Talvez a frase “Ô manhêêê!” seja uma das mais ouvidas nos lares brasileiros. Falamos “talvez” porque é impossível pesquisar quantas milhões de vezes essa expressão é dita todos os dias. E mesmo que a frase seja a mesma durante gerações, a família nunca esteve tão diferente. E essas mudanças têm responsáveis: as mulheres.
Pesquisa realizada pelo IBGE em 2015 indicou que 40% das famílias braseileiras são lideradas por mulheres. Em 2002, eram apenas 28%.
Conclusões prévias do instituto apontam a modificação da estrutura familiar para o empoderamento da mulher brasileira. “A queda da fecundidade, o aumento da escolaridade e a inserção das mulheres no mercado de trabalho produziram alterações nos arranjos familiares”.
O casamento também mudou
A sociedade passou por diversas fases quando o assunto é casamento. O matrimônio do século XIX, por exemplo, servia como moeda de troca. O homem poderia garantir desde um pedaço de terra, títulos de nobreza até alianças entre países. Ao longo da história, as características da união mudaram de acordo com a conquista de direitos femininos.
Para a professora Margarita Rosa Gaviria Mejía, a mudança da família ocorre em um contexto em que mulheres se libertam do modelo aprisionador de casamento e desenvolvem outras formas de relacionamento. “Há a libertação da mulher do papel submisso à autoridade do homem da família, como era no modelo de família patriarcal. Temos também um papel matriarcal agora”, afirma.
O direito de votar, a inserção no mercado de trabalho e a liberdade sobre o próprio corpo acabaram aos poucos por desprender o gênero feminino das obrigações matrimoniais.
A mulher, em boa parte dos casos, não depende mais financeiramente do parceiro. Ela pode trabalhar, se qualificar e se sustentar sozinha. O matrimônio tem se tornado uma relação desprendida da de subsistência.
O crescimento do número de mulheres na chefia das famílias, analisa Margarita, relaciona-se com a mudança nas relações de poder entre os gêneros. “Na contemporaneidade, há um empoderamento da mulher. Ela ocupa um papel ativo no crescimento e manutenção das famílias, seja no âmbito doméstico ou no espaço de trabalho”, explica.
A histórica e estatística responsabilidade e comprometimento da mulher com os filhos barganhou benefícios a ela. O programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, a coloca preferencialmente como beneficiária do imóvel. Isso porque nos divórcios, conforme pesquisa de 2011 do IBGE, a quantidade de mulheres que assumem legalmente a responsabilidade de cuidar das crianças é de 87,1%, frente a 5,3% dos homens. A guarda compartilhada ocupa 5,4% dos casos.
A mulher tem poder
Inspirada no pai, Simone Duarte, 42, conta que assumiu a chefia da família de forma natural. “Eu sempre fui muito prática, gosto de ver as coisas prontas. Então, se precisa ou deu vontade, eu planejo, vou lá e faço”.
Mãe de dois filhos, Rafael, 22, e Gabriel, 7, sempre procurou ser independente financeira e psicologicamente para garantir a ela e aos filhos uma melhor qualidade de vida.
Ao refletir sobre o modelo de casamento da geração de seus pais, Simone fala que, apesar de o sistema patriarcal prevalecer, serviu de inspiração para que ela pudesse manter a família nos trilhos. “A questão não é de o homem ou a mulher chefiar a casa, mas sim de o casal ser sensato e escolher qual dos dois é melhor para desempenhar esse papel”, explica.
Simone acredita que toda a mulher deve ser independente não só na forma de pensar, mas também de agir. “É claro que sempre existe diálogo sobre os novos projetos da família, como foi na aquisição da piscina e do carro, mas o planejamento e administração do dinheiro sempre foram meus. Eu preciso ter certeza de que tudo dará certo”, afirma.
O sistema matriarcal que vem se instalando se configura de forma diferente à do patriarcal. Os homens chefes de família sustentavam a casa e administravam as finanças, já hoje as mulheres acumularam funções. “Além do papel de administradora, nós continuamos com as funções de dentro de casa. Por vezes, isso é cansativo, mas para compensar eu me permito investir em mim mesma. Tudo o que eu quero eu planejo e consigo”, comemora.
Afirma que o planejamento é a melhor solução para a realização dos sonhos.“Eu não tinha nada, mas com trabalho, vontade, planejamento e atitude eu consegui, junto ao meu marido, trazer a minha família para uma realidade confortável de viver”, comemora.
Para Lourdes Coutinho, 54, de Estrela, chefiar a família não foi uma decisão. Com a morte do marido há 21 anos, ficou sozinha com dois filhos adolescentes. O marido era responsável pelo sustento da família, também administrava as contas e rotina. “Eu cuidava da casa e das crianças”.
Depois de viúva, Lourdes começou a trabalhar e, pela primeira vez, experimentou a independência. “Ao mesmo tempo que era difícil, porque eu estava em uma zona de conforto, foi muito bom porque pude decidir quais seriam os próximos passos da minha família”.
Hoje, com casa própria, faz viagens anuais a locais que sempre sonhou visitar. “A minha prioridade é viver e não acumular. Não me vejo mais fora da posição de chefe de família”, diz.