“Desejo de empreender supera qualquer adversidade”

Negócios

“Desejo de empreender supera qualquer adversidade”

Diretora da Ciamed fez das dificuldades o impulso para vencer nos negócios

“Desejo de empreender supera qualquer adversidade”

Personalidade à frente da Ciamed, Renata Casagrande Galiotto transformou a necessidade de criar o próprio negócio na empresa que se tornou uma das maiores distribuidoras de medicamentos do RS. Filha de agricultores, Renata nasceu em Vespasiano Corrêa e teve uma infância humilde.

Na adolescência, morou em Guaporé, onde trabalhou como empregada doméstica e concluiu o curso de magistério. Diante do sonho de cursar o Ensino Superior, mudou-se para Porto Alegre. Na capital, enfrentou dificuldades, iniciou a vida profissional e conheceu o marido Tomé Galiotto, com quem abriu a primeira ótica.

O casal voltou para o Vale do Taquari e instalou óticas em Muçum e Encantado, mas o desejo de ter o próprio negócio falou mais alto. Com criatividade, persistência e apoio de amigos, criou, em 2003, a empresa que colocou Encantado no mapa da indústria farmacêutica.

Quando você se tornou empreendedora?

Renata galiotto – Sempre fui empreendedora. Isso faz parte da minha vida. Quando saímos de Porto Alegre, viemos morar em Encantado em busca de uma oportunidade. Consegui um emprego na prefeitura de Muçum e tempos depois abrimos uma ótica em Muçum e outra em Encantado. Mais tarde, surgiu a possibilidade de cursar faculdade de Optometria na Ulbra. Nesse período, saía às 4h e ia até Canoas para estudar. Eram duas horas e meia de viagem para ir e o mesmo para voltar, e minha filha tinha 4 meses. Ela sabia certinho o horário que eu saía e acordava também. Era muito puxado, mas me formei em quatro anos e meio. Perto da minha formatura, comecei a pensar em abrir o meu próprio negócio.

Por que essa decisão?

Renata – Meu marido cuidava das óticas e começamos a ter alguns problemas. Tenho uma personalidade forte e começamos a discordar em alguns sentidos. É um problema que a maioria dos casais tem porque é muito difícil marido e mulher trabalharem juntos. Além disso, eu estava naquele período da faculdade em que havia passado a euforia do estudo e começava a me confrontar em como seria o recomeço depois da formatura. Então comecei a pensar em ter minha empresa.

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Como surgiu a ideia de trabalhar com distribuição de medicamentos?

Renata – Meu orientador revisava meu TCC a cada 15 dias e percebeu que eu estava triste. Comentei com ele que estava descontente e pensando em montar outro negócio. Ele perguntou qual era a minha ideia. Pensei em abrir uma farmácia, para vender medicamentos, pois com a ótica nós atendíamos as prefeituras. Ele perguntou por que não montar um atacado. Disse que era impossível, pois não tinha dinheiro suficiente. Mesmo assim, ele insistiu para que procurasse na região se havia alguma empresa do tipo. Quinze dias depois, voltei e falei que não tinha nenhuma na região. Eu nem dormia direito pois só pensava no assunto. Percebi que o negócio não era um atacado e sim uma distribuidora. Mas ainda havia um problema: eu não tinha dinheiro suficiente.

De que forma a empresa começou se não haviam recursos?

Renata – Meu orientador me apresentou a um conhecido que representava um laboratório e disse para trocar opiniões com ele. Começamos a conversar e, por eu ter sido referenciada como uma aluna dedicada, além de me aconselhar, ele disse que me concederia crédito. Então, abri a Ciamed, que na época ficava no quarto andar de um prédio no centro de Encantado. Foi em 2003 e era apenas eu e outro colega com computadores e as folhas em branco. Naquele momento, não tinha noção do desafio que estava por vir, só pensei em empreender, abrir meu negócio e tocar. Era a minha oportunidade.

Em 2013, Renata se tornou a primeira mulher a assumir a presidência da ACI-e de Encantado

Em 2013, Renata se tornou a primeira mulher a assumir a presidência da ACI-e de Encantado

Como se deu o desenvolvimento inicial da Ciamed?

