS devido às obras de duplicação.
“As outras regiões já estão saturadas em termos de logística, e nós alcançamos 60% da população do RS em um raio de 100 quilômetros”, alega. Hoje, aponta, Fazenda Vilanova está a 40 minutos do aeroporto, proximidade considerada fundamental para a atração de empresários.

Desde a definição do traçado da BR-386, pesquisadores apontavam para a tendência de aumento no fluxo migratório, da urbanização e consequentemente da industrialização.
Cenci se emociona ao falar sobre a mobilização que resultou na duplicação da rodovia. Acredita todos os que batalharam desde os anos 1980 por essa demanda deveriam ser homenageados ao final da obra. Segundo ele, tal obra só foi possível graças a união regional.
“Para mim ainda tem uma questão pessoal, pois perdi meu irmão que era meu grande parceiro, em um acidente devido a falta da duplicação”, relata. Prefeito de Bom Retiro do Sul, Edmílson Busatto aguarda ansiosamente pelo fim das obras para dar prosseguimento ao projeto de criação de um distrito industrial às margens da estrada.
Conforme o prefeito, o trecho de 1,8 quilômetros da rodovia que pertencem à Bom Retiro do Sul será o último a ficar pronto. “É uma obra fundamental, até porque boa parte da nossa população trabalha ou tem negócios em Lajeado e Estrela e circula diariamente pela rodovia.”
De acordo com Busatto, a procura de empresas que pretendem se instalar na cidade é grande e exige critério na seleção dos projetos. “Os olhos dos empresários brilham quando falamos das possibilidades às margens da rodovia. Se eu tivesse mais espaço, ao menos quatro empresas se instalariam rapidamente no distrito industrial.”
O prefeito destaca ainda a instalação de uma fábrica de cerveja em 2016, e que já tem projeto para expansão. “É uma estrutura que já nasceu grande, deu outro patamar para o município, e agora vai crescer ainda mais.”
Secretário de Planejamento e Desenvolvimento de Estrela, Paulo Ricardo Finck destaca que a cidade ainda dispõem de grandes áreas disponíveis para a instalação de empresas na beira da rodovia. “Em outros municípios isto não ocorre por praticamente não existirem áreas para expansão empresarial.”
Segundo ele, a valorização do metro quadrado de áreas ao longo da rodovia que estão nas mãos da iniciativa privada é notório. “Mesmo assim, estamos constantemente monitorando e apoiando investidores.”
Apesar de considerar que o atraso na obra atrapalhou um crescimento ainda maior, é cauteloso com as críticas. Para Finck, por se tratar de uma obra de suma importância para o desenvolvimento regional, é necessário destacar que boa parte da obra já foi entregue e que em breve uma nova etapa será concluída.
Concessão no horizonte
Uma das grandes polêmicas em torno da BR-386 é o projeto de concessão da estrada para a iniciativa privada. Anunciado em fevereiro, o plano foi alvo de diversas audiências públicas e debates em todo o Vale do Taquari, e causou preocupação diante da possibilidade da volta das praças de pedágio na rodovia.
Para Finck, a privatização da estrada é irreversível e necessária diante das dificuldades do governo Federal em manter a conservação da rodovia. “Quanto aos pedágios, são a alternativa encontrada para que se possa viabilizar investimentos em melhorias.”
Segundo ele, uma rodovia duplicada, bem conservada e com boa sinalização pode significar uma forma de agilizar negócios, economizar combustível, pneus e, principalmente, reduzir acidentes e poupar vidas.
Entrevista
“A infraestrutura e a logística atraem investimentos”
Vice-presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog) e voluntário da Agenda 2020, Paulo Menzel é um dos principais especialistas em sistemas de transporte do estado.
O quanto a infraestrutura rodoviária influencia o desenvolvimento regional?
Paulo Menzel – O Rio Grande do Sul está atrasado 55 anos em infraestrutura logística. A gente chama isso de estoque da infraestrutura. Estamos atrasados mais de cinco décadas no que deveríamos ter em sistema de logística e infraestrutura. Se temos uma economia com um gargalo desse tamanho, isso inevitavelmente tem um custo muito alto. O custo logístico do RS bate a casa dos 21% do PIB. O ideal seria 6,2%. Estamos bem distante, e esse número cresce de 0,4% ao ano. Já cresceu 0,6% por ano quando a economia estava aquecida. Não temos infraestrutura para atender a demanda de uma economia aquecida, então esse custo só não é maior porque tivemos a recessão. Isso representa perda de competitividade.
Como a logística frágil prejudica a competitividade das empresas gaúchas?
Menzel – Se você tem um custo logístico desse porte, você não consegue vender ou comprar produtos porque o custo do transporte fica muito caro. Perdemos mercado. Nos Estados Unidos, o custo logístico é de 8,5% do PIB. É por meio da logística que perdemos competitividade no mercado. O agronegócio, por exemplo, ainda é o motor da nossa economia. O chinês quer comprar a soja brasileira porque tem mais qualidade do que a americana. Evoluímos muito em tecnologia no campo. Mas tudo o que ganhamos na lavoura, botamos fora entre a porteira e o Porto. Seja na chegada dos insumos para produzir, quanto no envio do grão. Temos muito o que correr atrás da máquina para podemos ser competitivos de novo. Essa perda de competitividade sai do nosso lucro, que já é baixo.
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Os gaúchos costumam ficar impressionados com a qualidade das estradas em Santa Catarina. Como a melhor infraestrutura no estado vizinho afeta o desempenho do RS?
Menzel – Ao passarmos o rio Mampituba, fica clara essa diferença de realidade. No minha visão de futuro, Santa Catarina será o grande concentrador de cargas brasileiras. O RS tem um porto, de Rio Grande, com imensas dificuldades e trabalhos atrasados faz bastante tempo. Em SC, estão construindo o oitavo porto de águas profundas, para navios de longo curso. Um estado territorialmente menor que o nosso está muito na frente, pois eles entendera o valor da infraestrutura. Aplicam maciços recursos para criar uma estrutura que inclui portos, aeroportos, armazéns e estradas que interligam os seus municípios. O RS ainda tem uma quantidade enorme de municípios que sequer tem acesso asfáltico.
Qual o papel da BR-386 no cenário logístico gaúcho?
Menzel – É a única rodovia do RS que sua importância atinge os 497 municípios gaúchos. São 35 cidades lindeiras, mas a importância dessa estrada que rasga o estado ao meio atinge economicamente todos os municípios. Esse é o tamanho da importância da rodovia.
De que forma as obras de melhoria e duplicação previstas na concessão podem influenciar o desenvolvimento do Vale do Taquari?
Menzel – A infraestrutura e a logística atraem investimentos e não o contrário. No momento que abro uma rodovia, o comércio e a indústria se instalarão ao longo da rodovia. Porque não existe comércio e indústria sem infraestrutura e um sistema logístico adequado para fazer fluir os insumos, mercadorias e bens que precisam chegar e sair. Isso sem falar nas mortes causadas pela falta de estrutura na rodovia. Quantas pessoas adicionais morrem todos os anos? Nem me atrevo a pensar em quanto vale uma vida. É inestimável. E essas mortes são causadas pela falta de um sistema de infraestrutura logística adequado.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br