Facção desafia o Estado e alerta a comunidade

Vale do Taquari

Facção desafia o Estado e alerta a comunidade

Criado dentro das prisões gaúchas, o grupo expande a atuação para o Vale do Taquari. Conquistou pontos de tráfico e usufrui de um mercado consumidor potente. Desafio das autoridades é manter a confiança no Estado e contar com a ajuda da comunidade.

Facção desafia o Estado e alerta a comunidade
Vale do Taquari

A chegada de uma facção criminosa na região preocupa as autoridades. Acostumados à desorganização dos criminosos, os órgãos estaduais são desafiados a conter um grupo inteligente, que depois de várias ações violentas tenta a aproximação com a comunidade.

Há algumas semanas, a realização de eventos e postagens em redes sociais têm sido a forma do grupo mostrar que tem um “projeto social”, com vistas a dar guarida aos mais vulneráveis, substituindo o papel do Estado.

Confusa e receosa, a população conflita entre a impotência e a insatisfação. E ainda tenta entender como o que era distante ficou tão próximo. Acontece na outra rua, ou no vizinho ao lado. Como é o caso de moradores do bairro Moinhos, que após três meses vendo a mesma marca nas paredes ainda se perguntam do que se trata.

Mas sabem que acima do significado da palavra está a violência, que os impede de atravessar a rua e apagar a imagem. Eles lembram que tudo começou há cerca seis meses, quando a facção deu os primeiros passos para dominar o tráfico na cidade.

Cristiano Mateus Soares, o “Bilé”, sofreu cinco tentativas de homicídio. A facção queria tomar seu ponto no centro, em local conhecido como Cantão do Sapo. Nesses ataques, o traficante que se negava a trabalhar para o grupo foi alvo de armamentos pesados e até de uma granada. O que resultou no homicídio de pelo menos três de seus comparsas. Imposição pela violência que o fez ceder. Na época, ele estava preso no regime semiaberto. Agora, está em regime fechado e, pelo risco que causa, foi transferido para outra cidade. Desde então, os ânimos se acalmaram. Mas no fundo, os moradores do bairro Moinhos sabem que o crime só tem ampliado.

Demarcação de território, com o nome e número da facção, é regra interna. Primeiras marcas em Lajeado surgiram faz cerca de três meses

Demarcação de território, com o nome e número da facção, é regra interna. Primeiras marcas em Lajeado surgiram faz cerca de três meses

Além desse ponto no centro, a facção tomou outros locais de interesse, como nos bairros Conservas e Jardim do Cedro. Lá, além de pichar sua marca nas paredes para demarcar território, faz marketing de uma marca de cigarro, contrabandeado do Paraguai, que comercializa. O que também pode ser percebido na ERS-130, em direção ao Vale do Rio Pardo, onde a facção já atua faz mais tempo.

A maior atração para o grupo no Vale teria sido o mercado consumidor local, considerado potente, por ter uma média mensal de 2,5 salários mínimos por habitante. A Polícia Civil considera que isso tenha sido percebido quando presos da Região Metropolitana foram encaminhados para Lajeado.

Da capital para o interior

Inspirada em milícias como o PCC e Comando Vermelho, a facção é a mais antiga do RS e pratica todos os tipos de crimes relacionados ao tráfico de drogas, desde furtos, roubos até contrabandos, tráfico de armas e homicídios. Além de Lajeado, também estaria tentando se fixar em Passo Fundo e Pelotas, impondo sua própria lei. Descrita em documento, é assinada por todos os participantes do grupo, que comprometessem a atende-lá, sob o risco de represálias.

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Essas leis também podem ser estendidas aos moradores das imediações onde a facção atua. Na tentativa de formação de um sistema paralelo ao Estado, como ocorre em diversas favelas. O discurso é “paz na quebrada”, humildade, respeito e união, mas que são mantidas por meio da violência.

O que não teria intimidado a população de Lajeado. Segundo a Polícia Civil, apesar do receio em relação aos criminosos, e da falta de confiança no poder público, os moradores têm auxiliado com informações e denunciado as ações dos criminosos. “A comunidade vê o nosso trabalho, no dia a dia, espero que mantenham a colaboração. Até porque a população será a mais prejudicada, não só pelo tráfico, mas pelos outros crimes que o mantém”, ressalta o delegado regional da Polícia Civil, Miguel Mendes Ribeiro Neto.

Facção ocupa parte de uma galeria no Presídio Estadual de Lajeado, onde também imprime suas marcas

Facção ocupa parte de uma galeria no Presídio Estadual de Lajeado, onde também imprime suas marcas

Trabalho minucioso

Agora a Polícia investiga quais serão próximos passos facção. O objetivo é barrar a expansão, e desmantelar o grupo, em ações pontuais. Desde o início do ano, oito pessoas suspeitas de ligação com o grupo foram presas, em uma parceria da Polícia Civil com a Brigada Militar. Parte delas é moradora da região e teria se rendido ou deixado seduzir pela glamourização de integrar um grupo de tamanho poderio, que teria movimentado cerca de R$ 18 milhões nos últimos anos.

