Por dia, mais de 25 aviões sobrevoam a região

Vale do Taquari - TRÁFEGO AÉREO

Por dia, mais de 25 aviões sobrevoam a região

O número de voos que passam pelo espaço aéreo do Vale muda conforme as condições atmosféricas. Só nessa quinta, 31 aeronaves cruzaram o céu de Lajeado, com origens em cidades como Barcelona, Roma, Madrid, São Paulo e Buenos Aires

Por dia, mais de 25 aviões sobrevoam a região
Vale do Taquari

“Sempre fico pensando o que minha família e amigos estariam fazendo naquele momento. Se conseguem ver meu avião. E se conseguissem, que soubessem que estou pensando neles.” Co-piloto da Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A, o lajeadense, João Conrado Jost Wagner, 28 anos, já perdeu as contas de quantas vezes cruzou o céu do Vale do Taquari.

Com mais de quatro mil horas de voo, começou na lida muito cedo, no Aeroclube de Santa Cruz do Sul. Naquela época, também costumava sobrevoar a região durante os primeiros treinamentos com instrutores. A paixão pela aviação, entretanto, chegou bem antes. Mais precisamente aos 5 anos de idade.

Aviões sobrevoam o Vale a uma altura média de 34 mil pés, cerca de 10 mil metros. “Até uns 34 mil pés, dependendo do tamanho do avião, se enxerga bem.” Na foto, aeronave é vista sobre a Cosuel de Encantado

Aviões sobrevoam o Vale a uma altura média de 34 mil pés, cerca de 10 mil metros. “Até uns 34 mil pés, dependendo do tamanho do avião, se enxerga bem.” Na foto, aeronave é vista sobre a Cosuel de Encantado

“Foi na primeira vez que voei. Fomos em família visitar meu tio e primos em Florianópolis. Era um avião pequeno. E logo que embarquei, sabia o que queria. Desde então foi só avião: nas roupas, brinquedos, revistas, filmes, livros. É estranho porque ainda lembro daquele primeiro voo, as cortinas das janelas eram de pano”, conta ele.

Wagner teve apoio da família. A carreira exige altos investimentos. “Tive algumas ‘solicitações’ para entrar no ‘negócio’ da família, mas eu sempre fui muito firme na minha vontade de voar.” Os altos custos das aulas, a distância dos parentes e amigos e o conciliamento entre os estudos e as horas de voos foram as primeiras dificuldades. Muitas vezes, renunciou o lazer dos fins de semana para ir voar. “O mercado é competitivo.”

O lajeadense fez a seleção para entrar na companhia aérea por meio da faculdade de Ciências Aeronáuticas, que mantinha um convênio com a empresa. Mesmo assim, passou pela mesma seleção exigida de todos os candidatos interessados em ingressar em qualquer companhia. Antes de virar co-piloto, ainda trabalhou como atendente de pista de um táxi aéreo, sem função a bordo.

Lida acima de 10 mil metros

Hoje, Wagner só costuma voar acima dos 34 mil pés, ou pouco mais de 10 mil metros de altura para os leigos. Morando em Florianópolis, o gaúcho vem atuando com mais assiduidade nos novos voos entre Belo Horizonte, Minas Gerais, e a capital da Argentina, Buenos Aires. A última viagem realizada por ele foi na sexta-feira da semana passada. Por volta das 14h20min, passou sobre a casa dos pais.

No dia 28 de julho, Wagner fotografou a aeronave Embraer 195 sobrevoando Estrela e Lajeado. É possível visualizar as curvas do Rio Taquari

No dia 28 de julho, Wagner fotografou a aeronave Embraer 195 sobrevoando Estrela e Lajeado. É possível visualizar as curvas do Rio Taquari

Da cabine do jato Embraer 195, que levava 118 passageiros e mais cinco tripulantes, conseguiu fotografar o Taquari. Do solo, também é possível avistar – a olho nu – a aeronave da empresa Azul. “Até uns 34 mil pés, dependendo do tamanho, se enxerga bem”, confirma ele. Naquele mesmo momento, no painel do avião, aparece a frequência da Rádio Independente e o código do International Civil Aviation Organization (ICAO) para o Aeroporto Regional de Estrela: SSEE.

“Já passei inúmeras vezes pelo Vale. Principalmente quando era aluno e fazia o curso de piloto. Profissionalmente, também. Incontáveis vezes, não sei precisar o número” reforça o hoje co-piloto que mantém o sonho de virar comandante. “A promoção é dada pela empresa à medida que a mesma cresce e a sua carreira progride dentro dela”, revela.

Segundo Wagner, a paixão pela aviação atinge muitos aviadores formados, nascidos ou radicados na região. “Tem vários que são do Vale. Tem dois chefes da Azul. Tem um de Bom Retiro do Sul, que atua nas rotas internacionais da Latam, e um que é baiano, mas mora aí em Lajeado pois é casado com uma lajeadense”, revela.

