Dor e incredulidade marcam despedida em Conventos

Lajeado

Dor e incredulidade marcam despedida em Conventos

Em luto, moradores do bairro Conventos tentam entender os motivos que levaram um pai a tirar a vida da própria filha e depois se matar. Relação conturbada com ex-mulher teria motivado o crime.

Dor e incredulidade marcam despedida em Conventos
Lajeado

Consternação, revolta, perplexidade, dor e espanto. Estes eram alguns dos sentimentos que permeavam, na tarde de ontem, o pensamento das cerca de cem pessoas que acompanharam o velório e sepultamento de Micaela Padilha Brauwers, 3, e Rodrigo Marciano Brauwers, 29.

Pai e filha moravam em Conventos e tiveram um fim trágico, que chocou a comunidade. Durante a madrugada de domingo, Brauwers teria sufocado a filha com um cobertor enquanto ela dormia. E depois teria a enforcado dentro do banheiro da casa, na Rua Arno Eckardt. Após, tirou a própria vida, enforcando-se em um quarto da residência.

A tragédia foi descoberta na manhã seguinte pelos pais de Brauwers, que residiam no mesmo terreno, em casa separada. O pai apenas chamou a Brigada Militar, e não deixou que ninguém se aproximasse dos corpos. Nem mesmo a mãe de Micaela. “Disse que se vissem o que tinha acontecido, ocorreriam mais mortes”, comenta uma vizinha.

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Depois da chegada da BM, o local foi cercado para perícia, e apenas autoridades tiveram contato com a cena do crime. Um policial que atendeu o caso, preferiu não comentar sobre o assunto. “Não quero me lembrar. É muito triste.”

Outra vizinha da família conta que haviam muitos curiosos. “As pessoas vinham de longe querendo olhar. Estávamos todos apavorados.” Até mesmo a família de Brauwers não conseguia compreender por que ele matou a filha. “Não há força agora. Não entendo porque ele não deixou a menina pra mim”, desabafou a mãe de Brauwers, durante o velório. Em duas cartas deixadas pelo pintor, ele teria afirmado que o amor por Micaela era tão grande, que preferiu levar ela junto consigo. A investigação do caso está sendo feita pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).

Conflitos familiares

Brauwers e a mãe de Micaela, Celi Mariano Padilha, 36, estavam separados desde o início do ano. Em 16 de janeiro, a Justiça havia deferido medida protetiva, após o pintor agredir a filha de 15 anos de Celi, fruto do primeiro casamento.

Segundo a adolescente, o padrasto não aceitava seu homossexualismo. Motivo de diversas brigas entre os dois. Até que em um dia, ele desferiu um soco no rosto dela. Após a menina prestar na queixa na polícia, e sair de casa, a mãe decidiu se separar do agressor. O casal estava junto faziam quatro anos, tinha união estável, e Micaela era a única filha em comum. Na separação, Celi ficou com ela, e outros três filhos mais velhos na casa onde já residiam, em Conventos.

Brauwers teve que retornar à residência onde morava, nos fundos da casa dos pais, distante cerca de dois quilômetros da ex-mulher. Ele não aceitava o fim do relacionamento. O que levou a situação a ficar ainda mais conflitante entre Celi e Brauwers. Em abril, o pintor chegou a pedir a guarda exclusiva da filha, mas foi negada. A mulher ganhou a guarda, no dia 5 de abril, mas o pai tinha direito de convivência.

Ficava com a menina nos fins de semana intercalados – entre às 9h de sábado e 18h de domingo. Isso ocorria a cada 15 dias. Ele também a buscava na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Doce Infância todas as quarta-feiras. O encontro terminava na quinta-feira pela manhã, quando Micaela retornava à creche.

Há cerca de 10 dias, Brauwers e Celi teriam se encontrado em uma festa. Ele teria a ameaçado de morte, e a mulher pediu nova medida protetiva, que foi atendida. Segundo familiares, a polícia também teria indicado que ela não entregasse mais a menina ao pai.

No sábado passado, quando o pintor foi à residência da ex-mulher, ela negou a entrega. Disse que só a faria a uma das duas irmãs dele. No momento, ele teria voltado à ameaçá-la. Falado que esta seria a última vez que buscaria Micaela. Mais tarde, Celi acabou deixando a menina ir com uma das tias. A pequena teria falado que estava indo embora.

Visões opostas

Moradora faz dez anos do bairro, uma vizinha da família relata que o homem era pacato, não conversava com os vizinhos. Mas parecia ser um bom pai. A menina era meiga, cumprimentava, mas advertida pelos familiares paternos quando mantinha contato com outras crianças. “Sempre foram muito fechados. Nunca cheguei a trocar uma palavra com ele”, afirma.

Familiares de Brauwers concordam que o homem era tranquilo. Tinha na pintura sua única profissão, e na filha Micaela o maior amor. O mesmo ele sentia pela ex-mulher. A separação o teria feito entrar em depressão. Quando pensou que perderia o contato com a filha, comentou que travaria a própria morte. Mas não aceitava o tratamento. Acreditava não estar doente. Natural de Forquetinha, ele era o mais novo de quatro irmãos, e nunca teria se envolvido em confusões. “Era uma pessoa boa. Mas ela ameaçava sumir com os filhos, e ele entrou em colapso. Desespero total. Mas o que aconteceu é um absurdo. Não podia ter levado ela. Na cabeça dele, ela era só dele.”

