Más condições de trabalho, baixa remuneração e desrespeito dentro e fora das salas afastam cada vez mais estudantes dos cursos de formação de professores. Maior centro de ensino superior do Vale do Taquari, a Univates registra redução de 50% na busca por graduações na área da licenciatura.
A baixa ocorreu nos últimos cinco anos, de 2012 a 2017, e afeta da Educação Física até Biologia, História, Letras e Pedagogia. Hoje, de um montante de 10,8 mil estudantes, apenas 502 frequentam os cursos de licenciatura na universidade, 4,64% do total.
Raquel Zambiasi, 21, cursa História. Estagiária na rede municipal de Lajeado, ela vê o desânimo no rosto dos colegas e afirma já ter repensado a profissão. “Eu continuo por gostar muito do que faço. Não sei se conseguiria exercer outra profissão. Mas vejo muitos estudantes chateados, sobretudo os que trabalham na rede estadual”, comenta.

Cursos voltados à formação de professores ganharam incentivos do governo federal nos últimos anos. Mesmo assim, procura continua em queda
Além da questão salarial, a falta de valorização do professor é uma das principais causas da desmotivação. “Os pais acreditam que o professor precisa fazer tudo, dar toda a educação, mas esse é um trabalho conjunto”, ressalta.
Natural de Taquari, Pâmela Vicari, 24, finaliza o curso de Letras. Ela é uma das últimas estudantes preparadas pela universidade para dar aulas de Espanhol. A especialização foi encerrada, no ano passado, devido à falta de alunos. Desde 2013, ninguém se interessou mais pelo estudo da língua.
“Eu e minhas colegas estamos fazendo cadeiras em regime especial, pois já não constam mais no currículo.” Para ela, a situação é desoladora. “Em outros períodos, quem era professor tinha grande prestígio, pelo saber, pelo conhecimento. Agora, muitos acabam mudando de área por não ver futuro na profissão.”
Desvalorização afeta vidas
Professora faz dez anos, Débora Martins Costa desistiu de dar aulas na rede estadual. Os parcelamentos de salários e a falta de reajustes desmotivaram. Hoje, ela dá aulas nas séries iniciais da rede municipal de Teutônia, mas antes também era professora de Inglês.
“Eu sempre quis ser professora. Nem me imaginava fazendo outra coisa. Estudei Letras, mas acabei me apaixonando pela alfabetização. Trabalhei oito anos no Estado e o meu sentimento foi de impotência. Por isso, comecei a procurar outra atividade.”
A educação precisa ser tratada diferente no país, acredita. “Basta compararmos os índices do Brasil com países que investem em educação para termos ideia do quanto estamos perdidos.” Para ela, isso não está ligado somente aos salários baixos, mas à situação de abandono das escolas, da ausência de uma filosofia, de objetivos. “Falta sentido para os professores irem trabalhar todos os dias.”
Procura pelo magistério
Esforços contínuos sem retorno
Professor faz 20 anos, o vice-reitor e pró-reitor de Ensino da Univates, Carlos Cândido da Silva Cyrne, afirma que é notório o desencanto com o exercício do magistério. Os jovens não querem ser professores, e buscam outras alternativas, não só aqui, mas em todo o país. “Já presenciamos grandes universidades do Brasil classificando o ofício do magistério como “bico”. Assim não há como querer que os jovens se motivem a escolher a docência como carreira.”
Na Univates, o fato se repete e, mesmo com esforços, o retorno é quase nulo. Ele acredita na necessidade de uma mudança. “O Brasil precisa repensar o papel do professor. Ter verdadeiramente a educação como prioridade, caso contrário, o futuro será ainda mais nebuloso.”
A precariedade na estrutura, para Cyrne, não é problema no Vale do Taquari em relação ao restante do Brasil. Se percebe a dedicação das direções, e o suporte das redes municipais e estadual para a melhoria contínua dos espaços educacionais. “Temos escolas públicas que em nada ficam devendo para as particulares, porém, essa não é a realidade nacional.”
Trabalho no magistério
A preparação inicial para a graduação nos cursos de licenciatura é o Curso Normal, antigo magistério. Hoje, quatro escolas estaduais da região fornecem a modalidade. Duas tiveram aumento no número de inscritos. Enquanto nas outras duas houve manutenção e baixa.
No Instituto Estadual Estrela da Manhã (IEEM), de Estrela, o número de novos estudantes do curso passou de 85, em 2014, para 61, em 2017. Segundo a diretora da escola, Ângela Bitencourt Zimmermann, haveria ainda outros 38 no primeiro ano, que terminaram o Ensino Médio e retornaram por quatro semestres para fazer o Curso Normal. Dado que demonstraria alta no geral.
Índice, para ela, resultante da qualidade do ensino na instituição, mas ainda incapaz de suprir as necessidades de profissionais na cidade. Com 28 anos de carreira, Ângela acredita na motivação própria e da comunidade escolar para contornar a situação.
Para a coordenadora do Curso Normal do Instituto Estadual de Educação Pereira Coruja, de Taquari, Mara Oliveira, a melhora depende de um trabalho eficaz e conjunto. A fim de atrair mais alunos para o curso, a escola concentrou esforços no ano passado. Chamou todos os estudantes do 9o ano das escolas municipais para mostrar os benefícios do magistério.
De 11 alunos no primeiro ano em 2016, a Pereira Coruja passou a 26 em 2017. “Começamos a expor mais o curso, as facilidades para entrar no mercado de trabalho e isso ajudou muito.” Neste ano, a escola pretende continuar o movimento, a fim de manter a regularidade no número de alunos.
Entrevista
“Temos de resgatar o respeito pela carreira”
A Hora – Você citou o desrespeito, as más condições de estrutura e a má remuneração como causas desse desencanto. O que levou a educação a chegar nessa situação?
Cyrne – Essas causas são as mais apontadas por especialistas da educação e mesmo pelos professores quando inquiridos sobre os motivos para o desencantamento pela profissão. Os alunos parecem desinteressados e incapazes de perceber a importância da educação formal, agindo de uma forma descompromissada. De outro lado, os professores, em virtude da falta de estrutura, precisam ser criativos para dar conta de ofertar um ensino que permita aprendizagem pelos alunos, porém, há falta de apoio da sociedade. Há uma responsabilização da escola por situações que não são de sua competência. Há necessidade de maior presença dos pais na educação dos filhos.
Qual sua visão sobre as metodologias de ensino?
Cyrne – É preciso avançar. Os jovens de hoje não são melhores ou piores em relação aos de ontem, mas sim diferentes. É preciso “dar motivos” para que se envolvam no processo de aprendizagem fazendo-se atores e autores e não tendo no professor o principal ator em sala de aula. Quanto à atração de mais jovens para a carreira docente, é preciso pensar de forma mais sistêmica, não há como afirmar que a mudança das formas de ensinar e aprender sejam capazes de dar conta dessa situação.
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De que forma você acredita que a própria cidade ou universidade possam trabalhar para atraí-los?
Cyrne – Essa não é uma ação que possa ser pensada de modo isolado, temos de ter uma política nacional de valorização do professorado, caso contrário, todas as inciativas isoladas tendem ao fracasso. É preciso que o Brasil acorde para a possibilidade de um “apagão” de professores e tenhamos que recorrer a profissionais de outras área para ocupar as salas de aula de nossas escolas.
Carolina Chaves da Silva: carolina@jornalahora.inf.br