“O campo cria o futuro” é o tema da Expointer 2017, que inicia neste sábado e se estende até o dia 3 de setembro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. A atenção está voltada para garantir um cenário mais promissor aos produtores de leite, uma das principais atividades da agricultura familiar e que enfrenta uma das piores crises da história.
A atividade leiteira impacta 192 mil produtores no RS – 94% dos municípios gaúchos e foi responsável por 9% do PIB estadual em 2014. Com importações desmesuradas de leite em pó do Uruguai, o preço pago ao produtor despencou de R$ 1,80 para R$ 0,80 em um ano. Além disso, os grandes grupos assediam os produtores das cooperativas.
No dia 29, às 15h, na Casa da Assembleia Legislativa, ocorre audiência para buscar alternativas que amenizem os problemas enfrentados. Conforme o deputado Zé Nunes (PT), um dos proponentes do debate, nos últimos três anos, as empresas gaúchas importaram quase 90 mil toneladas de leite em pó.
Para Nunes, o fenômeno foi favorecido pela edição de dois decretos estaduais. O primeiro deles (53.059) reduziu a alíquota do ICMS sobre importações de 18% para 12%. O seguinte (53.184), para 4% para as empresas sediadas no RS e que transferem leite em pó para a industrialização em outros estados e que tem vigência até 31 de agosto deste ano.
Calcula-se que desde o ano passado 65 mil toneladas do produto tenham chegado ao estado ao preço de R$ 1,28 em função da desoneração. Os produtores locais acusam a concorrência desleal, se a alíquota permanecesse em 18%, o custo seria de R$ 1,51 o litro. “Para fazer frente ao leite do Uruguai, o produtor gaúcho iria comercializar a R$ 0,80 o litro”, explica.
A falta de apoio governamental e a concorrência imposta pelas importações afastaram pelo menos dez mil famílias da atividade nos últimos anos. Segundo dados da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), a importação de leite em pó uruguaio pelo Brasil aumentou de 19 mil para 99 mil toneladas de 2015 a 2016.
O RS é o maior comprador, responsável pela importação de 50 mil toneladas em 2016 – 331% a mais do que em 2014. O maior volume foi adquirido pela Conaprole, cooperativa uruguaia de produtores que mantém um depósito no município de Ivoti, seguida pela Nestlé e pela Lactalis.
Situação gravíssima
Segundo o diretor da Fetag-RS, Pedro Signori, os produtores de leite estão desesperados com a queda do preço, que chega a R$ 0,20 por litro nos últimos meses. “A situação é gravíssima, o produtor investiu em qualidade, se estruturou e agora está frustrado. Muitos estão abatendo os animais e iniciam outra atividade”, aponta. Já o presidente do Sindilat, Alexandre Guerra, não vê perspectiva de melhora sem uma medida forte, de compra pública de estoques.
De acordo com o diretor de Relações com o Poder Público da CIC-VT, Ardêmio Heineck, o Vale do Taquari é a terceira bacia leiteira do estado, com 35% da capacidade estadual de processamento de leite. Segundo ele, “o cluster leite é o mais importante por sua capilaridade e impacto econômico/social”. Contudo, casuísmos e a busca de protagonismo por alguns colocam o setor em crises periódicas, cada vez mais nefastas. “Em 2012 nossa região levou ao estado um modelo de organização já testado, em 2013 a Assembleia o aprovou por unanimidade e em 2014 estruturou-se o IGL a exemplo do Ibravin. Quando se pensava que as medidas estruturais e conjunturais necessárias teriam início e seriam consolidadas, o Executivo estadual desfaz tudo. Definitivamente não se sabe mais por onde seguir.”, lamenta.
O subsecretário da Receita Estadual, Mario Luiz Wanderlich, entende que os decretos não interferem no cenário. “Nosso problema no país hoje é que as pessoas estão sem dinheiro para consumir, temos 14 milhões de desempregados.”
Diante do cenário, um dos principais pedidos é para que o governo federal faça compras institucionais – de cerca de 50 mil toneladas –, para ajudar a enxugar o mercado e equilibrar os preços.
Atrações diversas
Na Expointer, o visitante terá inúmeras opções de entretenimento. São mais de 400 eventos e atrações nos nove dias de feira. Entre eles, exposição de 151 raças de animais, exposição de máquinas, feira da agricultura familiar (pães, bolos e cucas, doces e schimiers, salames, queijos, conservas, licores e embutidos, entre outros produtos), exposição de artesanato e concurso Freio de Ouro.
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“Meus três filhos saíram por falta de perspectivas”
Henrique Pedro Hepp (foto), 70, de Forquetinha, deve encerrar a produção de leite em breve. Sem mão de obra e desmotivado pelas oscilações constantes do preço e a falta de incentivos, se emociona ao falar da ida dos três filhos para a cidade.
Um deles chegou a fazer um estágio na Suíça em uma propriedade leiteira, onde a produção diária alcançava cinco mil litros. “Sem auxílio e garantia de lucro, desanimou e buscou emprego na cidade”, comenta.
Em dez hectares, mantém um rebanho de dez animais e uma produção mensal de três mil litros. Em agosto de 2016, recebia R$ 1,60 por litro. No último mês, a cotação era de R$ 0,90. “Nossa renda caiu R$ 2,1 mil ao mês. Só continuamos porque temos a estrutura e nossa saúde ainda colabora, mas vou parar”, projeta.
Assim como a família Hepp, outros cerca de mil produtores deixaram a atividade por conta da falta de rentabilidade. Muitos migraram para a cidade e outros apostam em outros segmentos, como a criação de gado de corte, suínos ou aves.