Uma das filhas de Celi tem uma visão bem diferente do ex-padrasto. Ela foi agredida durante uma briga, e afirma que Brauwers nunca foi calmo. Eles se conheceram quando Celi já estava grávida de Micaela. “Um dia minha mãe me ligou, e disse que estava grávida. Eu era louca para ter uma irmã. Parecia um presente na minha vida.”

Na época, a adolescente morava com o pai, em Progresso, e decidiu se mudar para ficar com a mãe, e o irmão mais novo, de 13 anos. Desde a sua chegada à residência da família, os ânimos teriam ficados exaltados, porque o pintor não aceitaria sua opção sexual. “Nunca foi bom. Ele queria ter o poder sobre todos. Bebia muito também.”

Depois dela, o irmão mais velho, de 19 anos, também foi morar com a família. Mas as brigas não cessavam. “Como era ele quem pagava as contas, exigia nosso respeito. Mas não dava o respeito. Ele agredia minha mãe ele verbalmente. Ela ficava quieta para tudo”, afirma.

Celi está em estado de choque. Não fala, não chora. “Viu ela sair de casa bem. Agora só a viu num caixão. Não tem como, ela desabou.”


Violência diária

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Titular da Vara da Família, juiz Luís Antônio de Abreu Johnson, afirma que não houve omissão do Poder Judiciário no caso. Nenhuma vez houve pedido de prisão contra Brauwers, apenas de medidas protetivas. O acordo de guarda foi feito com a mãe, que não relatou nenhum problema do pai com Micaela. “Não podemos ter a percepção de que ele vai matar a própria filha. O histórico de agressão nem era contra a mulher, mas contra a filha de outro casamento.”

O juiz relata que, por semana, realiza de 70 a 80 audiências de separação e regulação de guarda. Alguns com sinais mais graves, mas nenhum com desfecho tão violento. “Sempre notamos que a inconformidade com o término das relações geram reações das mais tresloucadas, principalmente nos homens. Mas é muito difícil prever a reação de uma pessoa. Na verdade ele não descumpriu a medida protetiva, mas suprimiu a vida de uma inocente de três anos.”


A depressão propulsora de violência

Fábio-Vitória

Psiquiatra Fábio Vitória analisa como a depressão, e a inconformidade com o fim de um relacionamento, pode ser um propulsor de atos violentos. Esclarece, antes, que os apontamento não são sobre o fato específico, por questões éticas e de respeito.

A Hora- Um quadro depressivo poderia impulsionar atos violentos?

Fábio Vitória – A depressão é uma doença que causa uma série de sintomas, que podem mudar de pessoa para pessoa, dependendo do tipo da patologia e do grau de acometimento.

Pessoas com depressão podem apresentar, como um dos sintomas da doença, mudanças involuntárias no próprio pensamento. São várias as alterações que podem acontecer no conteúdo e não necessariamente todas ocorrem ao mesmo tempo.

Num quadro mais grave, podem ocorrer sintomas psicóticos, que caracterizam-se por alucinações e/ou pensamentos delirantes. Sendo assim, uma pessoa com depressão psicótica pode “escutar vozes” sussurrando, ordenando que machuque ou mate uma outra pessoa, ou que tire a própria vida.

Qual a avaliação necessária em casos de guarda compartilhada, onde uma das pessoas possui doença psiquiátrica?

Fábio Vitória – As situações onde estão em jogo a discussão da guarda de uma criança devem ser analisadas, cuidadosamente, por equipes intersetoriais e interdisciplinares. Neste contexto, pessoas com sabido histórico de doença psiquiátrica prévia merecem uma análise mais detalhada.

Histórico pregresso de violência é outro fator que deve ser, da mesma forma, examinado com detalhes. Não, necessariamente, agressão e depressão possuem relação entre si. Comportamento agressivo é um capítulo a parte na psiquiatria, uma vez que possui causas diversas, que precisam serem tratadas para que a violência não se perpetue. Importante deixar claro que o fato de possuir qualquer transtorno psiquiátrico não invalida a capacidade de ser pai, nem de ser mãe.

Situações de ciúmes e de inconformidade com términos de relacionamentos são comuns. É possível prever uma “vingança”?

Fábio Vitória – Reações de tristeza, de brabeza, de dificuldades de ajustar-se sem o companheiro são consideradas como normais nestas ocasiões, quando passageiras, e quando não colocam a si mesmo ou terceiros em riscos. No entanto, existem casos de desfechos conjugais trágicos, envolvendo agressões, abusos, obcecações, importunações diversas e, nos casos mais extremos, homicídios e suicídios.

Quanto mais longe da normalidade são os acontecimentos advindos dos fins dos envolvimentos amorosos, maior é a probabilidade de existência de alguma perturbação psíquica. Há pessoas que ficam “passionalmente cegas” diante destas situações, esquecem-se da própria vida e do que as cercam, e voltam-se apenas para a relação conjugal frustrada. Dependendo da personalidade e da dinâmica psicológica dos envolvidos, quando parece que não há mais possibilidade de retorno ao relacionamento, podemos presenciar atitudes de apelo e de “vingança”.

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