Estado reage após resgate de preso na UPA

Lajeado

Estado reage após resgate de preso na UPA

Um dia depois da ofensiva contra civis e agentes da Susepe, Judiciário determina interdição do presídio. Para o juiz Luís Antônio de Abreu Johnson, episódio demonstra a organização dos criminosos e a fragilidade das casas prisionais gaúchas.

Estado reage após resgate de preso na UPA
Lajeado

O Presídio Estadual de Lajeado ficará interditado pelos próximos 90 dias. Nenhum preso, de modo provisório ou fechado, poderá ser encaminhado ao local. A decisão foi tomada ontem pelo diretor do fórum, Luís Antônio de Abreu Johnson, após uma quadrilha da Região Metropolitana resgatar o presidiário de alta periculosidade Rudinei Lopes.

A ação aconteceu nessa segunda-feira, por volta das 20h, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e foi o estopim para a determinação. Para Johnson, demonstrou a organização dos criminosos e, em contraponto, a fragilidade do sistema penitenciário local.

Em coletiva ontem à tarde, ele e representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública apontaram que, além da falta de segurança, a infraestrutura do presídio é precária, e está superlotada.

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São 341 presos, três para cada vaga. A maioria deles vem da Região Metropolitana. “É humanamente inaceitável. Há uma cela com 24 detentos e seis camas. Ali dentro não há recuperação, apenas proliferação do crime”, realça o magistrado. A falta de efetivo “bem inferior para o regular funcionamento” também afeta a saúde física e mental dos agentes penitenciários, que padecem diante da pressão diária.

Infraestrutura precária gera riscos sanitários. Judiciário de Lajeado espera que medida de suspender novas detenções force o Estado a encontrar uma alternativa

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A situação já teria sido informada ao Estado por inúmeras vezes, e nenhuma ação prometida foi cumprida. Nem mesmo com a abertura da Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) houve alívio na lotação, crescente desde 2014, quando o presídio já tinha 180 detentos para 118 vagas. “Precisávamos de uma ação enérgica. É um risco para dezenas de pessoas. Pelo menos agora vamos estancar isso, e eles (Estado) terão tempo para colocar a casa em dia”, ressalta Johnson.

Reação imediata

Na madrugada de ontem, iniciou a transferência de detentos, com 15 presos enviados à Peva. Uma forma de desmantelar a organização da quadrilha e evitar novas tentativas de fugas. Uma revista também foi feita nas nove celas da galeria B, onde Lopes estava detido.

No local, foram encontradas mais de 20 facas artesanais, 44 celulares, baterias e carregadores. Aparelhos eletrônicos que permitiram o contato do presidiário resgatado com comparsas que estavam fora da cadeia.

Outra questão que preocupa o Judiciário, pois demonstra a falta de controle sobre a casa prisional, é o domínio de celas por membros de facções criminosas. “Não podemos fazer vista grossa diante dessas violações. Se os detentos não fazem seu papel, é porque o Estado não os faz cumprir”, afirma Johnson.

Presos nas delegacias

Pela falta de vagas nos presídios, Johnson acredita que, durante a interdição, há risco de os criminosos ficarem nas delegacias, como ocorre na Região Metropolitana. Hoje, nas comarcas de Estrela, Lajeado e Teutônia, cerca de cinco pessoas são presas por semana.

Magistrado decretou a interdição total. Esta é a primeira vez que isso acontece em Lajeado. As demais foram parciais

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O resgate

A ação dos criminosos aconteceu nessa segunda-feira à noite, quando o preso Lopes chegava à UPA, acompanhado de profissionais do Samu e dois agentes penitenciários. Ele teria apresentado sinais de infarto, com pressão arterial de 22 por 18 e dores no braço, o que fez o Samu orientar à Susepe o encaminhamento à unidade.

Porém, assim que a ambulância acessou a rampa da UPA, três criminosos saíram de dois carros, um GM Spin, azul e um Peugeot branco, e iniciaram uma série de disparos contra o veículo do Samu. Foram mais de cem, segundo a polícia. Um deles acertou o soro do preso. “Aquele líquido caiu sobre minha cabeça, e eu pensei que fosse sangue. Achei que estava morto”, teria dito um dos agentes penitenciários.