Em relação aos cigarros, a polícia tem conhecimento sobre a forma de atuação dos marginais, mas não recebeu qualquer denúncia quanto a ameaças para consumo ou venda dos produtos. A facção também teria trabalhado contra a venda do crack, que causa desespero na abstinência, sendo propulsor de furtos e roubos, até nos arredores de onde a droga é vendida, o que chama a atenção das pessoas, e da polícia.

Entrada no sistema prisional

Algumas cooptações também passaram a ser feitas dentro dos presídios. A arregimentação ocorre por ameaças ou promessas de proteção. De acordo com a administrador David Horn, e o chefe da segurança do Presídio Estadual de Lajeado, Eberson César Bonet, a entrada dos primeiros componentes da facção ocorreu em março, após um acordo de trégua entre os detentos. Até então, os presos não aceitavam receber membros da facção, pelas disputas externas de território. Esses eram levados à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva). Somente quando o grupo dominou alguns pontos na cidade, começou a ser aceito, e passou a ocupar espaço dentro da casa prisional de Lajeado. Os presos são encaminhados para apenas uma das galerias, onde tentam impor regras e convencer novos aliados. “Eles recebem ordens dos superiores e devem cumpri-las.”

Há algumas semanas, o grupo determinou a extinção da venda e consumo do crack dentro da prisão, o que foi aceito pelos demais presos. Isso, após alguma resistência de integrantes do Bala na Cara, que também querem espaço na cadeia. “A maioria aqui se considera aberta, ou seja, não faz parte de nenhum grupo. Mas em acordo aceitaram a determinação. Para nós, é um ponto positivo, pois é uma droga muito forte.”

Atenção redobrada

Porém, segundo a segurança prisional, outras regras ou tentativas de demarcação não foram aceitas. Nenhuma pichação ou pintura nos pátios foi permitida, apenas dentro das celas. Além disso, os membros da facção também precisam seguir os horários determinados para alimentação e se manterem dentro das selas até a saída determinada para o pátio. Revistas também são acordadas. “Estabelecemos com eles que o controle é nosso. Entramos a hora que quisermos”, garante a Susepe. A repressão a outros presos também é evitada. “Trabalhamos para que a alimentação chegue a todos. Que ninguém sinta-se intimidado por não ter o que comer.”

Eles ainda trabalham para conter outras ações desse crime organizado, que costuma fazer ações mais efetivas. “Tem carro esperando quando eles saem. Isso era muito difícil de acontecer antes.” Conseguem manter contato por redes sociais com parceiros, e obedecem uma hierarquia, como dentro de uma empresa. Cada um com sua função, e comprometimento. “Precisamos ter maior cuidado ainda no nosso trabalho, pois essa manipulação em massa é o que os fortalece.”

“Se engana aquele que pensa não ser afetado pelo problema do outro”

O 3º promotor criminal de Lajeado, Edérson Maia Vieira, afirma que as facções estão enraizadas na região. Ele pediu atenção à comunidade, diante das ações do grupo.

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A Hora – A desconfiança das pessoas poderia levar à crença de guarida social da facção?

Promotor – Esta oferta inicial de segurança cobrará um preço alto. O cidadão deverá concordar com as atividades ilícitas praticadas na comunidade, cumprir as determinações emanadas dos líderes até mesmo no aspecto pessoal. O criminoso ditará as regras e todo aquele que discordar não será julgado em processo demorado, com final pena irrisória, sofrerá um julgamento rápido e com pena prevista, de regra, corporal, dentre elas, a morte.

Qual seria a saída neste momento para a região, ou já é tarde demais para afastar esse estado paralelo?

Promotor – Considerando que o problema não é local, mas nacional, somente uma alteração legislativa radical, com o fim dos ineficazes regimes semiaberto e aberto; imposição de maior tempo de pena em regime fechado com regras rígidas; valorização do verdadeiro cidadão; e mudando-se a cultura da ostentação com pouco trabalho e sem risco de prisão.

De igual forma, cabe lamentar que o cenário atual foi anunciado pelo Ministério Público desde o instante em que o governo do estado, de forma temerária e para contornar mídia negativa, passou a transferir sistematicamente presos da Região Metropolitana para os Vales.

Como a população pode se proteger?

Promotor – Levando o fato a conhecimento das autoridades, ainda que de forma anônima, possibilitando identificar os envolvidos, depósito de armas e drogas, além de autores de crimes cometidos na comunidade e fora dela, com isso dificultando a permanência e o sucesso do grupo criminoso. Mesmo porque se engana aquele que pensa não ser afetado pelo problema do outro, pois, amanhã, a hoje testemunha omissa, amanhã será a vítima, um povo covarde, acaba por ser escravo.

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