Para Gianetti, consumismo destrói o ambiente e adoece a humanidade

Vale do Taquari

Para Gianetti, consumismo destrói o ambiente e adoece a humanidade

Evento reuniu o economista brasileiro Eduardo Gianetti e o filósofo francês Gilles Leipovetsky em debate sobre os rumos da sociedade de consumo. Pensadores alertaram para prejuízos pessoais e ecológicos do estilo de vida baseado apenas na aquisição de bens materiais.

Para Gianetti, consumismo destrói o ambiente e adoece a humanidade
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O Teatro de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, recebeu na segunda-feira, 5, o segundo encontro do Fronteiras do Pensamentos 2017. Dois dos principais pensadores da contemporaneidade abordaram os limites do hiperconsumismo e suas consequências para a civilização.

O filósofo francês Gilles Leipovetski iniciou o painel falando sobre tema abordado em seu mais recente livro, Da Leveza: Rumo a uma Civilização sem Peso. Segundo ele, a sociedade contemporânea vive o paradoxo do hiperconsumo, em que todas as experiências foram monetizadas e se tornaram itens à venda.

Conforme o pensador, se antigamente as pessoas recorriam aos amigos para desabafar, hoje as conversas profundas ficam relegadas a horas marcadas em psicólogos. “Para correr, pagam mensalidades em academias.”

Leipovetsky chama de leveza a futilidade motivada pelo hiperconsumo. O francês ressalta a valorização da diversão, do lazer, a da possibilidade de adquirir coisas rapidamente, em detrimento dos conceitos que ajudaram a construir a sociedade, o sacrifício e o trabalho árduo.

“Este cenário é facilitado pela evolução tecnológica”, ressalta. O filósofo aponta as técnicas de informações como facilitadoras do consumo incessante e irracional. Lembra que qualquer pessoa com acesso a computadores ou smarthfones pode comprar com facilidade qualquer coisa sem precisar se deslocar.

Dessa forma, alerta, as pessoas tentam comprar uma resposta para a angústia provocada pela abundância disponível na atualidade. “Quanto mais a sociedade anda em direção à ligeireza do consumo, mais o cotidiano pesa em nossa existência.”

Cita como exemplo a relação dos homens com os automóveis. Conforme Leipovetsky, se antigamente um carro facilitava as atividades cotidianas, tornando a vida mais leve, no estágio atual da sociedade, ele transfere para a civilização o peso dos engarrafamentos.

Mesmo criticando o modelo pelo qual o capitalismo desenvolveu a sociedade moderna, o filósofo diz não acreditar em qualquer alternativa radical ao sistema. Para ele, as virtudes da sociedade contemporânea residem nos mesmos elementos que causam as angústias pessoais, como a liberdade de escolha, a melhora nos padrões de vida e o desenvolvimento tecnológico e científico.

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Segundo o filósofo, a chave para a mudança de paradigma capaz de oferecer o equilíbrio das relações humanas e de consumo está na educação e na cultura. Dessa forma, acredita, a civilização poderá propor para a juventude objetivos de vida mais elevados do que viajar de férias e ir ao supermercado.

Desertos internos e externos

Eduardo Giannetti iniciou sua explanação citando uma frase do papa Francisco. “Os desertos externos estão crescendo porque os desertos internos se tornaram tão vastos”, alegou. Segundo ele, os desertos externos se referem a um dos principais dilemas contemporâneos: a relação entre a sociedade e a natureza.

Conforme o economista, o avanço tecnológico que prometia facilitar a dominação do homem sobre a natureza provoca justamente a perda do controle sobre o ambiente. Como exemplo, cita fenômenos com a crise hídrica e os desastres climáticos.

“A terra não suporta a sociedade de hiperconsumo”, sentencia. De acordo com o pensador, existem dois tipos de consumo. O primeiro está relacionado às reais necessidades do ser humano, enquanto o segundo representa uma posição de status cujo valor decorre da exclusão dos demais.

“Se um jovem que trabalha no mercado financeiro comprar uma BMW, o faz pela diferenciação posicional que o bem representa”, relata. Segundo ele, caso esse jovem perceba que todas as outras pessoas têm esse mesmo bem, ele perde seu valor posicional na sociedade.

Conforme Giannetti, a valorização social da aquisição de bens materiais provoca uma verdadeira corrida armamentista de consumidores, causando o que o papa Francisco chamou de desertos internos: o vazio existencial.

