A partir de agora, médicos-veterinários da iniciativa privada poderão ser contratados para realizar a inspeção em empresas que estão sob fiscalização estadual — no total, são 238. Para valer na prática, no entanto, a alteração ainda precisa ser regulamentada. Além disso, há providências a serem tomadas.
O edital de credenciamento das empresas prestadoras de serviços deve ser publicado, veterinários precisam ser habilitados e treinados. A projeção da Secretaria da Agricultura é de que a implementação do novo modelo possa ser feita só no início de 2018.
Conforme o secretário da Agricultura, Pecuária e Irrigação, Ernani Polo, a inspeção – ou seja, o acompanhamento permanente da produção – poderá a ser realizado por médicos-veterinários habilitados, contratados por empresas credenciadas na secretaria para prestar esse serviço, criando um modelo misto entre iniciativa privada e Estado.
Coordenação e fiscalização continuarão exclusivamente a cargo do serviço oficial, por meio dos fiscais agropecuários da secretaria, que também supervisionará os trabalhos de inspeção, seguindo sistemas já em vigor e outros estados ( PR, SC e ES) e países como Alemanha, França e EUA, entre outros modelos reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), composta por 168 países.
O déficit de veterinários chega a 160 – 60 apenas na inspeção. Mas, devido à limitação orçamentária e às restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, não há como ampliar o quadro. Segundo Polo, a falta de servidores impede a ampliação e abertura de cerca de 30 indústrias. “Deixamos de gerar 440 empregos e arrecadar R$ 19,5 milhões em ICMS”, aponta.
Flexibilização de horários
Para o gerente de um frigorífico instalado em Santa Clara do Sul, Jari Schorr, a nova legislação trará vantagens, como a flexibilização de horários em dias de abate. “Hoje o profissional do Estado fica apenas 8 horas por dia. Se estragar uma máquina, ele sai quando termina o expediente e nós ficamos sem conseguir abater todos os animais”, aponta.
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Segundo Schorr, com a contratação de um profissional particular, esse problema seria solucionado. Acredita que nos dois modelos de inspeção precisa prevalecer a ética, tanto do empresário como do responsável pela inspeção. “Sem qualidade, o cliente não compra. Aliás, em qualquer irregularidade descoberta, tanto a empresa como o profissional serão penalizados”, afirma.
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Riscos à saúde pública
De acordo com a presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro), Angela Antunes, a intenção de deixar a inspeção com a iniciativa privada trará dificuldades para cerca de 50 empresas que hoje não pagam pelo processo. “Esse projeto atende os interesses econômicos de um grupo específico. A quem interessa a terceirização da inspeção?” questiona. “Certamente não interessa ao consumidor”, completa, afirmando que as doenças transmitidas por alimentos são uma grave questão de saúde pública.
Para Rodrigo Lorenzoni, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do RS (CRMV-RS), mudanças estruturais dessa natureza, que envolvem diversos atores de diferentes setores, precisam de uma ampla análise e de ponderações que devem ser levadas em conta, sob pena de o resultado de uma votação apressada ser, ao invés do benefício público, a defesa de interesses particulares.
Lorenzoni diz que não é contrário à inovação em qualquer atividade. “Defendo a evolução constante de todos os serviços prestados. Porém, mudar todo o sistema de inspeção, sem discussão nenhuma, me parece temerário”, expõe.