De ídolo na Alemanha ao isolamento em Lajeado

Especial

De ídolo na Alemanha ao isolamento em Lajeado

Adriano da Silva saiu muito jovem da cidade para se aventurar pela Europa. De origem pobre, nunca gostou de regras. O temperamento explosivo e a rebeldia tardia impactaram no rendimento em campo e nas relações com dirigentes, esposa e filhos. Depois de viver 10 anos entre Alemanha e França, hoje, “Adri” luta contra problemas de saúde e o isololamento causado pelos vícios. Frequentando o Caps e tentando evitar a vida nas ruas, quer voltar ao futebol amador.

De ídolo na Alemanha ao isolamento em Lajeado
oktober-2024

O Clube Esportivo Lajeadense vivia anos de glórias no início da década de 90. O velho Estádio Florestal, antes encravado no centro da principal cidade do Vale do Taquari e hoje em ruínas, vivia lotado. Por lá passavam jogadores de grife como Renato Portaluppi, Assis e Mazaroppi pelo Grêmio, e Cuca, Célio Silva e “Gato” Fernandez pelo Internacional.

Nos acanhados dormitórios disponíveis aos atletas do AlviAzul na época, em especial aos mais novos, surgia um pequeno fenômeno: Adriano da Silva, o “Adri”. Um negro de estatura média, forte, habilidoso e rápido. Muito rápido. “Um jogador completo”, acrescenta o ex-colega de clube e hoje empresário, Éverton Giovanella.

Adri era o xodô da torcida lajeadense. Não costumava iniciar os jogos. Era muito novo. Menor de idade, ainda. “Treinava com a gente já com 16 anos”, conta Giovanella. Mas bastava o treinador o chamar da casamata para iniciar o aquecimento e o estádio inteiro ficava de pé. O menino do bairro Santo André, em Lajeado, era alegria em meio ao duro e enlamaçado campeonato gaúcho.

[bloco 1]

Apesar da alegria em campo, Adri sofria com problemas familiares e financeiros em casa. O pai bebia muito, conta ele. Problema que também já incomodava o jovem atleta. Mesmo assim, ele demonstra carinho pelo pai. “Ele era muito fanático e sempre me levava ao Florestal. Eu ia na garupa do pai. E com oito anos já estava na escolinha.” Os treinadores da época tentavam ajudar. Antônio Ruaro e Luis Freire foram alguns deles.

Adriano da Silva, 42 anos, hoje luta contra vícios e busca recuperação diante de problemas crônicos de saúde. “Foi muita balada e polêmica”, resume ele sobre a carreira

Adriano da Silva, 42 anos, hoje luta contra vícios e busca recuperação diante de problemas crônicos de saúde. “Foi muita balada e polêmica”, resume ele sobre a carreira

Quem também o ajudou foi o hoje repórter fotográfico, Élton de Andrade, na época diretor dos juniores do Alviazul. “Lembro que, em determinado momento, parte da equipe não o queria mais no time. Era um pouco encrenqueiro, digamos assim. Mas eu insisti. Falei que se ele quisesse continuar, teria que ir até minha casa para conversármos. Não acreditei que viria. Mas ele veio. E então eu ajudei a reintegrar ele ao grupo”, lembra.

A paciência de Élton foi crucial. Assim como nos dias atuais, os jovens atletas daquele início de anos 90 já eram visados por empresários com boas relações no exterior. Boa parte dos jogadores mais novos com destaque no interior do Estado acabava indo para clubes de Portugal e Espanha, para atuar em clubes da segunda e até da terceira divisão. Mas com Adri, inicialmente, foi diferente.

Bayern Leverkusen e Hertha Berlin

Em setembro de 1992, na companhia de dois empresários lajeadenses, Nilson Maldaner e o irmão, passou 15 dias fazendo testes no poderoso Bayer Leverkusen. Não passou. Tinha quase 18 anos e o clube alemão queria um atleta “pronto”. Contrataram o atacante Paulo Sérgio, comprado por valor equivalente a 1 milhão do Corinthians, e Campeão do Mundo com o Brasil dois anos depois.

Mesmo assim, os alemães seguiam maravilhados com Adri. No final de 1992, sob a presidência do advogado, Ney Fensteiseifer, as negociações avançavam entre o AlviAzul e o Hertha Berlin, hoje o principal clube da capital germânica. “O Adriano foi negociado logo que eu assumi. Após completar 18 anos, fez o alistamento militar e foi liberado para no outro dia viajar à Alemanha.”

