“Os filhos  precisam de tempo com os pais”

Vale do Taquari

“Os filhos precisam de tempo com os pais”

Diminuir a agenda dos filhos para que eles tenham tempo de ser crianças e qualificar os momentos em família são princípios do movimento Pais Sem Pressa

“Os filhos  precisam de tempo com os pais”
Vale do Taquari

Defina a idade com a qual espera morrer. Diminua desse número a idade atual. O resultado é o chamado número de anos de vida desejável. Na prática, uma pessoa de 25 anos que espera viver até os 90 tem 65 anos de vida desejável. O grande X dessa questão é: quem você quer ser durante esses anos?

Com esse exercício, o especialista em Comportamento Humano Gabriel Carneiro Costa abre sua palestra sobre o movimento Pais Sem Pressa. O evento ocorreu no espaço Grand Maison, em Caxias do Sul, no dia 1º. E emendou com uma provocação que deixou um questionamento: Quem você quer ser para os seus filhos nestes anos?

O Pais Sem Pressa é um movimento que surgiu faz cerca de cinco anos e defende que os pais passem tempo de qualidade com os filhos, permitindo que sejam crianças e tenham uma relação familiar mais afetiva. Segundo Costa, se for possível dedicar apenas 1% do dia (14 minutos) aos filhos é o suficiente, desde que sejam minutos exclusivamente deles. E se a agenda dos adultos é regrada, a das crianças deve ser mínima.

Para fazer isso com o filho Eduardo, 4, Costa cancelou as cinco atividades que ele fazia e esperou que ele pedisse para voltar àquelas que gostasse. Em duas semanas, o menino sentiu falta de uma.

Segundo o palestrante, os pais desenham o filho desejado como se isso estivesse sob controle, quando, na verdade, as crianças são apenas influenciadas.

É necessário administrar as relações e o ambiente, pois os pequenos aprendem por meio daquilo que veem, daquilo que ouvem e daquilo que sentem. “Se a criança está triste e o pai diz que não é nada, isso confunde, pois vai contra o que ela está sentindo”.

Costa observa que adultos que tiveram uma relação de proximidade com os pais são mais bem-sucedidos. “Eu não trabalho com crianças, trabalho com os adultos que as crianças se tornam. Às vezes, eu pergunto para um cliente se ele foi amado pelos pais e ele precisa parar e pensar em como responder isso”. O palestrante defende o ‘amor sem legendas’, ou seja, que os pais digam diretamente o quanto os amam.

Orienta que conversem sobre fracasso, derrotas e limitações, no sentido de reconhecer isso como parte da vida. Contudo, incentiva que os adultos estimulem os filhos. Um menino que sempre ouviu os pais dizendo, repetidamente, que ele era tímido, tende a ser um homem retraído. “Eu tirava 9 em Português e 5 em Matemática e só falavam que eu tinha que melhorar em Matemática. Quando falavam da minha nota em Português, era para dizer: ‘não fez mais que a obrigação’. Ê frase praga! Daí a criança só pensa: ‘eu sou ruim’”.

Busy mother trying to work and feed kid at the same time

Busy mother trying to work and feed kid at the same time

O modo com que os pais encaram a rotina também estimula os filhos. Ele observa que algumas pessoas têm a tendência de enfatizar o aspecto negativo, mesmo sobre as conquistas. “Você dá os parabéns pela promoção e ela diz ‘você não sabe o quanto eu ralei nesta empresa’; Você diz que o filho dela é bonito e ela diz ‘você não sabe o quanto ele chora’; Você diz que o carro é legal, ela diz ‘tive que parcelar em 500 vezes’”. Chegar em casa e reclamar do chefe, ficar repetindo que não tempo para nada e quanto o dia foi ruim também não ajuda. “Daí essa geração não quer trabalhar e não sabemos o porquê!”.

Em relação ao ócio, Costa nota como os adultos ficam inquietos quando as crianças não têm nada para fazer, recorrendo de imediato aos eletrônicos. É nesse período que brotam as ideias e a criatividade. Porém, destaca que isso não significa indisciplina. “Estabelecer regras é um ato de presença”.

“Um dia nossos filhos estarão na frente de alguém falando mal da gente”

A Hora – Cada vez mais os adultos ocupam horas livres com curso, fazendo network, no trânsito das grandes cidades, e com todos as demandas que a atualidade impõe. Como isso impacta na criança?

Gabriel Carneiro Costa – É muito difícil ter alguém que não reclame de falta de tempo. Essa percepção nos gera ansiedade e frustração e a gente leva isso para as crianças. Primeiro, estamos perdendo tempo de ficar com as crianças; e segundo porque se reproduz o mesmo modelo. A gente está vendo as crianças com a agenda cheia, ocupadas com o inglês, o futebol, a natação, o balé, a hora do tema de casa. A falta de tempo livre é uma queixa também delas.

