Região tem uma farmácia para cada  dois mil habitantes

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Região tem uma farmácia para cada dois mil habitantes

São 195 estabelecimentos nas 38 cidades do Vale do Taquari. Número é quatro vezes maior ao recomendado pela OMS

Região tem uma farmácia para cada  dois mil habitantes
Vale do Taquari

Levantamento do Conselho Regional de Farmácia do RS mostra que 195 estabelecimentos estão à disposição da população no Vale. A concentração extrapola orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O órgão sugere uma farmácia a cada oito mil habitantes. A concentração de estabelecimentos na região mostra uma média de uma farmácia para cada 1,9 mil moradores. Índice excede quatro vezes a recomendação.

Cerca de 43 farmácias seriam suficientes para abastecer a região se a indicação feita pela OMS fosse atendida. Lajeado concentra quase esse total. O município tem 42 lojas. A média é de uma para cada 1,8 mil habitantes. São 33 drogarias, com venda de medicamentos e produtos de higiene e beleza, e nove farmácias de manipulação.

Basta uma rápida  caminhada pela rua Júlio de Castilhos e Avenida Benjamin Constant, no centro, para verificar a alta concentração (confira mapa).

Alguns pontos concentram até dois estabelecimentos no mesmo quarteirão. Na Júlio de Castilhos, na esquina com a Santos Filhos, duas farmácias estão localizadas uma de frente para a outra.

Lajeado concentra quase 24% do total de farmácias da região. São 42 lojas espalhadas pela cidade. Maior aglomeração encontra-se na rua Júlio de Castilhos com a Santos Filho

Lajeado concentra quase 24% do total de farmácias da região. São 42 lojas espalhadas pela cidade. Maior aglomeração encontra-se na rua Júlio de Castilhos com a Santos Filho

A média por habitantes extrapola a de Porto Alegre.  Uma matéria publicada pela Zero Hora, em abril, mostra média de um estabelecimento a cada 2,1 mil habitantes na capital.

Menor concentração

Das seis maiores cidades do Vale, Taquari concentra a menor média. O município conta com uma farmácia para cada 2,2 mil habitantes. Encantado e Arroio do Meio uma para cada duas mil.  Estrela e Lajeado têm a maior aglomeração, uma para cada 1,8 mil habitantes.

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Em todo Vale, a menor concentração, em relação à população, ocorre em Tabaí. O município conta apenas com um estabelecimento para atender os pouco mais de 4,4 mil habitantes. O número excede menos de duas vezes a recomendação da OMS. Westfália aparece em seguida e conta com uma drogaria para os 2,8 mil moradores.

Doutor Ricardo e Relvado são os dois locais com maior concentração. Um estabelecimento a cada mil habitantes. Excede oito vezes a orientação da OMS.

Número cai 3,4% em 10 anos

Apesar do número expressivo de estabelecimentos, a aglomeração reduziu nos últimos dez anos. Em 2007, os 38 municípios do Vale reuniam 202 estabelecimentos. Em 2017, são 195 (veja gráfico). A queda foi de 3,4%.

Os dados mostram que houve fechamento de 18 farmácias de manipulação na última década. Enquanto, abriram 11 novas drogarias.

Ramo não enfrenta crise

Na avaliação do vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul, Roberto Canquerini,  o mercado farmacêutico está blindado contra a crise. De acordo com ele, esse é um dos únicos segmentos que cresce independente da crise financeira ou política que o país atravessa.

“Aliado a isso, temos uma população que vem envelhecendo, precisando de maior cuidado e de novas tecnologias em saúde. Ainda existe um subfinanciamento da saúde no Brasil.”

Segundo ele, outro aspecto é a falta de fiscalização por parte das vigilâncias sanitárias em relação à exigência de apresentação de prescrição médica para medicamentos com a tarja vermelha. Esses itens  podem ser comercializados mediante apresentação de uma receita prescrita por médico.

De acordo com Canquerini, a partir desse contexto, o número de drogarias cresceu 12,44% desde 2010, saltando de 4.181 estabelecimentos para 4.701, em 2017.

