Realizada na sede da Associação Comercial e Industrial de Arroio do Meio (Acisam), a 6a edição do Workshop Negócios em Pauta abordou um tema fundamental para o bem-estar de empresas e trabalhadores. Mestre em Economia pela Ufrgs, a professora Cristiane Souza apresentou conceitos sobre educação financeira e hábitos capazes de assegurar o bem-estar econômico.
De forma descontraída e didática, Cristiane falou sobre as consequências da ausência de uma política educacional que aborde as formas para lidar com o dinheiro. “É um tema muito importante na vida de todos nós, mas não faz parte da escola ou das faculdades.”
Segundo ela, quando estudantes, as pessoas pensam em se formar, gerir uma carreira e alcançar a liberdade financeira. Por outro lado, diante da falta de uma cultura voltada para a educação financeira, muitos acabam gerindo dívidas ao invés de investimentos.
A professora apontou dados sobre o ciclo da vida financeira de um indivíduo. O primeiro período, até os 20 anos, é marcado pelo aprendizado. Entre os 20 e 60 anos, ocorre o período em que deveríamos acumular riqueza, constituir família e nos preocupar em poupar, investir e constituir patrimônio.
Após os 60 anos, aponta, é o momento de aproveitar a vida e viver desse patrimônio acumulado. Porém ressalta que essa realidade está distante da maioria dos brasileiros. Segundo Cristiane, quase 60 milhões de pessoas estão em listas de restrição de crédito.
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“Os endividados representam 28,8% da população, e 39,6% das pessoas entre 18 e 95 anos”, alerta. Conforme a palestrante, pesquisas mostram que as dívidas começam a se acumular ainda no período de aprendizado, o que agrava ainda mais o cenário.
Segundo ela, isso ocorre porque gastamos mais do que ganhamos, o que pode parecer simples de solucionar, mas que na prática é uma tarefa difícil. Lembra que as pessoas endividadas ficam expostas a altas doses de estresse, o que pode resultar inclusive em doenças físicas.
“É uma situação que afeta até mesmo os relacionamentos, pois poucos casamentos e sociedades empresariais sobrevivem a uma crise financeira”, ressalta. Conforme a professora, acumular não é uma tarefa fácil, mas se não houver gestão financeira existe chances reais de perder o patrimônio de forma inesperada.
“Maquiavel dizia que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio”, reforça. No caso das empresas, ressalta que a situação financeira dos funcionários afeta e dispersa o ambiente de trabalho.
Preocupados com as dívidas, os trabalhadores deixam de ter a mesma dedicação aos clientes, alega. “Não somos máquinas para desligar essa chave, então, acabamos não cumprindo prazos e atrasando as entregas, por exemplo.”
Dessa forma, afirma, o problema que seria apenas pessoal passa também a ser da empresa porque o trabalhador acaba, entre outras coisas, insatisfeito com o salário que recebe. “Para uma pessoa endividada, por maior que seja o salário, nunca será suficiente ou mesmo satisfatório.”
Diante disso, aponta, é necessário pensar não apenas em quanto ganhamos, e sim em quanto e como gastamos. Para um empresário, alerta, a ausência de uma educação financeira é ainda mais prejudicial. “Ele terá dificuldade para organizar suas finanças porque normalmente administra como o orçamento familiar.”
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Cita como exemplo o trabalho realizado como consultora para um jovem empresário que não sabia a margem de contribuição dos seus produtos, apesar de já operar por cinco anos. “Era para ser um trabalho simples, mas observei um problema muito maior. Não existia nenhuma informação, e levei seis meses para calcular a margem de contribuição.”
Segundo ela, um dos erros mais comuns é misturar as finanças pessoais com as da empresa. Cita como exemplo empresários que utilizam o cartão corporativo para pagar contas familiares. Da mesma forma, utilizar dinheiro próprio para pagar as contas da empresa também prejudica o negócio.
“A sobrevivência da empresa depende do lucro, e não tenho como saber a lucratividade da minha atividade quando as finanças estão misturadas”, alerta. Ressalta que muitos empresários reclamam de ter alto faturamento, porém, poucos recursos disponíveis em caixa.
“Quando isso ocorre, é porque ele não sabe o quanto gasta e para onde vai esse dinheiro”, relata. Sem esse controle, aponta, faltam recursos para aproveitar oportunidades de expansão ou mesmo para investir em bons profissionais capazes de melhorar a produtividade do negócio.
Sem recursos, alega, o empresário começa a fazer tudo no negócio, ficando inclusive sem tempo para encontrar soluções criativas para os problemas do cotidiano. “Ou faz algo ainda pior, que é levar a família para trabalhar, sem pagar salário.”
Ela destacou as iniciativas do Conselho Regional de Contabilidade, que por meio de um grupo de voluntários leva os conceitos de educação financeira para as escolas do Estado.
