“Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.”
Vitor Hugo, escritor francês
O medo de restar só é um dos mais avassaladores sentimentos do homem. Entenda-se aí a falta de alguém para dialogar, trocar afetos e confissões. Muitas vezes, o antídoto para o temor são criações maravilhosas como este verso de Eu Preciso Aprender a Ser Só, canção dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle:
“Ah, se eu te pudesse fazer entender
Sem teu amor eu não posso viver
Que sem nós dois o que resta sou eu
Eu assim tão só
E eu preciso aprender a ser só
Poder dormir sem sentir teu calor
A ver que foi só um sonho e passou.”
A sequência lógica das histórias desafortunadas – solidão, tristeza absoluta e amargura por fim – sobrepõe-se ao tempo e está em todos os lugares. Leva à depressão, mal deste século, diz-se agora. Dos séculos, como já constatei.
LOVE STORY. Porto Alegre era deliciosamente provinciana em meados da década de 1970. Ernesto Geisel conduzia uma abertura “lenta, gradual e segura” e a sociedade respondia ao som da MPB. A boemia da capital esparramava-se por 4 zonas – Azenha, popular; Cidade Baixa, classe média; Bom Fim, jovem; e Independência, sofisticada –, assim como as histórias inusitadas. Na João Pessoa, Azenha, ficava o bar Love Story. Pequeno e enevoado pela fumaça dos fumantes, reunia prostitutas, cafetões, bicheiros e gente das artes cênicas. Antecipava a diversidade democrática e guardava a peculiaridade de ter um artista como dono. Jesus Tubalcain, figurinha carimbada nos filmes do cantor Teixeirinha. Canastrão cinematográfico, mas bom ator de teatro. Passei a frequentar o local com a turma do teatro – criava cartazes para as peças, na época – e encantei-me com a “gente da noite”. Entre as quais, este insólito personagem da história que se segue.
Por volta da meia-noite, no Love Story, passei a deparar-me com um senhor de hábito invariável. Sentava-se sempre à mesma mesa sobre a qual o garçom depositava dois chopes e um pratinho com petiscos. Permanecia cabisbaixo, mantinha movimentos cuidadosos e sorvia o chope com vagar. Bebia até a metade, quando passava para o outro copo. Nesse momento, o garçom atento trocava o copo já utilizado por um de colarinho caprichado, e a rotina prosseguia madrugada a dentro. Um dia, a curiosidade fez-me querer saber o porquê daquele comportamento tão metódico a ponto de ser triste. Circunspecto como nunca, Jesus contou-me o que sabia: “– É um freguês fiel, aposentado e viúvo. Entra, observa quem está desacompanhado, os casais e grupinhos, mas não consegue se relacionar. Teme ser considerado um velho abandonado e inútil. Na cabeça dele, quem vê os dois copos servidos imagina que sua companhia volta logo”.
FANTASIA. Poucas atividades humanas são tão solitárias quanto o exercício do poder. Por mais que o líder compartilhe a administração, decidir é responsabilidade exclusiva. Agora, quando se iniciam os movimentos para uma nova eleição, é paradoxal ver os esforços de tantos políticos por uma posição que, uma vez conquistada, afasta-os das pessoas. A ficção criada pelo homem só do parágrafo anterior, leva-me a crer que a aflição do pós-conquista introduz os eleitos em um outro mundo, no qual compram uma fantasia para não ficarem sós.
MULHER DE CÉSAR. Luislinda Valois é ministra dos Direitos Humanos. Aposentada, recebe R$ 33.700,00 – uma fortuna mensal neste Brasil cada vez mais Índia e menos Bélgica. No entanto, a ilustre senhora de sobrenome aristocrático reclamou que a remuneração impunha-lhe uma condição análoga ao de trabalho escravo. Bateu pé e exigiu o acréscimo de R$ 27.000,00 mensais aos seus proventos para alcançar a cidadania. Negra como eu, a ministra contaminou-se pelo uso do poder a ponto de distorcer o significado de escravidão, vocábulo tão caro à humanidade. Pressionada pelas críticas, desistiu do pleito nessa quinta-feira. Tentou um benefício que até poderia ser legal, embora inconveniente e imoral. Cega pela chance de levar vantagem, ignorou um princípio fundamental ao cargo público contido nesta frase de César: “À mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.”
Cheio de graça, o site O Antagonista sugeriu a Michel Temer libertar ministra com um gesto simples: a abolição do ministério.
“Liberdade é uma possibilidade de ser melhor, enquanto que escravidão é a certeza de ser pior.”
Albert Camus, escritor franco-argelino
Opinião
Gilberto Soares
Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.