O governo estadual quer transferir para médicos-veterinários da iniciativa privada a inspeção feita hoje por fiscais agropecuários nas indústrias de produtos de origem animal. Pela proposta, os profissionais seriam contratados via empresas cadastradas pela Seapi. O trabalho seria coordenado e fiscalizado por agentes públicos e poderia ser auditado por organismos independentes.
Conforme o secretário da Agricultura Ernani Polo, a proposta é estudada faz dois anos e tenta driblar a escassez de funcionários para essas funções. Para amenizar o problema, a Seapi tem recorrido a convênios com municípios.
Hoje, 140 pessoas trabalham no serviço de inspeção (cem concursadas e 40 via convênios com prefeituras) em 238 indústrias com fiscalização estadual. Seriam necessários pelo menos mais 60 para atuar na inspeção. Pela lei vigente, apenas os médicos-veterinários da secretaria podem fiscalizar e inspecionar as indústrias.
De acordo com Polo, a limitação de pessoal e o aumento da demanda impedem a implantação de novos turnos em 22 empresas e emperram o começo das atividades em dez plantas frigoríficas. “Deixamos de arrecadar mais de R$ 20 milhões em ICMS ao ano por causa disso e 500 novos postos de trabalho deixam de ser criados”, enumera.
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Nesse novo modelo, já adotado em alguns estados (Paraná e Santa Catarina) e por outros países, os veterinários seriam habilitados a partir de treinamentos coordenados pela Seapi com auxílio de entidades como o Senai e Universidade Federal de Santa Maria. O custo da qualificação ficaria a cargo da indústria. Inicialmente valerá para plantas que operam nos sistemas Cispoa e Susaf.
Conforme o presidente do Fundesa, Rogério Kerber, quem se manifesta é o setor agroindustrial e o parecer é favorável. Para ele, o não atendimento da demanda da expansão da produção é inaceitável. “É necessário modernizar o sistema. A proposta estruturada valoriza a fiscalização e atribui ao médico-veterinário a função de inspeção – ante mortem e post mortem. Dá valor ao produto e ao consumidor”, enfatiza.
O projeto de lei que pretende alterar as regras vigentes será encaminhado à Assembleia Legislativa em breve.
Saúde pública comprometida
Conforme a presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul, (Afagro-RS), Angela Antunes, “os profissionais terceirizados estarão submetidos a uma situação precária de empregabilidade, extrema fragilidade e promiscuidade. Isso porque não possuirão poder de polícia administrativa, e não terão autoridade para autuar, apreender e condenar produtos que possam prejudicar a saúde pública”, crê.
O presidente do Conselho Regional de Medicina-Veterinária do RS, Rodrigo Lorenzoni, vê como calcanhar de aquiles a escolha da empresa a ser contratada ficar a cargo da própria indústria. Destaca que o déficit de funcionários não põe em risco a qualidade do alimento, mas causa prejuízo econômico e dificulta a abertura de novos empreendimentos.
O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), Marcos Lessa, se diz contrário. “Hoje é um mantra colocar a terceirização como a solução de todos os problemas. Pode até ser uma solução para a corrupção. A gente deveria terceirizar o Congresso Nacional. Falar em terceirização de atividades do Estado é um absurdo”, diz.
Questão de ética
Luciano Eggers, empresário de Venâncio Aires, entende que o projeto será benéfico. Quanto à ocorrência de fraudes que possam colocar a saúde do consumidor em risco, entende que isso pode ocorrer tanto no modelo atual como no proposto. “Depende da índole do fiscal, produtor e empresário. Eu não forneço ao mercado uma carne que não consumiria em casa”, comenta.
Recentemente o veterinário contratado pela empresa fez uma viagem de estudos para a Nova Zelândia onde todo sistema de inspeção de produtos de origem animal é feito por profissionais da iniciativa privada. “Manter a qualidade do produto ofertado depende da ética de cada um e de uma mudança cultural. O consumidor precisa deixar de comprar de quem infringe a lei. Assim termina a clandestinidade”, ressalta.
Eggers investiu R$ 500 mil nos últimos anos na modernização e ampliação da estrutura. Por mês, são abatidos em torno de 500 suínos, cujo peso médio é de 60 quilos, além de gado.