Segundo ele, a ciência e a tecnologia venderam a promessa de tornar o homem pleno e inteligente. Por outro lado, alerta, ao mesmo tempo em que aumentamos a nossa compreensão sobre “coisas”, sabemos cada vez menos sobre o nosso propósito na ordem do universo.

“Quanto mais sabemos sobre o universo, mais desprovido de sentido ele parece”, resume. Dessa forma, alerta o economista, chegamos a uma sociedade em que as doenças psicológicas se tornaram endêmicas. Segundo ele, elas representam hoje mais riscos aos seres humanos do que enfermidades como o câncer e as cardiopatias.

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“Precisamos ter a coragem de dar um basta nessa caminho, porque ele se encerrou.”

A Hora – É possível acreditar em uma sociedade alternativa à capitalista de consumo diante dos resultados frustrantes das experiências realizadas no século passado?

Eduardo Giannetti – O século XX foi cruel, com as pirações das utopias totalizantes, cujo desastre é definitivo. É uma lição que aprendemos duramente. Não entendo que isso signifique o fim da utopia, nos impeça de sonhar coletivamente e pensarmos formas alternativas de viver e buscar a nossa realização. A humanidade carece disso. O consumo acaba sendo muito mais sintoma e válvula de escape. É quase uma medida de desesperados que não encontram alternativa. Entre outras coisas, porque o mundo do trabalho está fechado à realização humana. Na medida que a pessoa não pode alcançar a satisfação no que faz, buscará isso no mundo do consumo. É pelo que ela tem que vai mostrar ao mundo a sua expressão de individualidade. O mundo que oferecer, no trabalho, mais alternativas de expressão e autorrealização, nos levaria para um outro caminho, que não esse de uma exacerbação do consumo.

O mundo enfrenta uma grande sequência de crises econômicas que atrapalham o desenvolvimento e resultam em pobreza. A produção capitalista chegou ao seu limite?

Giannetti – Eu acredito que o que está em crise são valores, não a forma de produção. O ocidente moderno elegeu três valores em detrimento de quase tudo. O pensamento científico, a tecnologia e o crescimento econômico são idolatrados e tudo que não seja condizente a esses três ícones da modernidade fica em plano secundário. A experiência do início do século XXI mostra os limites desse caminho. A ciência não sacia nossa aspiração de compreensão do sentido, em termos humanos, do universo e da nossa situação na natureza. A tecnologia, que prometia o ‘assenhoramento’ do mundo natural, ameaça o grave descontrole das bases naturais da vida. E o crescimento econômico, que foi apontado desde o iluminismo como o grande passaporte da felicidade humano, também revelou que não entrega esse sentido de bem-estar e realização. Se você vem de uma sociedade muito pobre, existem necessidades materiais elementares que precisam ser atendidas e ninguém pode pôr em dúvida isso. Mas, a partir de um certo nível de renda, não existe qualquer evidência que seguir acumulando riqueza gera mais felicidade.

Quais valores podem corrigir esse desequilíbrio psíquico e ecológico provocado pela sociedade de hiperconsumo?

Giannetti – As culturas que têm elementos de pré-modernidade têm algo de original a oferecer como uma utopia para a humanidade: uma civilização menos calcada nessa exacerbação do elemento competitivo da vida em detrimento da afetividade. Culturas como a brasileira, que preservaram isso graças à integração das culturas ameríndias e africanas, carregam a promessa de uma outra forma de vida. É um contraponto a essa cultura anglo-americana, da ciência, da tecnologia e do crescimento econômico. Não falo isso em um tom profético ou xenófobo. Não vamos ensinar ao mundo o que é melhor, mas precisamos ter a tranquilidade de sermos como somos. O que é dar certo para o Brasil? É virar um estado do sul dos EUA? Não é, não são nossos valores. O que somos não pode ser medido por essa métrica falida do PIB per capta, do consumo, da competição feroz em um mundo que já tem tenologia de sobra para as pessoas viverem muito bem, com dignidade e sem sacrificaram tudo pela economia. Precisamos ter a coragem de dar um basta nesse caminho, porque ele encerrou. Se eticamente ele já estava falido, o limite agora é posto de fora, pela natureza, que não tolera essa forma de vida.

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