Alimentar-se bem é, cada vez mais, o objetivo de muitos. Baseada nisso, a produção orgânica virou tendência e movimenta R$ 3 bilhões, de acordo com dados do Programa Organics Brasil.
O avanço tanto do cultivo como das vendas é observado no número de feiras ecológicas pelo estado – mais de 90 pontos – conforme pesquisa da Comissão da Produção Orgânica do Estado do Rio Grande do Sul (CPOrg-RS).
Em torno de 34% da população da Região Sul inclui alimentos orgânicos na cardápio, conforme pesquisa nacional de consumo, feita pela Organis e divulgada em junho. Feiras e supermercados são os principais pontos de venda.
Nos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério da Agricultura, a área cultivada registra crescimento de 88,5%. Passou de 603,2 mil hectares em 2013 para 1,13 milhão de hectares neste ano. O número de produtores saltou de 6,7 mil para 15 mil.
Mais saúde no prato
Em Santa Clara do Sul, o Executivo, em parceria com a Emater, Embrapa Clima Temperado e outras entidades, lançou o Programa de Produção Orgânica no mês de junho. O objetivo é garantir a sustentabilidade das propriedades e estimular a produção de alimentos livres de agroquímicos, em até 300 hectares até 2020.
De acordo com o prefeito Paulo Kohlrausch, o projeto, além de gerar desenvolvimento, representa um ambiente mais protegido, melhor renda às famílias, mais saúde aos consumidores e consequentemente fortalecimento da economia local. “Existe um amplo mercado a ser explorado”, sinaliza.
O Executivo auxiliará com apoio técnico, de infraestrutura e com investimento financeiro – R$ 200 mil até dezembro. “Tiraremos o veneno dos pratos das nossas crianças”, enfatiza. Nesse sentido, a partir de 2018, 100% da merenda oferecida na rede municipal será de origem orgânica. São mais de 700 crianças matriculadas.
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Responsável pelo Plano de Desenvolvimento Agroecológico, o extensionista da Emater/RS-Ascar, Ivan Bonjorno, diz que o elevado número de casos de câncer está ligado ao uso abusivo de agrotóxicos. “Hoje 64% dos alimentos que chegam ao consumidor estão contaminados com agroquímicos. Registramos entre 2007 e 2014 mais de 34 mil casos de contaminação por uso de agrotóxicos, no Brasil”, expõe.
O cenário será alterado com a adoção de novas práticas de cultivo. O primeiro passo é identificar os produtores interessados, promover a qualificação, definir os produtos a serem cultivados, preparar o solo, buscar canais de comercialização e conscientizar os consumidores a escolher esses alimentos por oferecerem mais saúde.
Oportunidade de empreender
Arcelo de Almeida Machado e a mulher Bárbara processam mil quilos de hortigranjeiros por mês. Eles trocaram o emprego na cidade para retornar à lavoura e se dedicar à produção de alimentos. “O projeto, além de garantir a oferta de matéria-prima, traz assistência técnica, ajuda a abrir novos mercados e desperta para novos hábitos alimentares”, enfatiza Machado.
Além de conservas de pepino, couve-flor, pimenta, milho doce, cebola, cenoura, rabanete, brócolis, beterraba, a agroindústria legalizada faz 18 meses oferece schmiers de abobora e figo. Machado projeta investir R$ 100 mil em um novo prédio. “As pessoas querem envelhecer com saúde. A preferência por orgânicos é uma exigência do consumidor. Isso nos motiva a plantar e beneficiar”, frisa.
Anderson Bald e a namorada Joice Dragon, de Forquetinha, apostam na produção de frutas no sistema orgânico. As primeiras 200 mudas de figo foram cultivadas este mês e começam a frutificar em fevereiro de 2018.
Segundo Bald, a produção livre de agroquímicos, além de oferecer ao cliente um alimento mais saudável, garante a preservação do ambiente e dos recursos naturais. “Queremos ter mais qualidade de vida. Comer e vender alimentos mais nutritivos e saborosos”, comenta.
A família de Bald já produz melado e schmier. Desde fevereiro, não aplicam qualquer tipo de agrotóxico na lavoura onde foi instalado o pomar. Também planejam produzir morangos, amoras e laranjas. Tudo será processado em uma agroindústria, cujo prédio será construído no ano que vem. Joice busca qualificação para assumir a responsabilidade técnica. “Vamos produzir de acordo com a leis, obter certificado e atestado de origem, diferenciais de mercado para agregar valor aos produtos”, afirma.
Mel, fumo e leite, tudo sem agrotóxicos
Vlademir Guterres de Carvalho, de Sério, é formado em Direito e mantém cem colmeias espalhadas pelo interior. A produção é um hobby iniciado em 2005 e que, aos poucos, ganha espaço pelo aumento das vendas. “Os clientes optam por um produto livre de contaminações. A dificuldade está em comprovar a qualidade, pois a cada florada a cor muda e quem não sabe por que isso ocorre duvida da procedência”, explica.
Neste ciclo, colheu 1,5 mil quilos de mel. A maior parte foi repassada a uma agroindústria ao preço de R$ 10 o quilo. Quando comercializado direto ao consumidor, o valor salta para R$ 15.
Ressalta a importância de melhorar o manejo e os cuidados na hora de alojar as colmeias. Qualidade da água, oferta de alimento para as abelhas, distância de galpões de suínos, aves e leite e de lavouras onde ainda é aplicado agrotóxico são aspectos primordiais a serem observados. Também atenta para o uso de roupas adequadas e desinfetadas e a higienização de baldes, centrífugas e decantador.
A família Quinot, de Forquetinha, cultiva 40 mil pés de fumo no sistema orgânico faz dez anos. Conforme Marcelo, além da valorização, outro aspecto importante é a saúde de quem trabalha no cultivo. “É fácil produzir, basta mudar de atitude e trabalhar um pouco mais. Nossa qualidade de vida melhorou muito, assim como a remuneração”, aponta. Neste ciclo foram produzidas 520 arrobadas. O valor da arroba chega a R$ 156, mais um adicional de 60%.
O próximo passo é tornar a produção de leite orgânica. Por dia, são produzidos 850 litros. Na propriedade, a aplicação de químicos foi reduzida em mais de 80% nos últimos anos. “O controle de pragas é feito com produtos biológicos e a adubação com esterco (suínos e vacas). Pretendemos buscar a certificação e assim agregar valor à matéria-prima”, finaliza.
“Não é modismo, é uma tendência”
Para Ming Liu, diretor do Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), o consumo é uma tendência, resultado da mudança de hábitos do consumidor, que busca produtos mais seguros e saudáveis.
Cita que nos Estados Unidos e Europa esse segmento movimenta mais de US$ 90 bilhões/ano. Hoje oito em cada dez famílias americanas consomem orgânicos.
As taxas de crescimento por ano são superiores a 10%, mesmo depois de 15 anos da regulamentação. No Brasil, onde o processo de regulamentação se instalou em 2011, a expectativa é de avançar 30% neste ano.
Segundo Liu, os consumidores têm hoje grande poder para mudar e fazer parte do processo em cadeia e garantir que as próximas gerações possam continuar a consumir e manter-se viva. “Sabemos que se a exploração dos recursos e o consumo global continuar neste ritmo, em 2030, serão necessários dois planetas Terra para manter esse padrão”, aponta.
De acordo com Liu, a história por trás dos orgânicos, no Brasil e no mundo, não é apenas um fato que virá e vai passar. “Não é uma estratégia mercadológica da indústria de alimentos ou de um governo. É uma mudança de atitude do consumidor, que faz o mercado e o mundo ver o nosso redor com outros olhos”, afirma.