“As fórmulas prontas são muito boas para quem vende livros.”

Entrevista

“As fórmulas prontas são muito boas para quem vende livros.”

CEO da Zenvia empreende desde os 18 anos

“As fórmulas prontas são muito boas para quem vende livros.”

Uma empresa nascida em uma garagem no bairro Boa Vista, em Porto Alegre, tornou-se uma das principais companhias de tecnologia do país. O último ranking da revista Exame, referente a 2015, aponta a Zenvia com o maior crescimento no estado e o sétimo maior no país entre as pequenas e médias corporações.

A integradora realiza basicamente serviços de interação com o consumidor e SMS para operadoras de telefonia. Mesmo em um setor muito competitivo, expande negócios em uma velocidade impressionante de 90% ao ano.

A empresa iniciada com apenas dois computadores em 2003, hoje tem 250 funcionários e recebe aportes milionários de investidores do mercado. CEO da Zenvia, Cassio Bobsin é um dos cérebros por trás das operações da companhia que fundou em 2003 ao lado do sócio Victor Knewitz.

Bobsin iniciou a trajetória como empreendedor aos 18 anos. No primeiro ano da faculdade de Ciência da Computação, fundou a primeira empresa, já voltada para o setor de tecnologia. De lá para cá, participou da criação de mais de dez startups na área.

Ao lado das experiências empreendedoras, Bobsin apostou na formação acadêmica como forma de aprimorar as aptidões para os negócios. Formado em Ciência da Computação pela UFRGS, concluiu MBA em Gestão Empresarial pela ESPM e curso de Owner/President Management em Harvard. Também é mestre em Administração pelo PPGA da UFRGS.

Bobsin acredita que a persistência, o estudo e o trabalho árduo estão entre os motivos para o sucesso na carreira. Porém alerta que não existem fórmulas prontas para empreender e inovar, palavras da moda do mundo corporativo.

[bloco 1]

Como você desenvolveu a aptidão para o empreendedorismo?

Cassio Bobsin – Uma das coisas mais importantes foi o desenvolvimento da minha infância. Meu pai é microempreendedor em um minimercado. Quando era pequeno, trabalhava com ele. Então, essa ideia de trabalhar e estar sempre junto com o cliente, participando do atendimento, sempre esteve presente. Quando ingressei na faculdade, decidi fazer Ciências da Computação porque desde a infância gostava de computador. Essas duas coisas se juntaram quando entrei na faculdade. Eu queria ter uma empresa, atender clientes, não apenas trabalhar com a tecnologia, mas sim ter um negócio e ajudar pessoas a resolver seus problemas.

Quais características você herdou desse exemplo familiar?

Bobsin – Três coisas, basicamente. A primeira foi ser sempre muito correto. Aprendi com meu pai que a ética é um valor indissociável. Outra coisa é que, na época que estudava, sempre ouvia que estudar era o meu trabalho. Sempre levei comigo a necessidade de aprender e me desenvolver, tanto que nunca parei de estudar. Fiz graduação, três pós-graduações e sigo estudando. Mesmo estando trabalhando, sempre busco aprender. E também aprendi a trabalhar e me dedicar bastante. Não tenho limite de horário, pois trabalho o tempo todo. Mesmo se não estou na empresa, estou sempre pensando no que eu posso fazer melhor.

Aos 37 anos, Bobsin lidera a empresa que mais cresceu no RS durante o auge da crise econômica

Aos 37 anos, Bobsin lidera a empresa que mais cresceu no RS durante o auge da crise econômica

Por que você optou pela área da tecnologia e ao mesmo tempo uniu aptidão pelos negócios?

Bobsin – O gosto pela tecnologia veio da minha infância. No fim dos anos 80, tive acesso ao computador. Aprendi a mexer, montar e a programar sozinho, em casa, e a fazer coisas como acessar a internet antes dela existir comercialmente. Tudo isso brincando. Enquanto estava na faculdade, como tinha esse desejo de desenvolver um negócio, comecei a aproveitar todas as oportunidades nessa área. Participei de cursos no Sebrae, da associação de jovens empresários e de tudo o que tinha acesso para aprender sobre negócios. Para ter essa formação em tecnologia voltada para os negócios, fui combinando as duas áreas, o que se mostrou muito importante, porque uma empresa não é apenas sobre aquilo que a empresa venda, e sim sobre liderar, planejar a empresa e tomar decisões.

Quando você iniciou o primeiro negócio e por quê?

Bobsin – Abri minha primeira empresa no primeiro ano da faculdade. Nunca cheguei nem a fazer estágios ou trabalhar para outras pessoas. Na época tinha 18 anos e surgiu a oportunidade de atender um cliente em um projeto e assim criei a minha primeira empresa, a Exya. Desde lá, acabei abrindo uma segunda, uma terceira e uma quarta empresa. Algumas não deram certo, outras sim. Mas o que sempre me moveu foi a possibilidade de construir algo que faça sentido para as pessoas.