Conhecimento e atitude
De acordo com a palestrante, os dois passos para desenvolver uma educação financeira passam por adquirir conhecimento e estabelecer mudanças de atitude. Segundo ela, quando uma pessoa está endividada, precisa pensar em formas de aumentar a receita e reduzir despesas.
“Não é aumentar salário e sim diversificar, criando novas oportunidades de receitas”, aponta. Como exemplos, cita professores que podem oferecer aulas particulares, ou mesmo a produção de alimentos em casa.
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“Se sei fazer bolo, posso começar a vender, porque preciso pagar as dívidas”, ressalta. Caso o aumento da receita seja impossível, a redução de custos e despesas se torna ainda mais necessária.
Segundo Cristiane, existem três perfis diferentes quando se trata de gestão de finanças pessoais. O primeiro é de pessoas que gastam tudo o que recebem antes mesmo do fim do mês. O segundo é o poupador, que não deixa o dinheiro acabar antes de receber novamente.
“O terceiro perfil é o investidor, que usa o recurso que sobra no mês para fazer investimentos”, destaca. Para chegar ao cenário ideal, antes de tudo, é necessário organizar o orçamento, descrevendo com precisão as receitas e despesas.
“A diferença entre elas é o resultado, que pode ser lucro ou prejuízo, e deve definir a atitude a ser tomada”, frisa. No caso dos empresários, afirma, esse cálculo se torna ainda mais importante diante das obrigações como o pagamento de 13º salário e férias aos funcionários.
Apesar de saberem disso, alega que as empresas chegam em dezembro sem condições de pagar e acabam buscando empréstimos bancários. Dessa forma, iniciam o ano com dívida e sem saber como solucionar as obrigações do ano seguinte.
Análise interna
Cristiane afirma que as empresas precisam ajustar seus processos se quiserem ampliar as receitas. Para isso, sugere uma análise interna dos pontos fortes e fracos da organização. “Os pontos positivos agregam valor e merecem toda a energia, pois são capazes de prospectar novos clientes.”
A própria relação com os fornecedores pode ser revista por meio de negociações. Segundo ela, é nas horas de dificuldade que as empresas descobrem quais serão os parceiros com os quais vale a pena manter negócios.
Outra medida fundamental, orienta, é estabelecer ações para reter os talentos da empresa, nem que para isso seja necessário cortar gastos em outras esferas. “Se temos um ótimo funcionário que recebe salário alto, cortar essa despesa sem questionar o valor que esse profissional agrega para o nosso negócio é um erro.”
Segundo ela, muitas vezes, a demissão de um profissional de salário elevado e reconhecida competência para contratar outro de menor custo acaba causando prejuízos maiores para a empresa. Para Cristiane, em todos os cenários, é preciso analisar os custos para estabelecer um equilíbrio.
Retrospecto
Antes da palestra, a consultora organizacional da Capital Verde, Raquel Winter, falou sobre a conexão entre os workshops realizados no projeto. Segundo ela, todos os temas estão relacionados com as necessidades do cotidiano das organizações.
“Iniciamos falando de planejamento estratégico, depois passamos para a gestão orçamentária, indicadores, planejamento tributário e gestão de pessoas”, lembra. Conforme Raquel, a educação financeira complementa e permeia todos os temas anteriores.
Experiências regionais
Após a palestra, empresários do Vale do Taquari falaram sobre os desafios e as conquistas realizadas por meio dos negócios. Sócio da STW Soluções em Automação, Ricardo Kober apontou as dificuldades enfrentadas pelos empreendedores diante de uma carga tributária de 38% e de juros abusivos.
Ressalta a adoção de medidas de médio e longo prazo para assegurar a saúde financeira do negócio mesmo em uma época de crise. “Neste ano trabalhamos sete meses no vermelho, mas criamos ao longo de dez anos uma reserva para suportar isso.”
Conforme Kober, uma das apostas da empresa é a diversificação e a separação entre os recursos dos sócios e os da firma. Segundo ele, a companhia oferece produtos para 15 segmentos, e tem como principal diferencial a relação estabelecida com os clientes.
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Presidente da Acisam, Adailton Cé contou sua trajetória enquanto empreendedor. Ele adquiriu o primeiro negócio no fim da década de 1960 e hoje é proprietário de quatro empresas. Para Cé, um dos principais motivos para o sucesso é o planejamento.
“Geralmente, as pessoas gastam todo o lucro das empresas, o que é um grande erro”, ressalta. Segundo ele, uma das formas de garantir a saúde financeira é separar 30% dos lucros como reserva técnica.
“É preciso guardar dinheiro, mesmo diante da pressão dos sócios e familiares para gastar”, afirma. Outra característica considerada fundamental é gostar do que faz, cultivando o prazer de chegar na empresa e ver os funcionários produzindo.
“Tem muita gente boa e de confiança no mercado. Temos que construir a política do bom empregado”, reforça. Para ele, uma das atitudes mais importantes é demonstrar preocupação com o colaborador quando ele mais precisa, como nos casos de doença ou de problemas pessoais.