31 aeronaves em quase 24 horas

O espaço aéreo do Vale do Taquari é movimentado. Integra, para os aviadores, o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta) da regional de Curitiba. Por aqui, os jatos que seguem no rumo de Montevidéu, por exemplo, passam “a pino” sobre Lajeado (90 graus), e os que seguem a Buenos Aires passam “no través”, ou seja, mais ou menos 70 graus a oeste. “Través é bem do lado. A pino é em cima mesmo”, resume Wagner.

A maioria das aeronaves sobrevoa a uma média de 34 mil pés. Os comerciais a jato de 28 mil a 41 mil. Já os turboélices voam de 12 mil a 20 mil pés de altura. Há também os jatos executivos particulares, que costumam voar entre 42 mil e 51 mil, explica Wagner.

Na quinta-feira, entre 3h e 23h50min, radares registraram 31 aeronaves de diversas empresas e com diferentes origens e destinos sobre Lajeado. As três primeiras eram da Aerolíneas Argentinas e passaram em um intervalo de 20 minutos. Partiram de Barcelona, Roma e Madrid, respectivamente. Todas em direção a Buenos Aires. “É o limite da aviação internacional no Brasil. Todos que saem pra Argentina e Chile passam por ali, vindo da Europa, principalmente.”

A partir das 6h daquele dia, começaram a cruzar o céu do Vale do Taquari os AirBus A340 e A330 da Iberia e o Boeing 787 da Air Europa. O caminho inverso também é corriqueiro. Por volta das 7h30min, por exemplo, passou um voo da Latam com origem em Rosário, na Argentina, e com destino a São Paulo.

O intenso tráfego persistiu durante toda a manhã, tarde e noite daquela quinta-feira. Empresas como a Gol, Austral, Turkish Airways, Qatar Airways, e a própria Azul realizaram percursos diversos sobre a região. Muitos partindo de cidades europeias. Mas a maioria com origem em aeroportos de São Paulo, e de Campinas, Salvador e Belo Horizonte. Quase todos tinham como destino o Aeroporto Ezeiza, na capital portenha.

Principais rotas aéreas sobre o Vale

Nessa quinta-feira, dia 3, das 3h às 23h50min, passaram 31 aviões sobre Lajeado

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Pioneirismo aéreo na região

Falar de aviação no Vale do Taquari é lembrar do ex-prefeito de Estrela, Adão Henrique Fett. Aviador apaixonado, foi o fundador do Aeroclube do Alto Taquari (ACAT), em julho de 1940. Fora influenciado pelo serviço militar prestado em Santa Maria, onde foi sargento na Aeronáutica e desenvolveu o gosto pela aviação civil, a mecânica e a comunicação via rádio.

Em Estrela, liderou movimento para fundar uma escola de formação de pilotos. Na época, a aviação civil, interiorizada no Rio Grande do Sul, contagiou líderes de Estrela e Lajeado. Fett tomou a iniciativa e, junto de 300 empresários das duas cidades, fundou o clube. Meses depois, Sônia Arnt – depois Abichequer – foi escolhida a madrinha. Ela seria, também, a primeira aviadora do Vale.

Ex-prefeito de Estrela, Adão Fett foi o pioneiro da aviação na região. Em1940, ajudou a fundar o Aeroclube Alto Taquari

Ex-prefeito de Estrela, Adão Fett foi o pioneiro da aviação na região.
Em1940, ajudou a fundar o Aeroclube Alto Taquari

A ACAT logo encomendou um planador e o governo de Lajeado auxiliou com um agrimensor para demarcar e nivelar a área de pouso, que ficava próxima a área do Porto de Estrela. Em fevereiro de 1941, em Porto Alegre, a VAE (Varig Aeroesporte) recebeu 19 alunos e alunas do aeroclube e oferece as oficinas para o também estrelense, José Wingen, construir um planador primário.

Iniciaram as aulas práticas do volovelismo com o planador “Bom Retiro” no Aeroporto Municipal. Em 24 de novembro de 1942, o primeiro avião pousava na recém-inaugurada pista. Era uma aeronave da FAB. No dia seguinte, aterrizou o avião “Chuy”, da Base Aérea de Canoas, trazendo o Major Homero Souto, para inspecionar a pista e instalações do ACAT. Em maio de 1943, eram 45 alunos no curso de aviação.

Após algumas disputas internas entre Lajeado e Estrela, a primeira resolveu criar o próprio clube. E entre os primeiros pilotos formados na região, podemos citar, de Estrela, Wingen, Theodoro Antônio Bentz, os irmãos médicos Telmo Ito João Snel, Ivo Vicente Ruschel, Armindo Müller, Arno Ruschel, Danilo Lauer, Rudolfo Maria Rath e Aloysio Schwertner. Já entre lajeadenses os irmãos Bruno, Walter e Werner Born, Antônio José Alfredo Spohr e João Alvor Müller.

Foto da inauguração do Acat, na década de 40. De lá, formaram-se vários pilotos. Entre esses, o ex-prefeito de Lajeado, Bruno Born

Foto da inauguração do Acat, na década de 40. De lá, formaram-se  vários pilotos. Entre esses, o ex-prefeito de Lajeado, Bruno Born

Estrela saiu da rota viária

Na década de 50, por meio da Campanha Aérea Nacional, liderada pelo senador Joaquim Pedro Salgado Filho e por Assis Chateaubriand, foram entregues ao ACAT sete aviões Cap-4 e dois aviões Al-6, de asa baixa. Também chegaram duas aeronaves importadas: 1 Piper I-3, 1 Piper PA-18, 1 Piper PA-20 e 13 aviões Moss – asa dupla, de fabricação alemã.