Como foi a primeira experiência e de que forma ela ajudou a solidificar a base para o futuro?

Bobsin – Foi uma experiência que deu meio certo. Conseguimos fazer ela funcionar e atender clientes, mas eram muitos sócios. Éramos sete, todos com perfil mais técnico. Meu aprendizado foi perceber que a complementariedade dos sócios é muito importante. Tínhamos todos um perfil parecido e essa não é a melhor forma de compor uma sociedade. Fiquei na Exya por dois anos e saí para criar uma outra empresa, que tinha o foco em uma tecnologia mais moderna, já voltada para a internet. Era eu e um outro sócio. Focamos na primeira onda da internet e começamos a desenvolver sistemas que funcionavam na rede.

O empreendedor corre riscos que o trabalhador assalariado não corre, principalmente em relação à garantia de receber um salário. Para você, os primeiros anos como empreendedor foram difíceis?

Bobsin – Nos primeiros sete, oito anos de empresa, eu praticamente não consegui ganhar nenhum dinheiro. Todo mundo que trabalhava em empregos ganhava muito mais do que eu, mas isso não mudou nada na minha vida. Eu assegurava que meus funcionários ganhassem salário e vale-refeição, mas muitas vezes não tinha dinheiro para pagar a minha refeição. Isso nunca foi um problema para mim porque eu compreendia que fazia parte de um processo. Ia continuar trabalhando até conseguir.

[bloco 2]

O que lhe fazia continuar buscando outros negócios, mesmo diante das dificuldades enfrentadas nas suas empresas?

Bobsin – Sempre que as coisas não davam certo, que errava ou falhava, para mim era a melhor oportunidade de aprendizado. Se as coisas dão sempre certo, não sabemos exatamente por que. Mas, quando algo dá errado, temos a oportunidade de entender. Todas as pedras no meio do caminho e todas as dificuldades me mostraram que as decisões que tomei não foram as melhores e serviram para aprender e conseguir fazer melhor na próxima. Uma coisa importante é manter a persistência e não deixar se derrubar perante as dificuldades.

Como sua família lidou com essa escolha e as dificuldades que isso trouxe?

Bobsin – Eu sou casado e estou desde os 15 anos com a minha mulher. Ela acompanhou toda esta minha caminhada no empreendedorismo. Teve um tempo que minha família via todo mundo progredindo e eu ainda tentando. Muitas vezes, me perguntaram se não valia mais a pena procurar um emprego. Nessa época, fiz a única entrevista de emprego da minha vida, mas não me senti bem. Senti que não deveria estar ali porque não era o que queria. No final da entrevista, cheguei a dizer que não queria o emprego.

Hoje você está à frente da empresa gaúcha que mais cresceu durante a maior recessão da história do país. Como foi o trabalho para enfrentar essa crise e desenvolver o negócio?

Bobsin – A Zenvia é uma empresa de tecnologia que trabalha de forma diferente das tradicionais. Uma empresa industrial, por exemplo, precisa de muita estrutura, maquinário e muita gente para conseguir produzir. Temos um modelo de negócios que dispensa uma grande estrutura e funciona em escala. O que fazemos é focar tudo o que podemos ter em criar um bom produto muito bom e que atue de forma escalável. Buscamos atender o cliente da melhor forma possível, mas sempre trazer novos clientes para expandir. Sempre tivemos um grande crescimento. Até 2014, 2015, crescemos em média 80% ao ano. Mesmo no período de crise, crescemos acima dos 20% ao ano.

A que você atribui esse nível de crescimento?

Bobsin – Dois fatores, principalmente. O primeiro é o modelo de negócios em escala. O segundo é que trabalhamos com um tipo de negócio que ajuda as empresas a resolver problemas e se tornarem mais eficientes. Sempre que uma empresa tem algum processo de interação com o consumidor, por algum canal, o nosso tipo de serviço torna essa interação mais rápida e eficiente, o que até mesmo reduz os custos. Nos momentos de crise, onde as empresas estão reduzindo seus investimentos, vemos a oportunidade de ajudar a tornar esses processos mais eficientes.

Aos 37 anos, empresário é um dos principais nomes do mercado de tecnologia brasileiro

Aos 37 anos, empresário é um dos principais nomes do mercado de tecnologia brasileiro

Os processos de contratação e demissão de uma empresa estão entre os motivos para o sucesso dos negócios. Como a Zenvia trabalha para manter um RH saudável?

Bobsin – Temos cerca de 250 funcionários no total. O processo de escolher que vai fazer parte da empresa é talvez um dos mais importantes. A escolha é de duas mãos, pois a pessoa também escolhe a empresa. É fundamental o candidato entender como a empresa funciona, quais as suas características positivas e negativas, e a realidade que encontrará quando estiver dentro. Isso ajuda a reduzir as frustrações, porque alinha as expectativas. Do outro lado, é mais importante a empresa saber se essa pessoa terá o perfil cultural esperado. Uma pessoa que não se encaixa e não se adapta gera uma série de problemas que nem estão relacionados à competência técnica. A técnica é importante, mas é mais importante escolher alguém com o perfil correto.

