Desde 2008, o Brasil ocupa a incômoda liderança no ranking mundial de uso de agrotóxicos. De acordo com a Anvisa, nos últimos dez anos, a utilização mundial desse tipo de substância aumentou 93%. No Brasil, o salto foi ainda maior – 190%. São mais de 130 mil toneladas de defensivos agrícolas utilizados no país todos os anos.
Mas, felizmente, o uso exagerado de agrotóxicos não é unanimidade. Existem excelentes iniciativas de cultivo orgânico que merecem ser compartilhadas – como a do casal de agricultores Hilário, 67, e Clair Eckert, 65, de Cruzeiro do Sul. Há mais de 45 anos, iniciaram a produção de hortigranjeiros de forma 100% orgânica. São os pioneiros em investir no segmento no Vale do Taquari.
Tudo começou na década de 70, quando Eckert participou de um curso técnico em Bom Princípio. Na época, administravam um mercado em Lajeado, no entanto, a produção de alimentos era a verdadeira vocação do casal. “Produzir, consumir, confiar, preservar, garantir a procedência e a saúde nossa e de quem compra. Nunca aplicamos agrotóxicos na lavoura”, orgulha-se Clair.
No dia a dia, eles sentem a diferença na qualidade de vida. “Você entra na lavoura e sabe que não tem contaminação. Pode apanhar uma laranja ou colher uma cenoura e comer ali mesmo. Será um produto saudável, sem veneno”, afirma.
A produção ocupa três hectares. São mais de 20 espécies. Tempero verde, alface, espinafre, couve, radicci, agrião, rúcula, cenoura, alho, rabanete, aipim, pimentão, brócolis, cebola, morango, entre outras.
O casal tem quatro filhos. Três migraram para a cidade. Maichel, 25, é o caçula e segue os passos dos pais. Auxilia no preparo dos canteiros, na formulação de receitas para conter pragas, no plantio, na colheita e entrega nas fruteiras e restaurantes, a maioria localizada em Lajeado. Parte é vendida direto na propriedade.
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O adubo utilizado é esterco de bovinos e suínos, além de composto orgânico. Clair lembra que na época em que iniciaram o cultivo eram pobres e nem tinham condições de comprar adubos. Recolhiam o esterco de gado do antigo campo de futebol do Clube 25 de Julho, localizado nas terras recebidas de herança dos sogros.
Amparada por técnicos da Emater, a família avança com segurança e incentiva outras a explorar a atividade. “Precisamos mudar o conceito de produzir, pensar na diversidade e na preservação dos recursos. Garantir um futuro melhor às novas gerações”, enfatiza Clair.
Controle à base de defensivos naturais
O alto risco de perdas na produção é uma das justificativas para que muitas famílias ainda utilizem venenos no controle dos cultivos. Conforme Hilário, no modelo orgânico, é preciso prevenir os possíveis ataques ou doenças, pois, se uma praga resolver se impregnar na plantação, muitas vezes se perde tudo, como é o caso da plantação de pimentão neste ciclo. “Aqui eliminamos as plantas, removemos a terra, adubamos e plantamos outra cultura”, explica.
Para evitar prejuízos, recomenda a rotação de culturas. “A diversidade de plantas ajuda a minimizar os problemas”, afirma. O controle é feito com uso de defensivos naturais, entre eles, o extrato pirolenhoso.
A construção de estufas protege os cultivos das intempéries meteorológicas e de fungos mais resistentes. As ervas daninhas são retiradas de forma manual. Clair acredita que o consumo crescerá cada vez mais. “Os consumidores estão mais conscientes sobre a importância de consumir um produto saudável”, finaliza.
Diversidade garante equilíbrio
Em 1966, a área de terras dos pais de Rosane Sprandel, Erno e Lorena Dörr, de Lajeado, estava degradada pela erosão a ponto de nem inço brotar. Sem recursos para recuperá-la com adubos químicos, a saída foi espalhar terra e folhas.
Desde a infância, Rosane ajudava os pais na produção de alimentos. Na adolescência, chegou a buscar emprego na cidade. Em 1991 voltou para a propriedade para cuidar dos pais e da filha. Começou a produzir alimentos para a subsistência.
Com auxílio da Emater, qualificou a produção leiteira e ampliou o cultivo de orgânicos com destaque para a produção de hortaliças e frutas. O pomar com mais de cem mudas foi instalado faz dois anos com recursos obtidos do Feaper – R$ 4 mil. As primeiras frutas serão colhidas no ano que vem.
Para manter o cultivo sem agrotóxicos, aposta na diversidade. Os hortigranjeiros dividem espaço com flores e chás como boldo, citronela e menta, que ajuda a manter as pragas e doenças longe da lavoura.
Outro método utilizado foi a plantação de crotalárias. A planta tem raízes grossas que provocam sulcos profundos na terra e auxiliam a adubação. E nada de venenos. “Existe comida para todos que aqui habitam. Não é preciso aplicar agrotóxicos. Essa harmonia mantém o ambiente equilibrado naturalmente”, diz.
Com ampla variedade e muita dedicação, a renda está garantida durante os 12 meses. Se uma safra não vinga, a outra pode surpreender de maneira positiva, como foi o caso do moranguinho.
A estufa foi construída por incentivo de uma amiga feirante. Foram cultivadas duas mil mudas. Tudo foi vendido na propriedade ao preço de R$ 12 o quilo. “Nem consegui fornecer para ela. Por ser natural, ele tem um gosto diferente. Quem experimenta, sempre volta para comprar”, observa.
Rosane e o marido Nestor fazem parte de um grupo de agricultores que busca a certificação para atestar a qualidade e a procedência dos produtos, com orientação da Emater.