No dia 12 de maio de 1957 foi realizada uma grande festa às margens estrelenses do rio Taquari. Era a inauguração do novo “Aeroporto do Alto Taquari”, uma ampliação da antiga pista do ACAT. A fita simbólica foi cortada por Mozart Cordeiro, representando a 5ª Zona Aérea, e logo após iniciou-se a apresentação de acrobacias e evoluções de uma esquadrilha da FAB.

Construído pela prefeitura de Estrela, sob as gestões do já prefeito Adão Fett e do sucessor, Aloysio Schwertner, teve acompanhamento constante do ACAT. A pista campo de pouso tinha 1,4 mil metros e comportava aviões DC-3 e Curtiss-Comando.

 

E foi um Douglas DC-3 da hoje extinta Varig a primeira aeronave e pousar no recém-inaugurado espaço. Dessa, desembarcaram autoridades, como o presidente da Assembleia Legislativa, Alberto Hoffmann. Rudy Schali, então Diretor de Tráfego da Varig, também desembarcou. Ele prometera a todos uma linha aérea “bi-semanal” entre o Vale do Taquari e a capital do Estado.

A ACAT realizava revoada com aviões para a Argentina e Uruguai. Estrela também ficou na rota do projeto “Dai Asas ao Brasil. Havia empresas de Táxi Aéreo que realizavam o voo entre Estrela e Porto Alegre, com saídas diárias às 8h e retorno às 18h, durando o percurso 28 minutos, com capacidade para quatro pessoas.

Após viver o auge, em 1959, o ACAT entrou em declínio, até cessar as atividades em 1963, com a interdição do espaço. O governo militar de 1964 levou todos os aviões do ACAT para Caxias do Sul. Cerca de 12 anos depois, e após a junção dos clubes de Lajeado e Estrela e fundação do Aeroclube Vale do Taquari, o aeroporto foi interditado por estar na área desapropriada para a construção do Entroncamento Rodo-hidro-ferroviário.

Em 1974, reportagem do Jornal de Lajeado noticiava a prisão de um contrabandista que usava aeronaves para trazer whisky e cigarros do Paraguai

Em 1974, reportagem do Jornal de Lajeado noticiava a prisão de um contrabandista que usava aeronaves para trazer whisky e cigarros do Paraguai

O tempo passou. A partir de 1983, uma nova e improvisada pista passo a ser utilizada por aviadores. É onde hoje se encontra o Aeródromo de Estrela, no bairro São José, com uma pista de 570 metros, e que está interditada pela ANAC desde 2006. “Só para um avião pequeno. Um multimotor, no máximo”, resume Wagner.

A farsa do Zeppelin

O espaço aéreo do Vale também já foi alvo de uma grande farsa. Em junho de 1934, lembra o historiador, José Schierholt, o dirigível D-LZ Graf Zeppelin, em uma viagem entre Berlim e Buenos Aires, sobrevoou Porto Alegre e São Leopoldo. Um dos objetivos era propagar a tecnologia alemã e a ideologia nazista. Na época, surgiu o boato de que o navio aéreo teria sobrevoado Estrela e Lajeado.

Uma foto de Kurt W. Schroeder, de Estrela, ganhou fama nos periódicos O Paladino e A Semana. Nessa, aparecia o famoso zeppelin nazista sobre a Igreja Matriz Santo Antônio. Duas décadas depois, de volta a cidade natal, São Leopoldo, o fotógrafo confessou ao amigo Flávio Jaeger ter feito a acoplagem da aeronave sobre a cidade para concorrer com outras fotos na Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha, em 1935.

Em 1974, reportagem do Jornal de Lajeado noticiava a prisão de um contrabandista que usava aeronaves para trazer whisky e cigarros do Paraguai

Farsa do dirigível nazista sobrevoando Estrela em 1934 durou 20 anos

Avião com drogas e contrabando

Schierholt, na época de repórter do Jornal de Lajeado, em março de 1974, ele foi testemunha de outro curioso fato da aviação regional. Ele estava na sede do periódico, na rua Júlio de Castilhos, em Lajeado. Era uma quarta-feira e o material teria que ir à gráfica no dia seguinte. Sem nenhuma notícia impactante.

“Fui na janela e pensei brincando: Por que não ocorre um acidente? Pouco depois, ouvi o ronco de um avião muito baixo. Pensei de novo: só pode descer em Estrela”.

Não deu outra. O avião pousara no espaço já interditado e lá foi o repórter. Ao chegar, encontrou o avião Bonanza cercado de policiais. O piloto, Eloy Angelo Corso, era um dos maiores contrabandistas de cigarro e whisky, e fingia ser um médico. “Consegui minha manchete de capa”, brinca o agora historiador.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br

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