É comum ouvir pais dizendo que querem dar aos filhos mais do que tiveram na própria infância. Até que ponto esse desejo é saudável?

Costa – Eu diria que esse desejo não é ruim. Mas não acho assertivo, porque quando eu dou para o filho aquilo que eu não tive estou muito mais olhando para a minha infância do que para a dele. O que eu não tive me serve como experiência na paternidade. Quando eu penso “vou dar para o meu filho o que eu não tive”, basta eu sentar e lembrar da minha infância. Quando eu penso “vou dar para o meu filho o que ele precisa”, eu me coloco na responsabilidade de entender o que ele precisa.

Com a disseminação do turno integral e atividades extracurriculares, muitas crianças passam a mais tempo na escola. As instituições de ensino também apressam as crianças?

Costa – De forma geral sim. Como a nossa sociedade vive em um modo de pressa, as escolas de alguma forma apressam. Mas eu ainda diria que o papel é muito mais da família, porque mesmo a criança que estude em turno integral por causa da agenda dos pais, ela chega às 17h, 18h, e ela poderia ter seus momentos de desaceleração em casa. É importante lembrar que a gente vê as famílias com muita pressa nos fins de semana: tem que levantar cedo porque tem almoço no ciclano, de noite, tem jantar não sei do quê, de tarde tem o torneio. É muito comum eu escutar dos meus clientes que sentem que estão sempre devendo, sempre atrasados, e as crianças nascem nesse clima. A escola pode estar apressando num conceito social, mas tem um papel pedagógico. Estilo de vida é sempre mais ligado à família.

A pressa dos pais sobre os filhos tem relação com o status financeiro da família?

Costa – Muito, porque o nosso fator de pressa está conectado com melhorar a carreira e, portanto, ganhar mais. E eu acho engraçado quando escuto um pai – geralmente é uma fala masculina – dizendo “estou trabalhando para te dar tudo isso”, seja lá o que for o “isso”. E, às vezes, o filho trocaria tudo “isso” para simplesmente ficar com o pai. Você não está trabalhando para dar tudo isso para o filho, você trabalha para você, para se satisfazer, para o seu ego, para os seus sonhos, então, não coloca na conta do filho. “Ah, o pai está se ferrando por ti”: mentira! O pai trabalha para ele mesmo, em primeiro lugar; segundo, porque tem o ganho para o filho. E, muitas vezes, os filhos não querem isso. Seria mais honesto dizer “o pai está correndo porque quer ganhar dinheiro”.

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As mães têm mais preocupação com a qualidade de vida dos filhos?

Costa – De forma geral, as mulheres têm uma visão mais sistêmica da vida. Elas veem como uma coisa impacta a outra. O homem é muito mais cartesiano: “eu tenho que fazer carreira, ganhar dinheiro”. Essa é a parte em que as mães ganham. Onde eu acho que as mães perdem: às vezes, as mães têm, mais forte do que a questão do dinheiro e status, a questão dos filhos serem suas vitrinas. “Vou mostrar que meu filho é perfeito para que eu ganhe os créditos de uma mãe perfeita”. Então, exibe tudo que pode – e as redes sociais estão aí para isso – muito mais para satisfazer o ego. Isso é mais feminino do que masculino.

É possível saber quando as crianças estão sobrecarregadas?

Costa – Dependendo da maturidade, da idade da criança e do diálogo da família. Ela não vai usar a palavra sobrecarregada, mas ela vai dizer que está cansada, que quer dormir, e muitas vezes os pais desqualificam, dizendo “você não sabe o que é cansaço”. Essa frase é bem real: a criança não sabe o que é trabalhar tanto por dia, e como ela não sabe, a realidade dela é aquilo que ela vive. Então, a primeira questão é não desqualificar uma fala. O segundo ponto é observar a criança. Se a gente parar para enxergar, conseguimos ver se a criança está sorrindo, se ela responde com empolgação sobre as atividades que faz.

O movimento Pais Sem Pressa defende o ócio. Como “perder tempo” beneficia a criança?

Costa – Esse é um ponto importante, porque não existe fórmula. Existe uma observação para ver como é cada criança. Tem criança que é mais agitada, tem criança que é menos, e isso é um componente importante para entender como seria esse ócio. O ócio não é necessariamente deixar que a criança faça o que ela quiser, não é isso, mas sim ter esse momento que é livre. Nós, adultos, gostamos muito da ideia de tempo livre. E essas horas que, entre aspas, a gente não faz nada – e coloco entre aspas porque o nosso conceito de produção é sempre trabalhando, parece que o pensar não é fazer algo – que me coloco a pensar, a relaxar, a ter criatividade, que é tão importante para os adultos, é importante para as crianças. É não termos uma programação estipulada. Que os pais fiquem atentos para os momentos em que permitem isso. Pode ser uma noite, duas tardes por semana. É uma questão de cada família encontrar a sua dosagem.

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