Tradição do tricô perde força

Comportamento

Tradição do tricô perde força

Arte com agulhas parece ter parado no tempo. São poucas tricoteiras da geração Y

Tradição do tricô perde força

Há algumas décadas, a mulher que sabia fazer arte com linhas era considerada perfeita para casar. Bordado, crochê ou tricô eram predicados intrínsecos àquelas que pretendiam dividir o teto com alguém e formar uma família. Hoje a história mudou e essas atividades manuais perderam o status de obrigatoriedade. Poucas gurias se aventuram no mundo das lãs e agulhas e preferem comprar as peças já prontas.

Para confirmar que a prática está cada vez mais escassa, basta uma visita a qualquer associação de artesanato à procura de jovens, ou ainda fazer uma breve pesquisa nas redes sociais para se deparar com a ausência das tricoteiras. O artesanato que tradicionalmente costuma ter origem nas avós tem se perdido nas mães e quase não chega nas filhas.

Leila Kaffmann, 59, presidente da Associação dos Artesãos de Lajeado e professora de Tricô, confirma a escassez do público jovem principalmente no tricô, e credita isso à desvalorização do que é manual. A entidade tem cerca de 40 sócios ativos, e apenas uma jovem na faixa dos 20 e poucos anos. O restante são “jovens de espírito”, já na casa dos “enta”, brinca Leila.

A presidente revela que a associação tinha um projeto em que pretendia chamar adolescentes para tricotar. Mas não saiu do papel por falta de dinheiro. “Precisaríamos de uma sala, cadeiras e, com a mensalidade dos sócios, isso é impossível de manter”, revela. De acordo com ela, a questão é cultural. “Esta geração deixou de valorizar o manual, o artesanato. As meninas preferem procurar peças já prontas no comércio”, pondera.

Na contramão, há quem resista

Seja para ganhar uma grana extra, presentear amigas ou incrementar o visual, fazer tricô ainda é uma boa pedida para Mariana Koling, 28, assistente comercial em Lajeado. Ela é antenada na moda e tem carinho por peças artesanais. Os primeiros pontos foram feitos aos 14 anos, com auxílio da avó, Marisa Wiebbelling, 76. Mais tarde, a técnica foi aperfeiçoada pela mãe, Adriane Wiebbelling, 50.

A arte de tricotar, para Mariana, é sinônimo de lazer e terapia em tempos atribulados de rotina crescente. As primeiras peças confeccionadas pela jovem serviram para dar mais charme para sua cachorrinha, a Malu. Foi só depois de um tempo que a vontade de vestir a própria arte surgiu. E não parou mais: de lá pra cá, foram dezenas de mantas, golas, toucas e blusões que incrementam ainda mais o visual e aquecem o corpo quando o frio bate.

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No que depender de Mariana, a tradição familiar não deve ser interrompida. Ela revela que pretende inserir a filha, Maria Valentina, 4, no mundo das agulhas. “Espero que ela faça como eu, aprenda primeiro com a avó dela e depois peça para eu complementar os ensinamentos”, brinca.

Concorda que são poucas as mulheres que seguem a tradição do tricô hoje. Ela própria não enche uma mão ao contar nos dedos quantas amigas se aventuram na arte. “Antigamente a prática era mais comum, era até mais barato comprar os materiais”, afirma. Contudo, ela defende a prática e se orgulha de ser uma tricoteira da geração Y. Para Mariana, tudo o que é feito à mão tem mais amor e carinho envolvido, uma carga de sentimentos, tradição que deve ser mantida.

Karina Julia Fleck, 22, estudante de Design na Univates, tricota faz cerca de quatro anos. Iniciante na técnica, ela gosta de confeccionar peças mais básicas, como mantas e toucas. Para Karina, a ideia de fazer as próprias roupas a encanta. “Tem o lance de fazer como tu quer, além de não gastar muito e não incentivar a compra sempre”, tasca.

Ela aprendeu a tricotar com a mãe, Vestina Schmidt Fleck, 62, e usa a prática como desculpa para passar mais tempo com ela. “Sinto que minha mãe tem um prazer enorme em me ensinar, e fica lembrando de quando aprendeu com a mãe dela”, conta. É um momento de intimidade muito valioso. Entre as amigas, apenas uma incrementa o hall de tricoteiras. Para Karina, isso é resultado da comodidade em comprar tudo pronto.

História do tricô

O tricô é uma técnica para entrelaçar o fio de lã ou outra fibra de forma organizada para criar uma manha com textura e elasticidade ímpares. Pode ser manual, com cinco, duas ou apenas uma agulha. A técnica nasceu no Egito onde o entrelaçamento era feito com a ajuda de ossos ou madeira. Os belgas a levaram até a Inglaterra, onde as mulheres a desenvolveram para produzir meias e cachecóis.

Inicialmente feita à mão, a prática era destinada tanto para roupas funcionais quanto para peças decorativas, ocorrendo em regiões de lã abundante. A partir do século XIX, passaram a ser usadas máquinas de tricô. Durante as duas guerras mundiais, as mulheres tricotavam peças para os soldados, como a balaclava, item que se tornou moda.

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