Essa negociação foi precedida de muitos encontros entre as duas direções. Os executivos do clube europeu vieram pessoalmente a Lajeado e, em um encontro no Weiand Turis Hotel, na presença do então presidente do Conselho Deliberativo do AlviAzul, Adriano Strassburger, e de um casal de professores do CEAT que falavam fluentemente o alemão, foi acordado o empréstimo do jogador.

Os irmãos Maldaner participaram da negociação e viajaram junto com Adri para Berlim. Nilson ainda atua em diversas negociações de atletas brasileiros para a Alemanha. Entre os negócios de maior destaque aqui no sul, levou Marcelinho Paraíba também ao Hertha Berlin por US$ 6 milhões, em 2001, quando o jogador era o grande destaque do Grêmio.

No Alviazul, Adri já iniciou no profissional com 16 anos. Na Alemanha, virou ídolo e figurinha de álbum esportivo atuando pelo FC Homburg

No Alviazul, Adri já iniciou no profissional com 16 anos. Na Alemanha, virou ídolo e figurinha de álbum esportivo atuando pelo FC Homburg

Em Berlim, no frio gelado do inverno europeu, Adri gerava forte expectativa na torcida alemã. A chegada dele foi matéria de página no jornal Bild, com 4 milhões de exemplares diários e um dos mais influentes da Alemanha. “Foi um dos melhores jogadores que vi jogar na minha vida. Quando ele chegou em Berlim, os jornais noticiavam que estava chegando um ‘novo Pelé'”, conta Fensteiseifer. Lá, ele era o grande destaque do time da base do Hertha.

Os momentos de inspiração já contrastavam com problemas extra-campos. “Se deslumbrou”, afirmam pessoas ligadas a ele. Adri reconhece. “Muita coisa deu errado. A questão das baladas. Muita polêmica, né, cara”. Os cartões de créditos disponibilizados pelo clube, o conforto e mordomia mexeram com ele. “Saiu comprando tudo, até chapéu com penas.” Mesmo assim, deixou Berlim porque o Hertha, na época atuando na terceira divisão, não tinha recursos para comprá-lo.

Vida entre a Alemanha e a França

Ainda sob acompanhamento dos empresários lajeadenses, Adri seguiu na Alemanha. Após deixar a capital Berlim, foi jogar no F.C. Homburg, onde foi ídolo entre 1993 e 1996, vencendo títulos na cidade de Homburg e onde subiram da terceira para a segunda divisão. Lá, fez amizade com Arílson, transferido em 1995 do Grêmio para o time da cidade de Kayserslautern, distante 37 quilômetros. “Fizemos algumas festas juntos”, diz Adri.

Após os três anos como principal destaque do time, Adri saiu. A relação com os antigos dirigentes estava desgastada em função das noitadas e ausências em alguns treinos. O lajeadense foi para F.C. Saarbrücken, cuja cidade leva o mesmo nome do clube. Saarbrücken é a capital do estado do Sarre, mas a sua aglomeração urbana também engloba a cidade de Forbach, no nordeste da França, com cerca de 1,1 milhão de habitantes.

Por cobrar menos impostos da população, Adri escolheu alugar um apartamento no lado francês da cidade. Lá, além de aprender o idioma, conheceu uma nova cultura e uma gastronomia lembrada até hoje pelo ex-atleta. Dirigia um Mercedes-Benz Classe A. “Lembro que o time sempre era chamado para pré-temporadas de grandes clubes. Uma vez, enfrentamos o Barcelona. O Rivaldo era o grande nome daquele time”, recorda.

Mas ele correspondia pouco em campo e ficou apenas uma temporada no clube. Foi mais ou menos neste período – Adri não recorda com precisão — que as intensas brigas com a ex-companheira de infância fizeram com que ela voltasse ao Brasil com os filhos do casal, um menino e uma menina. Sozinho na Europa, o ex-atleta resolveu tentar a sorte novamente no Rio Grande do Sul.

Em Berlim, Adri foi destaque no jornal Bild, um dos maiores da Alemanha, onde foi citado como o “segundo Pelé”

Em Berlim, Adri foi destaque no jornal Bild, um dos maiores da Alemanha, onde foi citado como o “segundo Pelé”

Uma dessas tentativas foi no Internacional, de Porto Alegre. Na capital gaúcha, ficou poucas semanas treinando no Estádio Beira-Rio no primeiro semestre de 1998, sob o comando do treinador, Cassiá. Não deu certo. Ainda jogou algumas partidas pelo Alviazul antes de retornar, em julho daquele ano, para a Alemanha. Desta vez, para atuar com a camiseta número 25 do S.C. Rot-Weiß, na cidade de Oberhausen.

