Pesquisa da agência de comunicação WBI ON Life sobre o grau de maturidade digital do setor privado gaúcho evidenciou a dificuldade das empresas em adaptar os modelos de negócios. Conduzido pelo consultor Paulo Kendzerski, o estudo avaliou mais de cem companhias. E apenas duas tiveram bom desempenho.
Os números mostram que, apesar de estarem presentes no ambiente digital, as marcas ainda pensam e atuam de forma analógica. Foram avaliados critérios como governança corporativa, inteligência digital, canal de negócios e interação com o cliente.
CEO da Aceka Marketing Digital, Gláucia Kirch afirma que no período mais agudo da crise as empresas engavetaram projetos ligados à tecnologia para priorizar questões básicas do negócio. Segundo ela, isso mostra que as pessoas ainda não compreenderam que a própria tecnologia é, por si só, um item básico.
“Praticamente todas as empresas operam com softwares de gestão que reúnem todas as informações do negócio. Se esse software parar, a empresa para”, exemplifica. Conforme Gláucia, no momento em que a tecnologia para de funcionar as empresas percebem o quanto dependem dela.
De acordo com a CEO, um dos exemplos dessa dificuldade de compreensão da tecnologia é a relação com a computação em nuvem, sistema que permite hospedar todos dados da empresa de forma remota. “As pessoas ainda têm medo de que outros tenham acesso a esses dados, quando na verdade já usam o e-mail, que é hospedado na nuvem, para trocar informações vitais do negócio.”
Para Gláucia, a falta de investimento em tecnologia está mais relacionada à ausência de conhecimento sobre os benefícios do que à falta de recursos financeiros. Lembra que a maioria dos empresários ainda relaciona o ingresso na transformação digital à manutenção de páginas na internet e redes sociais.
Conforme ela, os websites existem desde a década de 1990 e as redes sociais têm pelo menos dez anos de existência, portanto, já não representam uma novidade. “Uma empresa sem site está pelo menos 30 anos atrasada.”
Para Gláucia, a transformação digital vai muito além disso, pois significa o uso da tecnologia para automatizar e melhorar a precisão dos processos corporativos. Lembra que, por ano, os gestores de uma empresa perdem, em média, quatro semanas na tarefa de procurar informações devido a erros na organização de dados e documentos, por exemplo.
“O mais caro de uma empresa é o quadro pessoal e diariamente 7,5% do tempo de expediente de colaboradores é perdido refazendo uma mesma tarefa”, aponta. De acordo com a CEO, empresas que apostam na tecnologia como forma de melhorar os processos percebem a diferença nos resultados e alcançam maior assertividade na tomada de decisões.
Exemplos regionais
Rede de franquias do setor calçadista, a Lojas Calci baseou sua estratégia de expansão na tecnologia Analytics. A intenção é alcançar, até 2021, 21 lojas espalhadas pelo país. Hoje a plataforma Analytics é usada por mais de 70 usuários da franqueadora, gerando mais de 197 análises e 15 mil atividades por mês.
Gerente de TI da Calci, João Batista Cortez afirma que o modelo de negócios da empresa foi estruturado para usar a tecnologia, com apoio do fornecedor para qualificar a equipe e adaptar processos.
“Hoje podemos ter respostas instantâneas do sistema para realizar vários tipos de segmentação, o que nos possibilita tomar decisões rapidamente”, destaca. Com o BIMachine, a Calci analisa e gerencia dados de áreas como vendas, compras, estoque, cliente e posicionamento. Também tem disponível indicadores consolidados da rede de franqueados.
A tecnologia foi uma das responsáveis pelo rápido crescimento da empresa. De uma loja em 2013, a Calci chegou em 2017 com 18 unidades e continua em plena expansão.
Gestor da empresa, Antônio Carlos Diehl afirma que a base desse crescimento são as ações de atração e fidelização de clientes por meio da análise de dados possibilitada pelo software.
