A curiosidade e a saúde mental e física serão fatores que diferenciarão as pessoas
Diferente dos últimos festivais da publicidade em Gramado, a última edição – sob o tema “Nunca a diferença fez tanta diferença” – contrapôs o discurso tecnológico habitual. Mais de duas mil pessoas – maioria jovens estudantes de Publicidade – ouviram do CEO do Grupo Abril, Walter Longo, um alerta.
Ele abriu o evento com a palestra “Trilema Digital”, discurso sobre os principais impactos que a tecnologia e a sociedade globalizada provocaram no modo de pensar e agir. Para ele, a internet reduziu os limites de acesso ao conhecimento, mas as pessoas não se interessam em aproveitar o que está disponível. Defendeu a curiosidade como o fator que diferenciará as pessoas. “A curiosidade está para o conhecimento como a libido está para o sexo. Estamos assistindo a uma polarização de conhecimento”, comparou, ao considerar que a internet tem tornado os sábios mais sábios e os estúpidos mais estúpidos.
Exteligência, tribalismo e compartilhamento são, na opinião de Longo, o trilema de desafios diante dos impactos determinantes que o universo digital traz para a sociedade e a economia. “Antigamente todas as informações eram guardadas na memória. Hoje, tudo que queremos está disponível ao toque de um botão, o que é espetacular, porém, sem informação na cabeça, os neurônios não fazem sinapse. Ou seja, não há criatividade e geração de insights”, alertou.
Esse fenômeno nos leva à exteligência em rede, onde existe a perda na qualidade do pensamento. E sem isso não vamos longe. “Curiosidade é, antes de tudo, uma atitude ativa e não passiva.” Disse que estamos no momento em que mais podemos aprender, mas não queremos, pois a internet nos permite ignorar. “Há 30 anos apenas quem vivia em grandes cidades tinha acesso a informações relevantes. Hoje, qualquer pessoa pode acessar a biblioteca de Washington”. Perdemos o interesse por aprender, preferindo compartilhar conteúdo de pouca profundidade.
O segundo ponto seja talvez o que mais impacta na harmonia da sociedade. O tribalismo afasta todo pensamento diferente. “O que contradiz a nossa opinião não nos interessa e não queremos saber. Só lemos opiniões que estejam de acordo com as nossas crenças”, exemplifica. Criamos grupos afins para combater os que pensam diferente. “Assistimos ao fim do contraditório, e isso se reflete em indiferença e violência”. Seguir e compartilhar quem pensa igual leva ao isolamento. “Ninguém fará a diferença neste mundo se não respeitar as diferenças”. Na opinião de Longo, o uso crescente de algoritmos oferece cada vez mais de cada vez menos”.
O terceiro trilema trata dos riscos do compartilhamento e do consumo consciente. O mundo está inclinado a valorizar a redução do consumo, sem estar preparado para os impactos que a desaceleração da espiral econômica provoca. É preciso avaliar os modelos e encontrar uma solução para crises eminentes.
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No final, Longo afirmou que a beleza da raça humana está na capacidade de encontrar soluções. Provocou a plateia a pensar com discernimento e afirmou que as notícias amargas em tempos difíceis são o custo que temos para criar um novo Brasil. Entende que um novo país está nascendo, onde os espertos precisam dar lugar aos mais honestos.
Linha de pensamento nessa direção foi apresentada por Gil Giardelli, estudioso da cultura digital e professor na ESPM e USP. Ele ponderou que a flexibilidade cognitiva e empatia dominarão o mundo. “Mente, alma e corpo saudáveis serão atributos de quem fará a diferença no futuro. Duas em cada três pessoas desenvolverão doença depressiva”, observou. Disse que não adianta consumir conteúdo fútil na internet e não fazer sinapses, por meio de estudos e reflexões. Avisou que a internet avançará sem fronteiras e as pessoas, se não se cuidarem, serão dominadas pela tecnologia e perderão o sentido das coisas.
Os demais palestrantes, a maioria jovens, também adentrou na importância de envolver as pessoas por meio de conteúdos relevantes. Donos e profissionais de agências de publicidade e de conteúdo relataram os desafios da criação numa era da superficialidade crescente. O vencedor de prêmios de Cannes, André Kassu, chamou a atenção para a história. “Quando o assunto é inovação, e é um engano acreditar que ela existe apenas no futuro, e não no passado”. O recado foi aos que creditam tudo ao novo e rechaçam o conhecimento dos mais experientes. Falou da infância e de como essa foi importante para sua formação e respeito às diferenças.
Em resumo, o 21º Festival Mundial de Publicidade deu um recado de que é necessário revisar alguns conceitos criados nos últimos anos sobre a era digital e como essa impactará na inteligência humana e na economia. E, nesse contexto, os profissionais da comunicação, especialmente os da criação, terão papel fundamental para a disseminação de novas percepções.
Opinião
Adair Weiss
Diretor Executivo do Grupo A Hora
Coluna com visão empreendedora, de posicionamento e questionadora sobre as esferas públicas e privadas.