Muitos times e poucas glórias

Adri não conseguiu se firmar e acabou rompendo contrato com o S.C. Rot-Weiß um ano e meio depois, em junho de 1999. Bastante “queimado” entre dirigentes e treinadores por problemas de comportamento que, por vezes, tornavam ele violento, o lajeadense foi para o S.C. Verl, na cidade de mesmo nome, próximo à Dortmund. Lá, também não se firmou e foi embora um ano após.

Em julho de 2000, Adri estava próximo de completar 26 anos. Os empresários conseguiram um novo e bom contrato com o Karlsruher SC, equipe que formou um dos melhores goleiros da história da Alemanha, Oliver Kahn. Foi o último clube defendido pelo lajeadense em território alemão, e onde ele viveu os piores dias da vida. Lá, usava a camiseta 14.

A prisão na Alemanha

A memória de Adri, embora um pouco embaralhada em função de problemas pessoais, segue viva. Ele comenta com certo receio sobre os períodos conturbados vividos na cidade de Karlsruher, onde morava com uma nova companheira, de nacionalidade portuguesa. Com ela, teve uma filha, que até hoje vive na europa e nunca mais manteve contato com o pai.

E o que parecia um sonho para qualquer jogador brasileiro se tornou um verdadeiro pesadelo para o lajeadense. As brigas e bebedeiras com a mulher portuguesa eram constantes. Amigos dizem que ela também abusava das drogas, e teria influenciado Adri em alguns momentos. Outros dizem que foi o contrário. A sequência de agressões verbais e brigas teve o pior momento em meados de 2002.

Sem o carro, que ficou com a companheira após a separação – ele já havia perdido a carteira de habilitação em uma blitz –, Adri foi até a casa dela pedir dinheiro. Estava desempregado. Diz que a discussão foi forte dentro da residência e ele teria usado uma faca de cozinha para ameaçá-la. Após, foram até o banco onde ele teria forçado ela a sacar dinheiro. A polícia chegou, e ela o acusou de agressão e de invadir a agência bancária. “Aí foi um bolo, né. Mas foi muita injustiça. Aquela coisa de ficar nervoso. Mas eu mesmo fui dirigindo, não forcei nada.” Após 10 anos na europa, foi preso.

O melancólico retorno ao Brasil

Depois de cumprir metade da pena na Alemanha, cerca de dois anos e meio, Adri foi deportado para o Brasil. Com idade já avançada, e com o dinheiro terminando, precisou de ajuda dos velhos dirigentes. Alguns, também advogados, o auxiliaram no processo judicial movido contra ele. Em solo alemão, também foi transferido de penitenciária. Ficou pouco mais de dois anos encarcerado. “Tinha local para trabalhar na prisão”.

Em junho deste ano, a mãe de Adri morreu e os problemas de saúde dele se agravaram. Hoje, ele frequenta o CAPS em Lajeado para tentar vencer os vícios

Em junho deste ano, a mãe de Adri morreu e os problemas de saúde dele se
agravaram. Hoje, ele frequenta o CAPS em Lajeado para tentar vencer os vícios

Foram vários tratamentos durante a carreira. Alguns desses na Alemanha, em uma clínica que já recuperou Gerd Müller, um dos melhores atacantes da história do país. Em Lajeado, passou um tempo na Clínica Central antes de tentar voltar aos gramados pelo Alviazul. Não deu certo. “Estava psicologicamente muito mal. Fisicamente, até estava bem. Pedia dinheiro. Tentamos ajudar, não foi possível”, lembra o ex-presidente do Lajeadense, Jorge Decker.

Adri também tentou seguir jogando no Estrela, e depois em algumas equipes do futebol amador de Lajeado. “Não deu certo, e é uma grande pena”, resume Fensteiseifer. “Foi uma pena ver este rapaz ter colocado fora uma carreira tão promissora. Poderia ter jogado em qualquer time grande do mundo”, acrescenta. “Ele ia na linha de fundo cercado por três, quatro jogadores e saía dali num passe de mágica”, corrobora Decker.

Um dos últimos jogos oficiais dele foi no dia 10 de março de 2004, uma quinta-feira, no Estádio Florestal, pela segunda divisão do campeonato gaúcho. O adversário era o Garibaldi, e o Lajeadense venceu por 1×0. O gol, marcado aos 40 minutos do segundo tempo, foi de Adriano da Silva. Talvez o último de uma meteórica carreira prejudicada pelos abusos. “Mas ainda quero voltar aos gramados. Se Deus quiser.”

Acompanhe
nossas
redes sociais