A rede de supermercados Imec também investiu em tecnologia para melhorar a gestão de informações voltadas para a expansão dos negócios. Um dos desafios era melhorar o controle orçamentário com base em dados históricos, para criar uma referência ao crescimento futuro.
Dessa forma, a rede se tornou capaz de antever cenários e pensar ações para entregar aos clientes produtos e serviços adequados às demandas de cada mercado de atuação. Por meio do software BIMachine, a empresa automatizou dados da área da controladoria, alcançando a integração com os setores financeiro e comercial para evitar a geração de planilhas paralelas.
Hoje o software entrega dados, análises e relatórios para mais de 60 usuários da Imec, entre diretores, gerentes, supervisores e analistas. Eles executam uma média de 31 mil atividades dentro da plataforma.
“Ainda temos muitos empresários com pensamento analógico”
O que a pesquisa sobre o grau de maturidade digital das marcas no RS demonstra?
Paulo Kendzerski – Os processos das empresas estão muito atrasados e o estudo comprova isso. Montamos 25 itens para entender o nível dessa maturidade. Usamos como parâmetro o Magazine Luiza, premiado como a empresa mais digital do país. Na nossa metodologia, ela atingiu 78 pontos, pois está em um processo de evolução constante, muito próximo da maturidade digital. O estudo sobre as marcas gaúchas não foi uma surpresa. Mais de 20 anos depois da chegada da internet, o mundo digital ainda parece um bicho de sete cabeças.
Por que o desempenho das empresas, em geral, foi baixo?
Kendzerski – A transformação digital não faz parte do processo de governança da empresa. Ele normalmente é realizado por uma pessoa mais ligada no assunto, e que acaba introduzindo alguns elementos. No máximo um setor, geralmente TI ou marketing, ou então uma agência terceirizada. Geralmente, quando fazemos um trabalho nesse sentido, temos que começar do zero, pois não existem informações dos procedimentos anteriores. Ainda temos muitos empresários com pensamento analógico.
Quando essa característica fica mais visível?
Kendzerski – Se você vai fazer um folheto para distribuir na esquina, acontece do presidente dar opinião, se envolver e avaliar. O mesmo não ocorre quando falamos sobre estratégias digitais, devido ao desconhecimento sobre o tema. O empresário se sente desconfortável em discutir uma coisa que ele não conhece, e que o estagiário tem conhecimento. Ele se sente confortável com o modelo analógico porque já conhece faz 20, 30 ou 50 anos.
O que as empresas precisam para ingressar na transformação digital?
Kendzerski – O termo transformação digital não significa apenas ter um site ou uma página no Facebook. Ele é a adaptação do modelo de negócio da empresa e de seu processo. É usar a inteligência digital, a capacidade e as ferramentas para se comunicar de forma muito ágil. Os processos ainda são muito analógicos. Um dos principais problemas é esse, pensar que a transformação digital está relacionada apenas à internet. A empresa como um todo precisa passar a ter o domínio do processo de transformação digital. No estudo, não avaliamos se o site é bonito ou feio, e sim o quanto da inteligência digital é usada para criar ferramentas que ajudem a melhorar o negócio.
Como uma empresa familiar de pequeno porte pode proceder para acompanhar essa transformação?
Kendzerski – O próprio estudo se preocupou em mostrar ferramentas, em sua maioria, gratuitas. Não é apenas para grandes empresas, mas o empresário precisa dedicar tempo e definir como prioridade. Às vezes, ele pode gastar duas horas em uma reunião para avaliar o custo financeiro da aquisição de um veículo para a empresa, mas não quer dedicar esse mesmo tempo para a transformação digital. Não é decidir fazer um site novo, e sim pensar em como criar ferramentas digitais para aumentar as vendas, por exemplo. Para isso, é preciso dedicação, estudo e conhecer exemplos positivos. Todo empresário participa de eventos sociais, mas poucos vão em palestras sobre novas ferramentas. É preciso mudar as prioridades.