Debate reforça desafio de unificar ideias no Plano Diretor

Lajeado - FUTURO DE LAJEADO

Debate reforça desafio de unificar ideias no Plano Diretor

Nove representantes de diferentes instituições apresentaram ideias divergentes quanto ao projeto que pensa Lajeado para os próximos 20 anos. Debate serviu como uma mostra da dificuldade que a comissão organizadora terá para atender os mais diversos interesses no documento que será apresentado em dezembro

Debate reforça desafio de unificar ideias no Plano Diretor
Lajeado

Mobilizados pelo A Hora, especialistas de diferentes áreas utilizaram o espaço da Construmóbil 2017, nessa quinta-feira à noite, para discutir o Plano Diretor Lajeado 2040. Realizado dentro do projeto Cidades em Pauta, o debate reuniu desde representantes da área ambiental, da arquitetura e urbanismo até integrantes do poder público.

Em mais de duas horas, eles tiveram uma intensa troca de ideais, com apresentação de sugestões e críticas ao projeto, desenvolvido desde março pela administração e Univates. Os desafios de integrar no documento opiniões divergentes, de uma população de 80 mil habitantes, representada no momento por oito pessoas, foi o que sobressaltou aos olhos do público que acompanhou a discussão. Diretor-geral do A Hora, Adair Weiss, foi o responsável por mediar o debate, dividido em três blocos e dez temas.

[bloco 1]

Qualidade de vida

Cinco assuntos nortearam as discussões sobre a qualidade de vida da população. Entre eles, o saneamento básico, considerado o mais necessário e de difícil realização. Hoje apenas 1% da população tem tratamento de esgoto na cidade, o que dificulta o desenvolvimento e propicia a proliferação de doenças.

Questionado acerca do assunto, o prefeito Marcelo Caumo afirma que ações já estão sendo feitas para melhorar a situação. Um bom início foi o regramento dos espaços desocupados, previsto na lei de loteamentos de 2015. “Nela está definido que o tratamento de esgoto passa a ser responsabilidade do loteador, o que já nos garante um avanço para quem fez o projeto depois dessa data.”

A ideia é que isso seja ampliado aos loteadores que deram início aos projetos na prefeitura antes da aprovação da lei. “Cerca de 80 protocolos foram abertos apenas para garantir o número, e não ser necessária a adesão à nova lei. Agora queremos mudar, para que eles também se adaptem e forneçam o tratamento de esgoto. Seria um passivo muito grande deixar de começar a exigir o tratamento nesse momento em que o tema é tão invocado.”

[bloco 2]

Sobre a atuação da Corsan, Caumo comentou que as primeiras Parcerias Público-Privadas (PPPs) vão iniciar pela estatal, e serão outro meio para avançar no saneamento da cidade. “Nós não víamos alternativa para iniciar o tratamento de esgoto com a sistemática que havia, porque ou a Corsan não tem recurso, ou não tem vontade.”

Agora, com essa parceria, ele acredita que abra nova oportunidade para implantação do saneamento em áreas consolidadas. A ideia é atender até 4% da população por meio dessa opção. De acordo com o secretário do Meio Ambiente, Luiz Benoit, uma comissão será formada para tratar do assunto.

Representante da câmara de vereadores no debate, junto a Ildo Salvi, o vereador Sérgio Kniphoff apenas solicitou que antes de encaminhar ao Legislativo o governo negocie com os loteadores, a fim de evitar brigas judiciais, e propiciar que a determinação seja cumprida. Diferentes problemas fizeram com o que o Plano Diretor não fosse aprovado há cerca de 20 anos.

Descentralização da cidade

Assim como nas reuniões comunitárias, um tema que urgiu no debate foi a mobilidade urbana. Secretário de Planejamento, Rafael Zanatta afirmou que a ideia da administração é fazer uma cidade para carros e pedestres. Colocar os dois em harmonia, o que não ocorre hoje. Para ele, isso parte de conscientização das pessoas para melhor utilização das vias urbanas.

Hoje, a organização urbana obriga os moradores da cidade a extensos deslocamentos das áreas periféricas para o centro. Para isso, precisam utilizar o transporte público, veículos ou bicicletas. Um saída viável, para evitar esses problemas, seria a descentralização da cidade, ao invés de aumentos ininterruptos das ruas e rodovias. “Os bairros precisam começar a criar essa independência, não só de serviços, mas de empregos”, ressaltou. Um exemplo para ele é o bairro Conventos, onde muitas pessoas já não precisam mais trabalhar em outros locais.

[bloco 3]

Adepto da bicicleta, Salvi relatou que ao chegar à Construmóbil foi questionado se não havia conseguido tirar a carteira de habilitação, e por isso andava com a magrela. “Me sou como uma piada. Mas só se Lajeado está indo na contramão, porque todas as cidades que evoluíram lutaram para dificultar o acesso de carros no centro. O que não acontece hoje aqui”, apontou.

Transporte repensado

Uma das medidas para aprimorar o transporte público seria a colocação de mais linhas de ônibus. Porém, hoje há locais em Lajeado onde há dois habitantes por hectare, enquanto o mínimo possível seria cem. “Tudo converge para o mesmo caminho. Precisamos pensar como crescer sem gargalos, sem os terrenos ficarem tão distantes. Isso encarece o serviço público e dificulta o atendimento”, comentou o secretário.

Representante da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Vale do Alto Taquari (Seavat), a arquiteta Maria Otília Müller afirmou que já foi entregue ao município um projeto para implantação de perimetrais, e linhas radiais, onde ônibus venham até um ponto central, e façam a ligação com outros locais da cidade.

