Faz nove anos que a família Pflugseder, de São Bento, Lajeado, resolveu investir em uma agroindústria de embutidos de suínos. Conforme Milton, 46, por semana, são abatidos entre 15 e 20 animais e fabricados 13 tipos de produtos. O carro-chefe é a linguiça, cuja produção alcança mil quilos.
Segundo a mulher Janete, o negócio familiar enfrenta limitações devido à restrição geográfica. A maioria dos clientes precisa se deslocar até a propriedade para comprar. “Aqui o nosso produto tem qualidade. Quando atravessamos a divisa, é proibido revender. É uma piada. Seguimos todas as normas. É muito burocracia e pouca ação”, desabafa.
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Embora o município já tenha alguns empreendimentos credenciados no Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf), Pflugseder critica a legislação existente. “Deveríamos ter leis adequadas à nossa realidade. Nos cobram como se fôssemos uma empresa de grande porte. Investimos R$ 350 mil em adaptações e ainda não conseguimos nos enquadrar”, observa.
Hoje 90% da produção é vendida na feira do produtor. A abertura de novos mercados seria uma forma de quitar parte dos valores aplicados e incentivar o filho Alan, 18, a assumir a gerência no futuro. “Gosto de trabalhar aqui, mas está difícil. Ainda não tivemos lucro. Todo mês precisamos mudar alguma coisa. Se o produto não fosse de qualidade, nem teríamos clientes”, declara.
“Só temos qualidade dentro do município”
A família Salvadori, de Roca Sales, industrializa 60 mil quilos de carne suína por ano. Mais de 90% da produção é destinada para mercados da cidade, cuja população chega a apenas dez mil pessoas. Conforme o proprietário Edegar, o investimento em infraestrutura e máquinas ultrapassa R$ 400 mil. “Estamos limitados. Nosso produto só tem qualidade quando é vendido aqui. Se levar para fora, é clandestino e ninguém pode vender”, lamenta.
Além dele, outras quatro pessoas trabalham na agroindústria. Com a adesão ao Susaf, projeta triplicar as vendas em poucos meses. Em julho, o prefeito Amilton Fontana assinou o decreto que regulamenta o Serviço de Inspeção Sanitária. A normativa foi atualizada com base na legislação estadual e federal.
A fiscalização fica a cargo do Serviço de Inspeção Municipal (SIM). A cidade tem dois frigoríficos, uma agroindústria de embutidos e uma de aves. Um abatedouro de peixes está em processo de legalização.
Conforme a médica-veterinária do SIM, Camila Canepele, a intenção é adequar os estabelecimentos com a intenção de conseguir a adesão no Susaf. “Com o sistema, as empresas têm a possibilidade de comercializar produtos em outras cidades gaúchas. Outro benefício é o aumento do retorno de impostos”, enfatiza.
Está em andamento a triagem de todas as empresas para se ajustarem ao novo decreto, e estabelecimentos elaboram os manuais de boas práticas. Também são realizadas análises da água e dos produtos.
Passos lentos, mas com impacto positivo
Em vigor faz seis anos, com o objetivo de permitir a venda de produtos das agroindústrias fora dos municípios de origem, o Susaf ainda precisa ganhar fôlego.
De 2012 para cá, 21 municípios conseguiram a habilitação. São 34 agroindústrias beneficiadas. Das 497 cidades, 250 solicitaram a adesão. Conforme o deputado estadual Edegar Pretto (PT), autor da lei que implementou a ferramenta, apesar da baixa adesão, os impactos onde houve a inclusão no sistema são muito positivos. “Se por um lado o município precisa investir na contratação de técnicos, por outro, ele terá um aumento na sua arrecadação de impostos”, acredita.
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Segundo Pretto, para avançar, é preciso haver uma soma de esforços do Estado, dos Serviços de Inspeção Municipal e das agroindústrias. “Cada um precisa fazer sua parte”, orienta.
O prazo ideal para habilitar um município ao sistema seria de seis meses. No entanto, em muitos casos, o tempo de resposta é bem maior. Uma das causas é a falta de agilidade das prefeituras – 76 enviaram o ofício demonstrando interesse, mas não deram continuidade ao processo.
No percurso entre o pedido encaminhado e a emissão do certificado, estão dificuldades como convencer prefeitos de que é necessário investir em um SIM eficiente. Há ainda falta de equipe técnica da Secretaria da Agricultura com dedicação exclusiva para as auditorias.
Conforme o chefe da Divisão de Inspeção da Seapi, Vilar Gewehr, hoje 14 auditores atuam nos processos do Susaf, mas têm de se dividir com outras tarefas. Muitos deles fazem inspeção, por exemplo. “Se houvesse dez auditores exclusivos, conseguiríamos fazer o processo todo sem problemas”, estima.
A Seapi promete assinar um termo de cooperação técnica com a Emater para disponibilizar cerca de 70 técnicos para orientação e organização dos serviços municipais de inspeção nos próximos meses.
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Um dos pontos positivos é o aumento no número de auditorias realizadas. Em 2013, foram apenas duas. Em 2014, subiram para 20 e, em 2015, para 47. No ano passado, caíram para 40, número igual ao registrado nos primeiros seis meses deste ano. A meta para 2017 é chegar a 80.
