Mais de mil produtores de leite participaram de protesto em frente à sede da Lactalis, nessa sexta-feira, 24. Organizado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), o ato exigiu a valorização do preço do produto, políticas públicas de incentivo ao setor e o fim da importação de leite uruguaio. Ao final, os manifestantes entraram no pátio da empresa e realizaram o despejo simbólico de dezenas de litros de leite.
Entre as reivindicações, estão a antecipação do pagamento aos produtores do dia 15 para dia 5, conhecimento sobre os preços do mês seguinte e a formalização de contratos com as indústrias para que os trabalhadores tenham mais estabilidade. Também é exigido o fornecimento de dados ao Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do RS (Conseleite) para o cálculo que estabelece o preço de referência do produto. Produtores alegam que as grandes empresas omitem essas informações.
Ao governo do estado, o movimento pede a revogação dos decretos que facilitam as importações e transparência sobre os inventivos fiscais concedidos às empresas internacionais instaladas no RS. Quanto ao governo federal, os produtores reivindicam medidas para reequilibrar os preços do leite, como a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a retirada do produto das comercializações do Mercosul e criação de cotas para importações.
Ato semelhante também foi realizado em Palmeira das Missões, em frente a sede da Nestlé. “O movimento sindical conseguiu deixar neste momento as duas maiores empresas de leite do Rio Grande do Sul bloqueadas. Não entra leite e não sai leite”, comemorou o presidente da Fetag, Carlos Joel da Silva. Segundo ele, Nestlé e Lactalis recebem incentivos fiscais para gerar emprego e renda no estado, e não no Uruguai.
Joel também criticou o governo federal, que desbloqueou as importações do país vizinhos. Segundo ele, se o governo quer mercado livre para vender outros produtos aos países do Mercosul, é necessária a criação de mecanismos que protejam os produtores locais. “Será que o nosso governo está mais preocupado com os produtores do Uruguai do que com os nossos produtores?”, questionou.
Conforme a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teutônia e Westfália, Liane Brackmann, os produtores estão preparados e com coragem para lutar pelo setor. Se o preço do leite continuar desvalorizando, o movimento vai intensificar as ações. “O aviso foi dado. Estamos preparados para invadir empresas, Assembleia Legislativa, ministérios, se for o caso, para salvar os nossos produtores”, assegura.
O ato iniciou às 9 horas. Por volta das 11h15, integrantes da diretoria da Lactalis receberam uma comissão dos manifestantes. Como encaminhamento, foi marcada uma reunião para 5 de dezembro, em Porto Alegre, para tratar a pauta de reivindicações. Deverão participar representantes da empresa, da Fetag e do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat).
Parlamentares endossam movimento
A mobilização contou com a presença de dois deputados federais, Elvino Bohn Gass (PT) e Heitor Schuch (PSB). Ambos criticaram a postura da União em relação ao setor leiteiro.
Conforme Bohn Gass, o governo não negocia com altivez a importação e ainda aumenta os preços da energia elétrica, dos combustíveis e do gás de cozinha, dificultando a vida dos produtores. Segundo ele, a retomada das compras públicas seria uma forma de retirar o excesso de produtos do mercado e valorizar os preços. “Até hoje, o governo não comprou um litro de leite, um quilo de leite em pó.”
Shuch destaca que o governo federal é “frágil e relapso” em relação ao setor leiteiro. “O Brasil não está dando a devida importância para esse setor. Enquanto o governo deixar a fronteira aberta, o nosso agricultor vai sofrer e penar para produzir leite”, comenta.
Abandono
Dados da Emater apontam que cerca 20 mil pessoas deixaram a produção leiteira no estado nos últimos dois anos. Conforme produtores, a falta de incentivos e a concorrência desleal enfraquecem o setor.
Produtora de leite em Teutônia, Janete Fiegenbaum Schmitt afirma que a mobilização é importante, pois o setor “está abandonado”. No passado, chegou a vender o litro a R$ 1,70, hoje vende a 94 centavos. “A gente fez tudo o que eles pedem, inovações, investimentos na propriedade, mas hoje a gente é esquecido, foi deixado de lado”, reclama.
Coordenador de Jovens da Fetag no Vale do Taquari, Anderson Primaz produz leite em Sério e vende o litro a R$ 0,90. Ele conta que há dois anos, o preço R$ 1,62. Segundo ele, com tantas dificuldades, não existe estímulos para que os jovens permaneçam no campo produzindo alimentos.