O modelo chegou a ser anunciado na gestão passada, mas não foi colocado em prática. “Ainda propusemos a setorização da cidade em quatro regiões, com núcleos comerciais e até subprefeituras, o que pode ser analisado e auxiliar nessa questão da mobilidade.”

Espaços públicos do público

A inutilização de espaços públicos foi outro assunto abordado. Em convergência com o tema da mobilidade urbana, o prefeito afirmou que algumas pessoas teriam afirmado que o Parque Histórico não teria mais visitas por não permitir o acesso de carros. Provocado, o professor Alexandre Pereira Santos apontou que a implantação de linhas de transporte para esses locais seria um facilitador.

Salvi acredita que essa ocupação dos espaços públicos vai além. Precisa da participação da população no momento de criação para que seja validado. A população precisa ter o pertencimento do local. “Acredito que nesses pontos subutilizados as pessoas ainda não aderiram para si. Elas não foram consultadas sobre isso.”

[bloco 4]

Para a representante da comissão organizadora da Construmóbil, a bióloga Diana Blum Kunzel, a comunidade quer espaços de convivência, mas somente irá utilizá-los se houver segurança. O que já teria deixado de ocorrer na ciclovia e no Parque do Engenho. A arborização dessas áreas também auxiliaria a provocar a presença da população. “Além dos grandes parques, as pessoas precisam de pequenas áreas verdes para respirar, para que tenham uma sensação de bem-estar. O direito à paisagem é muito importante.”

A bióloga acredita que essa seja uma das maiores carências da cidade. “Não temos como pensar numa rua onde há muitas árvores. Imagina caminhar na Júlio no meio-dia do verão. É algo sufocante.” A representante da Seavat, Maria Otília, apontou a necessidade de criação de parâmetros de índices verdes para cada lote, a fim de que cada construção tenha um espaço livre, que possa dar um respiro à cidade.

Regramento que para o representante do Sinduscom, construtor José Zagonel, seria possível caso houvesse a possibilidade de construir mais andares nos prédios. “Se deixa um espaço livre em baixo e se constrói para cima. Por que não?”

Qualificação dos espaços urbanos

Representante da Univates na elaboração do Plano Diretor, o arquiteto Alexandre Pereira Santos considera que qualificar a ocupação urbana em áreas centrais também seja uma alternativa para melhorar a mobilidade urbana.

Citou como exemplo o caso do projeto de qualificação das calçadas feito por Janette Sadik-Khan, em Nova York. Secretária de Transportes da cidade, ela decidiu fechar várias praças aos carros, entre elas, a Times Square, transformado-a num grande calçadão. Ela ainda reduziu o número de pistas da Broadway pela metade, dobrando as calçadas dos dois lados. O que garantiu 60% de aumento no faturamento do comércio local.

“Quem não quer um resultado como esse? Que promoção garante isso”, apontou. Ele ainda citou o estudo feito pelo Transport for London, que qualificou o uso do espaço urbano e garantiu o aumento do valor dos terrenos. “É um desenvolvimento com qualidade. Não é um ataque ao que já temos, mas uma coordenação do crescimento, que deve focar no todo da cidade, não só em uma parte dela.”

Ligação com outras cidades

Qualificar o transporte e as vias urbanas, para os debatedores, também é a maneira de integrar Lajeado com as demais cidades. Para Salvi, não é mais possível pensar o deslocamento entre Lajeado e Estrela pela BR-386 ou a Cruzeiro do Sul pela ERS-130, novos meios, que vão além da bicicleta, carro ou ônibus, são necessários.

[bloco 5]

Segundo o secretário Zanatta, há projeção para um estudo de construção da antiga ponte entre Lajeado e Estrela. Ele acredita que um trem não seja viável. “Se hoje uma linha de ônibus não é economicamente atrativa para o investidor, imagina colocar trem. Mas é perigoso pensar as pessoas de moto saindo de sua casa em Estrela para trabalhar em Lajeado. Precisamos avaliar isso.”

Liberdade prejudicial

Santos acredita que acima de tudo é preciso regramento para definir de que forma ocorrerá a organização da cidade. Para ele, é preciso dar segurança jurídica a quem investe. Para os debatedores, a lei é moldável aos interesses pessoais, o que tem se concretizado ao longo dos anos tanto por meio do Executivo quanto do Legislativo.

“Hoje há um prédio, depois uma casa, e assim por diante. É uma situação delicada. Nós temos exemplos questionáveis na cidade. Construo e não tenho garantias. Isso prejudica tanto o outro quanto a cidade inteira, pois cada um faz o que quer. Há muita liberdade nas leis que regram as construções na cidade hoje.”

Kniphoff comentou o assunto, e afirma que a situação é complicada e merece cuidado. “No modelo atual, qualquer vereador pode chegar e mudar o índice de construção dessa quadra para cá, e valorizar aquele terreno.”

Afirma que, por várias vezes, foi proposto que qualquer mudança no Plano Diretor passasse pelo Conselho de Desenvolvimento, o que até hoje não foi possível. “Talvez esse plano de agora precise coibir essa facilidade de mudança, pois o antigo acabou ficando todo retalhado ao passar do tempo.”

Maria ressalta: “Precisamos proteger essa lei, porque o Plano Diretor precisa ser atualizado, corrigido, e complementado, mas há de se cuidar que algumas dessas colocações podem alterar o rumo.”

Carolina Chaves da Silva: carolina@jornalahora.inf.br

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