Após confrontos, pressão sobre Temer aumenta

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Após confrontos, pressão sobre Temer aumenta

Especialistas apontam consequências dos protestos que resultaram em decreto presidencial para convocação das Forças Armadas e dos desdobramentos da Operação Lava-Jato

Após confrontos, pressão sobre Temer aumenta
Brasil

As cenas de violência na Esplanada dos Ministérios, seguidas pela convocação das Forças Armadas pelo presidente Michel Temer, formam o cenário de agravamento na crise política. Envolto em denúncias de corrupção e com uma rejeição acima de 90%, o chefe máximo da República tenta se manter no cargo mesmo sofrendo contestações da própria base aliada.

O contexto começou a se desenhar na semana passada, quando foram divulgados detalhes da delação premiada de Joesley Batista, um dos donos da JBS (Friboi).

Para o cientista político e professor da Unisc, João Pedro Schmidt, a instabilidade chegou ao ponto máximo nessa quarta-feira. Segundo ele, houve uma tentativa de desqualificar o movimento devido aos atos de depredação e ao reaparecimento dos black blocks.

Porém, ressalta ser impossível desqualificar a presença de 150 mil a 200 mil pessoas, em uma das maiores manifestações sindicais das últimas décadas. Conforme o cientista político, os acontecimentos em sequência trouxeram um elemento inesperado ao cenário.

“Embora houvesse um entendimento entre os promotores da derrubada do governo anterior, a nova delação chancelada pela Globo torna imprevisíveis as consequências da crise”, aponta. Segundo Schmidt, há uma espécie de desnorteamento entre as forças do Congresso, do Executivo, do Ministério Público e do poder econômico.

A única certeza, alega, é que Temer não resistirá. Para Schmidt, a tendência mais forte é de eleição indireta, via Rodrigo Maia. “A partir daí, não me arrisco a dizer qual a porta de saída para o atual governo.”

Segundo ele, quanto mais Temer resistir, maiores serão as consequências para o país. Conforme Schmidt, o desgaste da imagem, antes totalmente voltado para as forças de esquerda, em especial para Lula e Dilma, agora se voltam para o outro lado da disputa.

Avanço da antipolítica

Na avaliação do cientista político, todo esse cenário é péssimo para a recuperação econômica e para a imagem internacional do país. Além disso, alerta, o clima favorece a antipolítica de uma população que já não gosta do tema. “Podemos ter em 2018 um voto massivamente em branco ou nulo, que já registraram índices elevados nos últimos pleitos.”

Conforme o professor, o governo federal e o Congresso já haviam se descolado do sentimento majoritário da sociedade há meses, e as reformas eram realizadas à revelia da opinião pública. “Essa crise dos últimos dias apenas agudizou essa sensação de afastamento.”

Diante disso, ressalta a possibilidade de uma retomada do autoritarismo, de qualquer vertente. “É uma situação que não contribui em nada para a democracia”, ressalta. Segundo ele, a convocação do Exército por parte do presidente não representa uma ameaça direta de ditadura, porque foi muito malvista pela classe política.

“Além disso, parte de um presidente absolutamente desacreditado, com índice de rejeição acima de 90%”, relata. A presença dos militares na capital federal visa suprir o desejo de pessoas que pedem o retorno da ditadura, aponta, sem maiores implicações.

Pedido de impeachment

No dia seguinte ao protesto violento em Brasília, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou na Câmara dos Deputados pedido de impeachment do presidente. No documento, a entidade aponta crime de responsabilidade e quebra de decoro por parte de Temer no episódio em que recebeu no Palácio do Jaburu o empresário Joesley Batista, investigado na Lava-Jato.

Para a OAB, o fato de Temer não repreender Batista quando o empresário relatou ter obstruído a Justiça ao pagar propina para dois juízes e receber informações privilegiadas de um procurador, representa o crime de prevaricação. Para a entidade, o presidente deveria ter comunicado o fato às autoridades competentes.

Presidente nacional da OAB, Carlos Lamachia afirma que um novo processo de impeachment não traria desestabilização ao país. A decisão pelo pedido de impeachment foi tomada pelo Conselho Pleno da entidade, por 25 votos a 1.

presidente da OAB, Carlos Lamachia protocolou pedido de impeachment ontem à tarde. Para a entidade, Temer cometeu crime de responsabilidade

presidente da OAB, Carlos Lamachia protocolou pedido de impeachment ontem à tarde. Para a entidade, Temer cometeu crime de responsabilidade

Esse é o terceiro pedido de afastamento de presidentes da República apresentado pela OAB. O primeiro ocorreu em 1992, contra Fernando Collor, em conjunto com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O segundo, no ano passado, contra a então presidente Dilma Rousseff. Além do pedido da OAB, outros 13 foram protocolados na Câmara desde a semana passada.

A decisão de acatá-los ou não e abrir um processo de afastamento de Temer é do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Divulgação de grampos

Lamachia também se manifestou quanto à quebra de sigilo na comunicação entre advogados e clientes e entre jornalistas e suas fontes. Em nota, divulgou repúdio à decisão do STF que divulgou os áudios das conversas grampeadas pela investigação da Lava-Jato.

Segundo ele, o sigilo nesses casos protege o Estado Democrático de Direito e a cidadania. Lamachia faz referência aos episódios envolvendo o advogado Alberto Zacharias Toron e Aécio Neves, e do jornalista Reinaldo Azevedo e Andréa Neves.

“Demonstra com clareza um flagrante desrespeito a princípios constitucionais inarredáveis. Grampear conversas entre advogados e seus clientes é crime”, escreveu. Segundo a OAB, o Estatuto da Advocacia garante a inviolabilidade de sua correspondência telefônica no exercício profissional.

Em relação à divulgação da conversa de Azevedo e Andréia, a entidade defende a garantia do sigilo entre jornalistas e suas fontes. “Se quebrarmos esse direito, o que vem sendo feito de maneira recorrente, estaremos mutilando de forma irreparável o direito de a sociedade ser informada.”

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Professor do curso de Jornalismo da Univates, Leonel José de Oliveira afirma que a divulgação do conteúdo viola sigilo da fonte. “Independentemente da posição do jornalista, me parece um excesso por parte das autoridades.”

Conforme Oliveira, a preservação das fontes é um dos preceitos fundamentais da profissão. Segundo ele, sem essa prerrogativa, perde-se uma das principais possibilidade de obter informações. “Perder a preservação da fonte é estar cada vez mais fadado a apenas reproduzir as versões oficiais.”

Sem acesso às informações de bastidores, aponta, os veículos de comunicação acabam entrando em um discurso uniformizado, repetindo os mesmos dados e fontes. “Engessa a possibilidade de produção de notícias.”

Diante do papel que o bom jornalismo pode desempenhar nesse momento de crise, a representatividade da divulgação é ainda maior. Segundo ele, o jornalismo produz parte do discurso sobre o que é o Brasil hoje, e é o responsável por documentar história do agora. “A melhor forma de fazer isso é com liberdade, com acesso às fontes e garantia de sigilo.”

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