Renata – Comecei a buscar contato de outros representantes de laboratórios e a convidá-los para me visitar. Coletava as informações necessárias e quando chegava ao final do dia eu fazia os comparativos entre os laboratórios e de cada produto com os preços. Como trabalhávamos com licitação pública, compreendi que precisava ter preço. Chegou num período em que começamos a crescer e a necessidade de expandir nos fez procurar outras empresas fornecedoras. Como a cidade que concentrava os laboratórios era Anápolis, em Goiás, comprei uma passagem de avião e fui para lá.

De que forma essa viagem contribuiu para o negócio?

Renata – Olhando para trás, penso muito nisso, pois saí do interior do RS, cheguei em Anápolis, e bati de porta em porta nos laboratórios para dizer: oi, sou a Renata, da Ciamed, e preciso uma oportunidade. Eles me perguntavam se queria comprar, eu dizia que não. Queria uma oportunidade, pois não tinha dinheiro para comprar. Numa indústria gigante como essa, admiro e respeito até hoje as pessoas que me deram essa oportunidade. Não sei se ficaram com pena, mas criei amigos que estão comigo até hoje porque me deram essa oportunidade e eu correspondi. Voltei com mais contatos , contratamos mais algumas pessoas e fomos crescendo.

Com foram as mudanças de estrutura até chegar à atual sede da empresa?

Renata – Migramos para outro prédio em frente à Dália. Crescemos ainda mais firmando novas parcerias com laboratórios e nos especializando na análise das licitações. Mas a Dália precisou do prédio para expandir e nós negociamos a transferência para a sede atual. Tivemos apoio da administração municipal, que nos ajudou na compra da atual sede.

É muito diferente negociar com os grandes fabricantes internacionais de medicamentos?

Renata – Todo mundo procura o oceano azul de cada negócio, mesmo que seja para descobrir que não é assim tão azul. Trabalhar com multinacional é muito diferente, porque elas têm um padrão internacional, mais elevado, e você precisa melhorar todos os seus processos. Enquanto no Brasil se falava de lei anticorrupção e ética, a empresa já era submetida à complience. Para desencadear isso, fizemos processos internos de gestão e aprimoramento de processos extensos. Tudo para que você possa bater na porta de uma empresa e representá-la. Foi muito tempo de qualificação e gestão interna. Hoje, com a internet, você chega a qualquer lugar do mundo, basta querer e se preparar. Abrimos então uma filial em São Paulo para expandir os negócios. Aprendemos muito. Isso nos disciplinou porque é tudo muito organizado e regrado.

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Qual foi seu maior desafio enquanto gestora com o crescimento da Ciamed?

Renata – Aprender a delegar. Chegou um momento em que já não conseguia mais fazer as coisas sozinha. Sempre fui muito centralizadora e para crescer eu precisava de uma equipe. Para ter uma equipe, precisava delegar funções. A primeira impressão é que estamos perdendo poder. Então tive que me reinventar em uma outra função na empresa que não era propriamente de executora. Ser gestora é um grande desafio e muitas pessoas não conseguem. Tive o desafio de me controlar, e essa fase do polimento foi a mais difícil. Com o tempo, percebi que tinha que multiplicar conhecimentos, delegar, ensinar e aprender com as pessoas e com meus colegas de trabalho.

Qual a relevância do conhecimento em um negócio complexo como o da Ciamed?

Renata – A busca de conhecimento precisa ser constante. Não dá para parar. Quando começamos a contratar pessoas, eu já havia feito faculdade e alguns cursos. Meu pessoal estudava e frequentava curso superior, escutava eles falando sobre a universidade. Percebi que deveria voltar a estudar, senão ficaria para trás e não conseguiria liderar pelo exemplo essas pessoas. Neste mundo onde as coisas e a própria linguagem mudam rapidamente, preciso estar conectada. Fiz MBA em Gestão Comercial e Negociação na FGV. Foi como ligar em uma tomada de 400 volts. Comecei a voltar para a empresa com ideias novas. A cada 15 dias, me abastecia de conhecimento e trazia para cá, fazia um networking e trocava opiniões. E não pretendo parar. Sempre me esforcei estudando bastante para ir bem nas avaliações finais, pois como líder não podia tirar notas baixas quando meus colegas eram alunos exemplares. Não podia decepcioná-los, pois sempre procurei ser exemplo.