Diretor financeiro da Girando Sol, José Schulze contou a história da empresa sediada em Arroio do Meio. Segundo ele, a companhia de produtos de limpeza carrega o DNA do fundador, Gilmar Borscheid. “É uma pessoa que veio de uma família de comerciantes e tem o empreendedorismo no sangue.”
Na Girando Sol faz 20 anos, Schulze lembra que desde a fundação houve a preocupação em estabelecer um planejamento orçamentário. Para ele, o principal motivo para o sucesso da empresa é o atendimento ao cliente.
“Desde o funcionário que varre o chão até o dono, todos prezam por atender nossa clientela, que são todos os consumidores”, relata. Conforme o diretor, a principal estratégia de marketing é justamente o boca a boca, o que evita grandes investimentos em mídia.
Projetos em andamento
Iniciativas de incentivo à educação financeira começam a avançar no RS e na região. Deputada estadual, a advogada Any Ortiz apontou projeto em trâmite na Assembleia Legislativa para instituir o tema nas escolas gaúchas.
A proposta é baseada em lei criada por Any quando era vereadora em Porto Alegre. Segundo ela, hoje a educação financeira faz parte do currículo das escolas da capital. “Esse conteúdo pode ser incluído em todas as matérias, sem a necessidade de criar uma disciplina específica”.
Conforme a deputada, o projeto está em análise na AL desde 2015, mas enfrenta resistência ideológica por parte de alguns parlamentares. “É um tema muito importante, principalmente porque o brasileiro é empreendedor por natureza, e muitas vezes não tem a orientação necessária para desenvolver essas aptidões.”
Empresário contábil e voluntário no CRC, Delmar Bruxel ressaltou o trabalho de educação continuada promovido pela entidade. Lembrou que o conselho oferece cursos gratuitos para contabilistas e gestores, e também destacou o trabalho de qualificação promovido pelo Sincovat.
Também voluntária do CRC, Sílvia Grewe destaca que o projeto trabalha os conceitos da educação financeira por meio de linguagem e temas pertinentes ao universo jovem. “Fazemos o cálculo dos custos das coisas do dia a dia do adolescente.”
Coordenador do curso de Educação Financeira da Univates, Gabriel Braido apresentou dados de pesquisa realizada pela universidade com alunos do Ensino Médio. Segundo ele, apenas 2% dos entrevistados alegaram ter aprendido noções de educação financeira na escola, e outros 86% tiveram contato com o tema por meio da família.
“Conforme a pesquisa, aqueles que receberam os ensinamentos por meio de um professor aprenderam melhor”, ressalta. De acordo com Braido, 87% dos entrevistados afirmaram ter interesse em receber mais informações sobre o tema, e 62% dizem que o melhor lugar para isso é a sala de aula.
O professor ainda destacou o projeto realizado pela Univates, que leva os conceitos de educação financeira para as escolas do Vale do Taquari. Desde 2011, mais de 7,5 mil jovens passaram pela qualificação.
Dúvidas frequentes nas empresas
Pode uma pessoa ser feliz estando endividada?
Delmar Bruxel
Cristiane Souza – Acredito que não. Vou ser franca, já tive problema financeiro e não era feliz. Me endividei porque sou de uma família humilde e fiz crédito educativo para pagar a faculdade. Ao me formar, estava endividada e meu salário era pequeno. Trabalhei para não ter mais dívidas. Mas como fazer isso se nunca tenho dinheiro sobrando? Criei uma dívida para mim. Primeiro eu me pago, depois eu pago as outras pessoas. Criei uma conta para isso. Façam a mesma coisa e me contem os resultados. Vocês se sentirão livres, porque uma pessoa endividada é a mais infeliz do mundo.
Que estratégias podemos utilizar para ensinar educação financeira para os estudantes?
Gabriel Braido
Cristiane – Primeiramente qualificar os professores para que possam efetivamente falar sobre o tema. Muitos professores têm problemas financeiros, até porque o salário pago aos educadores é baixo. Mas é preciso transmitir esse conhecimento no aluno. Em Porto Alegre, temos um projeto em que conseguimos adequar a linguagem do professor a do aluno. Trouxemos as finanças pessoais a partir da experiência deles e da forma como se comunicam. Isso ajuda porque o conteúdo, em si, é muito técnico.
Qual a idade ideal para os pais incentivarem o filho a trabalhar?
Adair Weiss
Cristiane – Ensinamos um filho pelo exemplo. Educação financeira começa na nossa casa. Se sou uma mãe endividada, geralmente serei um filho endividado. Na sociedade de hoje, os pais querem sempre dar o melhor para o filho. Pensam que por terem passado trabalho precisam facilitar a vida do filho. Isso é bom? Feliz do pai e da mãe que criam filhos independentes. Não precisa dizer a idade para trabalhar, mas precisa criar um ser humano independente. Porque assim, quando você não estiver aqui, saberá que ele continuará andando. Preparem os filhos para a vida.