O prédio da UPA também foi alvejado. Alguns projéteis caíram sobre os leitos da unidade, mas nenhuma das 20 pessoas que aguardava atendimento foi atingida. Por fim, Lopes foi resgatado e levado em um dos carros.

Um agente penitenciário foi feito refém. Ele foi deixado em Taquari. Encontrado no fim da noite de segunda-feira, estava amarrado numa árvore, mas sem ferimentos. A GM Spin foi abandonada no interior de Cruzeiro do Sul, quando um Ford Ka vermelho foi furtado pelo grupo. Ninguém foi preso até o fim da tarde de ontem.

A situação abalou agentes da Susepe e funcionários da UPA, que ficaram amedrontados com a situação. Lopes é natural da região, e tem antecedente por assaltos.

Seis camas para 24 presos

Em uma visita ao presídio, é visível a superlotação e os riscos aos quais os agentes penitenciários estão expostos. Na Galeria A, são 12 celas. Na número 2, a ocupação seria para até seis detentos. Naquele espaço de quatro por seis, são seis camas e um banheiro sem porta e com vaso sanitário no chão. Ao todo, 24 presidiários ocupam o espaço.

O cheiro de cigarro é forte. Há roupas e pertences espalhados por todos os cantos. A iluminação é fraca, e as paredes estão gastas e com aparente mofo em alguns pontos. Um dos 24 presidiários pediu, ao agente, um medicamento para dor de barriga. Quando a porta é aberta, dá para sentir o forte calor que se propaga do espaço.

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Já na Galeria B, são outras nove celas, totalizando 21 no presídio estadual construído há mais de 50 anos. A tensão entre os servidores da Susepe é constante. “Já estamos acostumados. Já enfrentei rebelião em Caxias do Sul e, aqui em Lajeado, estava presente em uma tentativa de fuga, em 2008, quando atiraram contra o presídio”, lembra um dos agentes.

A notícia da interdição é aceita entre alguns servidores. Outros alertam para a transferência do problema para outras casas prisionais, onde colegas e amigos atuam na segurança. A sensação é de que a medida apresentada pela Justiça de Lajeado é paliativa e insuficiente. “As permutas de preso, me parece, continuam”, comenta um deles.

Sobre os colegas envolvidos na fuga de segunda-feira, os agentes penitenciários não sabem dizer quando voltam ao serviço. Fábio Rosso, que foi levado como refém e libertado em Taquari, só não teria sido morto pois houve intervenção do próprio presidiário que fugiu. “Os demais queriam matar ele”, diz um dos seis agentes que faziam o turno ontem à tarde.

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Mais atendimentos no presídio

Representantes das secretarias municipais de Segurança Pública e de Saúde, da Susepe, da responsável pela UPA, a Fundação Hospitalar Getúlio Vargas (FHGV), e da Brigada Militar (BM) se reuniram ontem à tarde na prefeitura. Na discussão, os atendimentos de presidiários em casas de saúde de Lajeado e dentro do presídio estadual.

A primeira medida, informa o secretário da Saúde, Tovar Muskopf, será aumentar a carga horária dos médicos que atuam dentro da casa prisional, no bairro Florestal. Hoje, um profissional concursado do município realiza atendimentos durante oito horas por semana, e uma médica voluntária realiza um turno a cada 15 dias.

Há também atendimentos mensais de um médico do Serviço de Atendimento Especializado (SAE), para tratar, principalmente, de presos com problemas de tuberculose. “A ideia é aumentar os atendimentos de doenças crônicas lá dentro, para evitar que essas virem doenças agudas e justifiquem eventuais saídas dos presidiários.”

O problema maior, informa ele, são os horários à noite e madrugada e aos fins de semana, quando a transferência dos presos com problemas de saúde é mais constante. Foi esse o caso de Lopes. “Ele apresentava pressão alta e taquicardia. Não sabemos se usou alguma droga para estimular esse quadro, mas a informação médica era objetiva e justificou a saída.”

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