Conforme o vice-presidente da entidade, não existe uma legislação federal que limite a abertura de farmácias. “O Conselho Federal de Farmácia tentou incluir na lei que dispõe sobre farmácias como estabelecimentos de saúde, um artigo específico, que limitava a abertura de novas farmácias de acordo com questões epidemiológicas locais. Porém, a força do mercado falou mais alto na disputa política.”

Para a coordenadora do curso de Farmácia da Univates, Luciana Fernandes, os estabelecimentos fazem parte do comércio de produtos farmacêuticos. Como parte do varejo não há nenhuma barreira para conter proliferação desses estabelecimentos.

Na avaliação dela, esse setor tem influência do marketing dirigido aos prescritores quanto ao consumidor. “Esse fator explora o medicamento como símbolo de saúde.”

Segundo Luciana, a transformação cultural das últimas décadas reforçou essa tendência. Além disso, a propaganda de medicamentos isentos de prescrição médica carece de controle. “De um lado tem-se uma legislação que permite a abertura dos estabelecimentos sem nenhum tipo de amarra, como o zoneamento, por exemplo. De outro, um segmento que trabalha com uma demanda crescente, que é usada como símbolo de saúde.”

PrintImpacto na saúde da população

A grande oferta de medicamentos à disposição preocupa o Conselho Regional de Farmácias.  Conforme o vice-presidente, a entidade questiona o incentivo feito pelos estabelecimentos ao uso desenfreado de medicamentos.

“Dados de pesquisa recente do Datafolha mostram que mais de 72% da população se automedica sem orientação adequada. Alguns estabelecimentos colocam sua rentabilidade à frente dos interesses de saúde da população no momento que praticam a chamada “empurroterapia” quando fazem promoções do tipo leve 3 e pague 2.”

O órgão tenta, em parcerias com vigilâncias sanitárias e delegacia do consumidor, manter uma fiscalização permanente. O objetivo é  garantir que esses estabelecimentos mantenham farmacêuticos em todo o seu horário de funcionamento prestando orientações técnicas aos consumidores.

Concentração

Luciana considera que a concentração de farmácias está relacionada aos locais que reúne maior número de consultórios, clínica e hospitais. Mas questiona a necessidade de Lajeado ter 42 estabelecimentos.  “É quase 24% do total de estabelecimentos do Vale, por quê”, indaga.

Segundo ela, a concentração, em uma perspectiva, pode ser benéfica para o consumidor por aumentar a concorrência e reduzir preços. Mas isso não acontece.

Sociedade está doente

O brasileiro está envelhecendo e, com isso, uma série de doenças surgem e requerem tratamento. O grande problema está relacionado à dependência de fármacos pela população.

Muitas pessoas aderem aos medicamentos cada vez mais cedo. A rotina corrida e o estresse têm afetado a saúde e desencadeado problemas físicos e elevado os diagnósticos de síndromes ligadas ao pânico, ansiedade e a própria depressão.

O agente de viagens de Lajeado, Cesar Bittencourt, enfrentou esse problema. Por 13 anos, era um consumidor assíduo de fármacos para controlar transtornos de pânico, que mais tarde foi diagnosticado como transtorno de ansiedade generalizado.

“Cheguei a tomar pencas de medicamentos, Lithiun, Alenthus, Rivotril e outros que não me lembro.” Por mês, gastava cerca de R$ 300 na farmácia. O custo elevado não permitia conciliar o tratamento com terapia.

Bittencourt percebeu que era momento de parar quando a compra dos medicamentos pesava cada vez mais no orçamento. Decidiu pela mudança por meio de um tratamento alternativo baseado na medicina ayurvédica. Hoje, toma dois fármacos para diabetes.

“A mudança de vida e a disciplina são fundamentais para largar as drogas. Falo drogas mesmo, pois não trazem benefício algum em longo prazo. Mudei meu estilo de vida. Isso inclui dieta equilibrada, exercícios físicos e parei de usar álcool como fuga.”

Na avaliação dele, o problema está ligado à busca por soluções mágicas. “Essa busca não é só em relação às doenças, mas em tudo na vida. Os medicamentos não fazem milagres. Grande parte das doenças se adquire por um mau hábito de vida, quando percebemos, é tarde demais. Prevenção é o melhor caminho.”