Renata também presidiu a Suinofest 2017, realizada em junho

Renata também presidiu a Suinofest 2017, realizada em junho

Como é ser uma mulher em um meio predominantemente masculino?

Renata – Por mais que se diga que não, a gente chega numa mesa de negociação um degrau abaixo, porque a grande maioria é de homens. Hoje há mais facilidade de negociar, mas existe uma certa dificuldade de negociação entre homem e mulher. É um obstáculo natural, mas você precisa quebrá-lo. Quando você senta em uma mesa de negociação, está frente a frente com pessoas treinadas para negociar, e precisa estar preparada para enfrentar as dificuldades e obstáculos que poderão surgir. Do seu desempenho, depende o sucesso da empresa.

Como foi a sua infância em Vespasiano Corrêa e de que forma ela influenciou no seu futuro?

Renata – Minha família sempre foi muito humilde. Meu pai e minha mãe, quando foram para Vespasiano Corrêa, eram agregados de uma terra. Depois, compraram o local, onde moram até hoje. Sempre foram muito simples, mas muito caprichosos e trabalhadores. Tenho muito orgulho dos meus pais pois eles me ensinaram o que tenho até hoje de mais valioso, valores. Somos uma família pequena, eu e mais dois irmãos, que também são muito importantes para mim. Não passamos fome, mas era tudo muito regulado. Minha infância foi marcada por muito sofrimento e ao mesmo tempo muito aprendizado. Estudei no colégio estadual de Vespasiano Corrêa até o Ensino Fundamental. Após, meus pais, com muito sacrifício, me matricularam no colégio Scalabrini de Guaporé, onde me formei no Magistério.

Você chegou a atuar como professora?

Renata – Não, quando estava fazendo estágio, junto com uma amiga, decidi ir para Porto Alegre, pois tinha o sonho de fazer faculdade. Ela me deu carona e fomos para lá. Não tinha emprego nem nada, fomos na aventura. Fiquei um tempo na casa da tia dela. Um dia, fui numa imobiliária para procurar apartamento. A atendente perguntou como eu pagaria o aluguel são não tinha emprego e me deu o cartão de uma empresa que estava procurando uma secretária. Fui lá, preenchi uma ficha de emprego e fui fazer um teste de datilografia. Eu não consegui terminar o teste, fui embora, estava muito nervosa. O dono da empresa foi atrás de mim e disse para voltar no outro dia. No dia seguinte, fiz o teste de novo, sozinha, e fui contratada. Foi meu único emprego de carteira assinada e lá cresci até chegar à gerente de escritório, de onde me demiti para abrir a primeira ótica com o meu marido.

Foi difícil a vida na capital?

Renata – Sim. Em Porto Alegre, várias vezes, passei por dificuldades, mas enfrentei todas elas com garra e coragem pois tinha um sonho, que era me formar e abrir meu próprio negócio. Importante salientar que durante esse trajeto encontrei pessoas de bom coração que estavam sempre dispostas a me ajudar, inclusive nos momentos em que não tinha o que comer.

Como conheceu seu marido?

Renata – Trabalhava em uma empresa que tinha conta no banco em frente ao escritório, e o Tomé trabalhava nesse banco. Ali nos conhecemos e começamos a namorar. Ele foi e é uma pessoa muito importante para mim. Anos depois, casamos, eu engravidei de gêmeos e tivemos outra situação difícil.

O que aconteceu?

Renata – Fiquei internada no hospital da PUC por vários meses e com sete meses de gestação nasceram as meninas. Tive parto normal, mas uma delas morreu. Esse momento foi a maior dor da minha vida, quando me deparei com o seguinte pensamento “que eu poderia ser a pessoa mais poderosa do mundo e ter muito dinheiro, nada traria minha filha de volta”, e entendi o verdadeiro valor da vida. Foi a maior dor que eu senti e o mais duro aprendizado. Toda essas coisas que passei me ensinaram a não deixar a vida passar por mim, mas sim que eu possa passar por ela deixando um legado

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