Os empresários em geral costumam enfrentar dificuldade em trabalhar com pessoas da chamada geração millenium. Qual sua opinião sobre esse perfil dos jovens profissionais?

Bobsin – As pessoas precisam ter o direito de optar por estar onde se sentem bem, independente de ser jovem ou não. Todo mundo quer trabalhar em um lugar onde não precise fingir ser o que não é. Os jovens buscam muito isso. Eles procuram um lugar onde possam se expressar. Outra questão importante é o propósito. Os empresários mais tradicionais precisam compreender que quem é novo gosta de entender exatamente para que o seu trabalho serve. Quanto mais sentido a pessoa ver no seu serviço, mais ela vai gostar. Não precisa ser apenas um sentido social, e sim entender por que faço o que faço e poder pensar em formas de fazer melhor. Essa geração quer entender os porquês e sugerir formas diferentes.

A inovação é uma das palavras mais em voga no mundo empresarial. Como fazer com que se transforme em ações práticas capazes de melhorar o desempenho das empresas?

Bobsin – A inovação é uma palavra muitas vezes até deturpada. Um produto não precisa ser inovador para ter tido inovação em seu processo, e inovação não é fazer de um jeito diferente algo que já existe. Para isso, as pessoas precisam mudar a forma como elas pensam, e isso é impossível nas empresas onde as pessoas recebem ordens de cima para baixo e apenas executam. Para inovar, é preciso dar espaço e liberdade para as pessoas experimentarem de forma livre, onde o erro não seja um problema. Ao contrário, o erro deve ser encarado como uma oportunidade para acertar na próxima vez.

[bloco 3]

Como a crise alterou a forma de as empresas enxergarem questões como a produtividade eficiência?

Bobsin – Existe um tipo de inovação que é fundamental para a sobrevivência das empresas, que é fazer o mesmo com menos. É a inovação da crise, mas não é algo que vá mover a humanidade para a frente. Não é algo que impacta nas nossas vidas. Cortar custo é matemática, e as empresas fazem com boa chance de dar certo. Mas, para dar um salto que leva o mercado a um novo patamar, é necessário experimentar, em movimentos cujo resultado não vem em curto prazo. O empreendedor precisa entender isso.

Que conselho você daria para os jovens que pretendem seguir para o empreendedorismo no ramo da tecnologia?

Bobsin – Quando somos criativos e gostamos de tecnologia, o mais comum é termos uma ideia e querer empreender em cima dessa ideia. Mas, às vezes, o empreendedor foca muito no produto e se esquece de algo ainda mais importante, que é qual problema que ele quer resolver. A partir desse problema, ele deve usar o seu processo criativo para pensar em diferentes formas para resolvê-lo. Porque às vezes a ideia de um produto, quando vai para o mercado, se mostra não ser tão boa quanto tínhamos idealizado. Já vi muitos empreendedores desistirem porque a ideia que tiveram não era tão genial. Mas, quando se escolhe um bom problema, que ele acredita ter condições de resolver, é capaz de encontrar diferentes formas para dar certo.

O avanço do empreendedorismo também criou um grande mercado de consultores e autores que oferecem fórmulas para o sucesso. Qual sua opinião sobre esse movimento?

Bobsin – As fórmulas prontas são muito boas para quem vende livros. O problema é que o mundo é muito complexo, e o processo de empreender é uma das coisas mais complexas que existem no mundo. Por mais que se estude nas melhores escolas de negócios, não existe um jeito certo de fazer qualquer coisa. São diferentes conceitos, mercados, processos, negócios e pessoas. O importante para o empreendedor é, ao longo da sua trajetória, ir encontrando o jeito dele. Para isso, é preciso ter muita vontade de resolver os problemas a que se propôs. Existem pessoas dos mais diferentes tipos que alcançaram sucesso nos negócios. O único traço marcante é a vontade.

Como você alia a dedicação ao trabalho com as necessidades pessoais e familiares?

Bobsin – Sempre fui uma pessoa muito disciplinada. Consigo organizar o meu tempo para cuidar bem da saúde, da minha alimentação, fazer atividade física e ter tempo para descanso. O que faço é não jogar tempo fora. Não vejo TV, não perco tempo em rede social e sou muito focado. Se formos calcular o que fazemos nas 24 horas do dia, percebemos que parte do nosso tempo gastamos com coisas não produtivas. Por isso é importante tirar ou diminuir o tempo gasto com atividades que não agregam benefício. Dessa forma, consigo ter um bom equilíbrio que me ajuda muito na vida como empreendedor. A capacidade de pensar, tomar decisões, liderar e conversar com as pessoas requer que estejamos bem fisicamente e emocionalmente. Tanto o trabalho físco quanto o emocional é importante. Se o corpo está bem, a mente também vai funcionar melhor, e conseguiremos ser mais eficazes e não nos desgastar tanto no trabalho.

Acompanhe
nossas
redes sociais