PrintPerfil em mudança

A adesão aos fármacos como meios para amenizar decepções e desamores é incentivada pela cultura do consumo. A sociedade tem em resistência em romper paradigmas e procura caminhos mais práticos para encontrar alívio.

A psicóloga Fernanda Kasper explica que todo processo de mudança exige tempo, dedicação e quebra de paradigmas. Ela avalia que cada situação é relativa e precisa ser avaliada.

Segundo ela, existem casos em que a dependência medicamentosa é tão grave que impede introdução de terapias. Porém, há outros, mesmo com encaminhamento para avaliação psiquiátrica, não seguem a orientação por não desejar uso de psicofármacos.

De acordo com ela, o problema não está ligado ao número de farmácias, e sim, ao pensamento e conduta das pessoas frente ao sofrimento. Por isso, cada caso precisa ser avaliado.

Segundo a coordenadora do curso de Farmácia da Univates, Luciana Fernandes, os medicamentos são recursos terapêuticos importantes, mas não são os únicos. “O que prejudica a saúde das pessoas é não ter acesso aos medicamentos quando precisam e usar quando não são indicados.”

Em Sério, Zita prepara essências com as plantas para amenizar dores musculares

Em Sério, Zita prepara essências com as plantas para amenizar dores musculares

Com pouca opção, alternativa está no quintal

Sério conta apenas com a farmácia anexa ao hospital. A população de pouco mais de 2,2 mil habitantes procura outros meios para  prevenir doenças. A fitoterapia é uma das alternativas encontradas. O conhecimento quanto ao poder de cura das plantas é passado pelas gerações e aperfeiçoado com o tempo.

A aposentada Zita Zenatti, 66, curou o nervo ciático com produto feito em casa à base de ervas. São raras as vezes que precisa ir à farmácia, geralmente faz a própria medicação. Produz xaropes, pomadas e essências para alívio de dores musculares.

“O xarope que cura resfriados e até mesmo anemia é uma receita de família, que leva em sua composição vinho e ervas. Cheguei a fazer com madeira de angico, é muito bom para asma”, comenta Zita.

A dedicação por plantas medicinais começou faz 11 anos, quando entrou para a Pastoral da Criança. “Foi uma oportunidade de aperfeiçoar receitas medicinais que se tinha dos antepassados. Certa vez fui ao médico consultar. Estava com dor no nervo ciático. Fiz três meses de tratamento e a dor não parava. Foi então que criei uma solução líquida e aplicando por dois dias curei”, lembra a aposentada.

Zenatti foi vítima de câncer de mama e superou a doença faz dois anos. Mantém tratamento à risca e em paralelo toma chás que, segundo ela, previnem o retorno da doença. “O remédio prescrito pelo médico é fornecido no posto de saúde e tem se mostrado muito eficaz. Mesmo assim, não abro mão dos chás e soluções naturais para manter minha saúde em dia.”

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Zita é conhecida na cidade pelas soluções caseiras, e chega a ter encomenda de outras pessoas. “A pomada para ferimentos à corte e queimadura é muito eficiente. A cicatrização é rápida, melhor que qualquer remédio vendido na farmácia. Entre a família, sempre me pedem para fazer. Certa vez uma amiga foi picada por cobra e, mesmo tendo recebido a medicação no hospital, a dor não cessava. Apliquei a pomada e o alívio foi quase que imediato”, lembra Zenatti.

Encomenda de remédios

Em algumas situações, a solução  é encomendar alguns medicamentos. O agricultor Olécio Schmitz, 50, enfrentou a situação. O pai depende de um remédio para doença no pulmão, que é fornecido pelo Estado, quando disponível. Diversas vezes foram obrigados a comprar o remédio para manter o tratamento.

“Aqui na farmácia não tem esse medicamento, então, quando o Estado não fornece precisamos, encomendar e muitas vezes no dia seguinte está disponível. Entendemos que o município é pequeno e o fluxo de medicamentos dessa finalidade é baixo. Acredito que não compense à farmácia manter um estoque com muitas variedades”.

Segundo ele, seria mais fácil se houvesse maior disponibilidade e opções de medicamentos. “Neste caso também seria possível comparar preços. Os tratamentos geralmente são caros. Remédios de uso contínuo, como para controle de pressão, minha esposa retira no Posto de Saúde”.

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