“É mais fácil acertar na Mega-Sena”
Proprietário de uma agrosalsicharia em Estrela, André Hammes lamenta a falta de agilidade das autoridades em resolver os impasses burocráticos. “É mais fácil acertar na Mega-Sena. Ter o certificado possibilitaria ampliar em 50% as vendas de forma imediata”, calcula.
Os mais de quatro mil quilos de carne processados por mês são vendidos para 60 mercados da cidade. Hammes lamenta o fato de não poder comercializar para outros municípios, como Lajeado, onde o potencial de consumo é maior. “Tenho clientes que vêm até aqui. Temos tudo legalizado e primamos pela sanidade. Falta o atestado para comprovar a qualidade”, diz.
Recentemente a família aplicou R$ 250 mil em infraestrutura. O espaço físico foi triplicado de acordo com as normas vigentes. A meta é processar 12 mil quilos por mês, mas, para isso, é necessário abrir novos mercados.
Sobrevivência no mercado
A Granja Ovo Urbano, instalada em Salvador do Sul, primeiro município a conseguir o certificado, encontrou na nova legislação uma porta para abandonar a clandestinidade. “Temos ainda que fazer adequações na produção, mas podemos vender com tranquilidade em todo o estado. Para nós, pequenos, o Susaf representa a possibilidade de sobrevivência no mercado”, enfatiza o proprietário Volnei Rauber.
No Frigorífico Specht, a adesão ao sistema permitiu triplicar a produção. Segundo o proprietário, André Mallmann, as orientações dos fiscais ajudaram a ampliar a produção sem aumentar o número de funcionários. “Em uma pré-auditoria, o fiscal nos orientou a mudar a linha de abate. Confesso que me assustei, mas, um ano depois fui, pessoalmente, agradecer, pois a alteração nos ajudou muito”, disse.
Conforme dados do IBGE, existem no RS quase oito mil agroindústrias familiares que, movimentam cerca de R$ 10 milhões por ano.
Mais empregos e novos clientes
A Seival Carnes, de Taquari, passou a vender os produtos para todo estado após receber o selo do Susaf. Entre as principais mudanças, Ana Clara Oliveira dos Santos cita a geração de mais empregos e do número de abates por mês, que saltou para 500 animais. “De sete funcionários passamos para 25. Após sermos aprovados na auditoria, conseguimos atender a demanda de uma grande rede de supermercados”, comenta.
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Outra alteração foi a ampliação da infraestrutura. Foi construída uma sala de desossa e adquirida mais uma câmera fria. O valor aplicado chega a R$ 1,2 milhão. É a partir do selo que o frigorífico espera expandir a área de atuação e elevar as vendas. “A principal vantagem é comercializar para todo o estado e assim multiplicar o faturamento”, coloca.
“O sistema atesta qualidade e dá segurança ao consumidor”
Na área de abrangência da Emater Regional de Lajeado, sete conseguiram o selo e outras três solicitaram a inclusão. O assistente técnico regional da área de Organização Econômica da Emater/RS-Ascar, Alano Tonin, fala dos desafios e benefícios do sistema.
O que trava a adesão ao programa?
Alano Tonin – São vários os motivos: falta de médico-veterinário contratado ou concursado e de regulamentação do Sistema de Inspeção Municipal (SIM). Em algumas cidades, ele só existe na lei e não funciona na prática. As agroindústrias estão registradas, mas não atendem as normas técnicas estabelecidas. Observamos um certo rigor dos auditores, que fazem exigências que se equivalem ao Cispoa. O que eles querem dizer com “equivalência dos serviços” se na prática cobram as mesmas coisas, independente do tamanho das agroindústrias. Um exemplo é a frequência das análises de produtos.
Quais os benefícios proporcionados?
Tonin – Ampliação do mercado de imediato. Passa a vender em todo o estado. Isso traz vantagens tanto aos proprietários como ao poder público, pois gerará mais retorno. Tendo um serviço eficiente, bem organizado, o consumidor é o maior ganhador, por ter garantia de que aquilo que compra é de alta qualidade.
Quem pode ser aderir ao sistema?
Tonin – Além das agroindústrias, toda e qualquer empresa que processa produtos de origem animal com registro no SIM. Até mesmo supermercados que produzem os próprios embutidos. Em nossa área de abrangência, pelo menos 50 empreendimentos seriam beneficiados.
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Considerações finais
Tonin – O Susaf é uma excelente alternativa. Busca padronizar os serviços de inspeção e garantir que sejam realizados com qualidade e aumente a segurança do consumidor, além de proporcionar ampliação de mercado a produtores e empresários. O que nos preocupa é o rigor. Cobram as adequações como se todas fossem empresa de grande porte, quando na verdade são menores, com até 250 metros quadrados e registram baixa produtividade. Se não houver uma diferenciação, muitas serão inviabilizadas financeiramente. Precisamos urgente de alterações tanto na legislação sanitária como na ambiental, para que essa diferenciação ocorra, sob pena de termos redução dessas pequenas empresas familiares e a concentração de mercado nas mãos de poucas e grandes empresas.