Os rumos da economia trouxeram novos desafios para empresas e trabalhadores. Com menos dinheiro circulando no mercado, gestores operam ajustes para manter a saúde financeira das companhias. Ao mesmo tempo, profissionais buscam os caminhos para manter a empregabilidade diante de um contingente de 13 milhões de desempregados no país.
Esse cenário desafia o setor de recrutamento, um dos pilares fundamentais das organizações. Diante do alto custo dos processos de demissão e admissão, a assertividade nas decisões do RH se torna decisiva para a sobrevivência dos negócios.
Gestora da Núcleo Consultoria e Núcleo Coaching, a psicóloga Daniela Munhoz reforça a necessidade de profissionais e empregadores se adaptarem a essa nova realidade. Segundo ela, um dos principais problemas são as contratações realizadas por qualidades técnicas apresentadas no currículo, que terminam em demissões por motivos comportamentais.
Conforme Daniela, a análise curricular continua fundamental e as empresas estão mais exigentes em relação à qualificação. Com a crise, explica, as organizações foram obrigadas a reduzir seus quadros, mas as funções e demandas se ampliaram.
Diante desse cenário, ressalta, profissionais que não conseguem lidar com situações de pressão não alcançam os resultados esperados. “Por isso, é fundamental aliar necessidades curriculares ou técnicas, com perfil comportamental e psicológico.
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Para a gestora, o acerto na hora da contratação beneficia a empresa e o profissional. Segundo ela, tão importante quanto saber se a pessoa pode contribuir para o trabalho desenvolvido por uma companhia é saber se a função e os valores da empresa também estão de acordo com o perfil daquele trabalhador.
“A pessoa pode ter o mesmo cargo, mas perfis de trabalho completamente diferentes a depender da cultura da empresa”, alega. Uma empresa de perfil mais participativo, exemplifica, exigirá proatividade e contribuição de ideias, enquanto uma companhia mais fechada prefere profissionais centrados em suas tarefas.
Eficiência administrativa
Para o consultor em Recursos Humanos da Núcleo Consultoria, Mauro Scherer, a maioria das pessoas ainda não está adaptada à multifuncionalidade exigida a partir da mudança no cenário econômico. Segundo ele, isso cria um cenário de pressão e faz com que tenham comportamentos e atitudes diferentes do esperado, podendo influenciar no índice de desligamentos.
Para Scherer, se investe muito em produtividade operacional, mas pouco em produtividade administrativa. “Muitas empresas não sabem o que as pessoas tem que fazer dentro delas. Não existe nem mesmo o mapeamento das atividades cotidianas de um profissional, apenas sua função.”
A ineficiência da liderança, aponta, resulta em uma organização que não sabe claramente o que precisa, com isso não consegue passar essa informação aos seus profissionais e os resultados podem ser comprometidos. “Todo líder deveria ser um bom gestor de pessoas, mas via de regra são bons gestores técnicos e podem encontrar dificuldades para lidar com as pessoas e equipes.” Nesse sentido, para Daniela a questão comportamental é importante de ser trabalhada tanto por parte do trabalhador quanto por parte das empresas. “As organizações precisam olhar para si mesmas e pensar em como se colocam diante desse mercado, onde as formas de trabalhar são novas, assim como os objetivos dos trabalhadores.”
Aponta para uma tendência crescente, de trabalhadores que optam por uma empresa não apenas pelo salário, mas pelas possibilidades de crescimento e afinidade de valores. Segundo ela, o profissional contemporâneo quer trabalhar em algo onde enxerga um propósito maior, não apenas desempenhar uma função.
“Nos especializamos em enganar o psicólogo do RH”
Especialista em Gestão de Pessoas, José Ronaldo Peyroton foi painelista no Reload Sindilojas 2016, no qual abordou a temática. Com formação em Teologia, Comunicação Social e Ferramentas de Análise de Perfil, atua como consultor comportamental.
Negócios em Pauta – O que é mais importante na hora de contratar um trabalhador ou ser contratado por uma empresa?
José Ronaldo Peyroton – Costumamos brincar dizendo que uma entrevista de emprego são duas pessoas mentindo e acreditando na mentira um do outro. Tem coisa mais mentirosa que um currículo? As empresas hoje não dão mais tanta bola para isso. Elas precisam buscar o que não é dito. Hoje os técnicos do RH tentam a linguagem não dita, porque busca a verdade. Da mesma forma, muitos candidatos começam a pesquisar as empresas, em busca de informações verdadeiras. Temos que ir em busca da sinceridade e da verdade de ambos os lados. Um assunto tão antigo, mas que continua valendo a pena.
Como a contratação errada prejudica o andamento dos trabalhos de uma empresa?
Peyroton – Uma pesquisa de 2015 mostra que 72% dos colaboradores estão insatisfeitos. Se era assim dois anos atrás, com a crise, muito provavelmente esse número cresceu. A contratação sempre foi um desafio e sempre será algo merecedor de estudo, porque o trabalhador insatisfeito não rende. A falta de produtividade do Brasil se explica, em parte, por isso. Viemos de uma história escravagista, de pouca dotação da qualificação técnica das pessoas. Isso faz com que o próprio trabalhador não procure o aperfeiçoamento.
Nos anos de pleno emprego, a oferta de cursos de formação gratuitos foi grande, mas o número de interessados sempre foi aquém. Continua faltando qualificação no mercado? Por quê?
Peyroton – Ainda existe muito emprego à disposição, mas não tem pessoal qualificado para ocupar esses cargos. É um risco para a empresa contratar uma pessoa e pagar um salário bom se a pessoa não tem condição de desempenhar a função. Isso ocorre porque nos especializamos em enganar o psicólogo do RH. Faz mal para o próprio profissional. Numa entrevista de emprego, você tem que falar a verdade. Vestir-se de acordo com o que acredita. Não adianta vender uma imagem diferente do seu padrão. O professor Clóvis de Barros Filho fala que o melhor colaborador que existe é o desempregado. Porque ele acorda cedo, toma banho, se arruma, se perfuma, sai de manhã e volta só à noite. Ele é um exemplo. Mas, quando arruma um emprego, deixa tudo isso de lado.
As pessoas estão preparadas para enfrentar esse cenário em que a transparência se torna imprescindível?
Peyroton – Não. Mas há um movimento para que isso comece a acontecer. Tão importante quanto saber se aquela empresa é boa para você, é saber que ela não é boa para você. Se entrar em um cargo por algum motivo errado, quem vai sofrer depois é você. Queira entrar em uma empresa que também te queira. Por parte das empresas, o movimento por maior transparência precisa partir do do gestor, da pessoa mais importante para a companhia, para que a mudança se torne mais rápida.
De que forma a crise na economia afeta a forma de contratar e demitir?
Peyroton – É preciso haver crise, pois é nela que se revela como sou verdadeiramente. Porque aí vou tirar de mim as maiores forças. Quem mente para passar numa seleção de emprego não aguenta uma crise e acaba saindo. Precisamos de pessoas de fibra, com coragem para fazer as mudanças necessárias. Se você está em uma empresa, cresça. Seja curioso, vá atrás, pergunte, aprenda. Pense em quanto você ganha com isso. Quando a empresa está em crise, vai buscar quem tem mais habilidade. As empresas precisam estar abertas a novas ideias e conceitos. O cara que é esperto vai usar o cérebro e a experiência do seu colaborador, não apenas a mão de obra. Uma crise apura e seleciona.