Delação premiada da JBS encurrala  o presidente  Michel Temer

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Delação premiada da JBS encurrala o presidente Michel Temer

Cientista político, deputados, líderes regionais e empresariais avaliam os escândalos envolvendo o presidente da República, Michel Temer, investigado desde ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após revelações de sócios da empresa JBS de que o peemedebista teria dado o aval para a empresa “pagar” pelo silêncio do ex-deputado, Eduardo Cunha, preso na Operação Lava-Jato.

Delação premiada da JBS encurrala  o presidente  Michel Temer
Brasil
oktober-2024

“Não renunciarei, repito, não renunciarei! Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo uma investigação rápida. Essa dúvida não pode perdurar. Se foram rápidos nas gravações clandestinas, não podem tardar para resolver esta questão.” Foi assim que Michel Temer finalizou o primeiro discurso após as denúncias apresentadas nessa quarta-feira pelo Jornal O Globo.

Antes de se pronunciar no Palácio do Planalto, por volta das 16h de ontem, era forte a pressão para que Temer renunciasse ao cargo, assumido por ele em abril de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff. Nas redes sociais, campanhas exigiam a saída do peemedebista. Nas ruas, algumas aglomerações de manifestantes reforçaram o coro pela saída do presidente. Mas ele não sucumbiu.

O mais esperado depoimento de Temer desde que assumiu o controle da nação durou 4 minutos e 43 segundos. No início, tentou justificar a demora para se pronunciar – já se passavam quase 20 horas da divulgação das delações dos empresários da JBS à Procuradoria Geral da União (PGR). “Tentei conhecer, primeiramente, o conteúdo das gravações.” Depois, citou atos do governo e alertou para os riscos de uma nova crise moral.

“Indicadores de queda da inflação, o crescimento da economia e a geração de empregos criaram esperança. O otimismo retornava e as reformas avançavam. Ontem, contudo, a revelação de conversa gravada clandestinamente trouxe de volta o fantasma de crise política de proporção ainda não dimensionada”, afirmou.

Temer insistiu no discurso político. Falou sobre o esforço para retirar o país de da recessão. Disse que as investigações podem “jogar no lixo o trabalho feito em prol do país”. Após, comentou sobre a denúncia de que teria dado o aval para comprar o silêncio de Cunha. “Houve o relato de um empresário que, por ter relações com um ex-deputado, auxiliava sua família. Não solicitei que isso acontecesse”, diz.

O ex-presidente não explicou porquê manteve a conversa em sigilo. No discurso, reiterou não ter tido participação nos pagamentos de quase R$ 5 milhões efetuados em favor de Cunha, preso desde novembro. “Não comprei o silêncio de ninguém. Não temo nenhuma delação, não preciso de cargo público nem de foro especial. Nada tenho a esconder”, disse. No fim, ao repetir que não renunciaria, foi aplaudido por correligionários e apoiadores.

“Há uma agenda econômica bem definida”

Nas primeiras horas após a divulgação do conteúdo da delação premiada dos empresários Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, a oposição na Câmara e no Senado aprovou entendimento de paralisar todas as votações até que Temer deixe o cargo. Reformas da Previdência e Trabalhista, afirmavam os parlamentares, deveriam ser imediatamente paralisadas.

Ontem, o relator da reforma trabalhista nas comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e Assuntos Sociais (CAS) do Senado, Ricardo Ferraço (PSDB), divulgou nota afirmando que o calendário de análise da proposta estava suspenso em razão da “crise institucional”. Pela previsão de governistas, a análise da proposta seria concluída até 15 de junho, e agora devem atrasar esse andamento.

Entre outros pontos, a reforma estabelece regras para que acordos entre empresários e trabalhadores passem a ter força de lei. Tal tema é a prioridade do governo de Temer para 2017. Para o deputado federal da base, Alceu Moreira (PMDB), é cedo para definir pela continuidade dos processos. “Mas é inegável que isso gera fragilidade política.”

Apesar do recuo, Moreira acredita que as reformas serão levadas adiante. “Há uma agenda econômica bem definida e que tem tirado o país da recessão para o crescimento sustentável e a retomada de empregos. Creio que essa será preservada pelo Parlamento porque independe do que possa acontecer. É uma questão de necessidade de estado, e não de governo. “

Darcísio Perondi (PMDB), outro parlamentar gaúcho da base do governo Temer, também demonstra otimismo em relação a sequência de mandato do atual chefe da nação. “A base não pediu a renúncia. Nosso grupo está fechado. O presidente está indignado e vai enfrentar. Em nenhum momento ele pensou em renúncia. O presidente está muito tranquilo”, resume.

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“Não tem mais clima para discutir reformas”

Para o deputado do PSB, Heitor Schuch, não houve surpresas no discurso de Temer e na decisão dele de permanecer no cargo máximo do país. “Ele conhece muito bem a lei. Se renunciasse, seria preso pela Polícia Federal (PF), pois ele perderia o foro privilegiado. A situação dele ficaria muito mais complicada do que a atual”, avalia.

Schuch defende novas eleições imediatamente. Entretanto, não vislumbra a possibilidade de abertura de processo de impeachment por parte do atual presidente da câmara, o deputado Rodrigo Maia, do PMDB. “Creio que o presidente da câmara não tem esta pretensão. Só se houver pressão da rua. E talvez o povo ainda esteja atônito. Acho que novas delações podem implodir ainda mais.”

Sobre as reformas anunciadas pela base do governo, Schuch não acredita na sequência das propostas. “O governo terminou às 19h30min de quarta-feira. Já era frágil, com ministros cheios de denúncia e entregando cargos, além de partidos abandonando o barco. Esse foi o golpe de misericórdia. Não tem mais clima para discutir reformas na câmara”, resume.

O deputado federal do PP, Jeronimo Goergen, corrobora com o colega do PSB. “Não há governo e desta forma não haverá agenda legislativa até o novo governo entrar”, afirma. Para ele, o limite para Temer permanecer no governo federal era a divulgação dos áudios por parte do relator da Operação Lava Jato no STF, Edson Fachin. Ontem à noite, os arquivos foram liberados para a imprensa.

“Com o fim deste governo, não se sustentam as reformas. Agora vamos entrar no debate da sucessão. O mais interessante seria uma eleição direta. Mas não haverá esse ambiente, porque o Rodrigo Maia deve assumir. Mas é consenso que as reformas ficam em segundo plano. Só será feito pelo novo governo, que será eleito na urna. Ou seja, só após 2019.”

“É fundamental o andamento das reformas”

O presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do RS (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, se manifestou por meio de nota oficial divulgada pela entidade. Ele defende a ampla e completa investigação de todas as acusações de corrupção contra políticos brasileiros. “Precisamos passar o Brasil a limpo. Nem mesmo o presidente está acima da lei.”

No entanto, Bohn enfatiza a necessidade de seguir com os processos das reformas, já iniciados pela base do governo Temer. Para ele, o processo de limpeza da política nacional não pode paralisar o país. “As reformas Trabalhista e da Previdência são importantes para e, nesse sentido, é fundamental que ocorram os processos de apuração das denúncias de corrupção e o andamento das Reformas econômicas.”

O protagonismo do Judiciário

Na avaliação do cientista político e sociólogo, Flávio Silveira, o protagonismo do Judiciário sobre a sociedade deve refletir na perda da governabilidade de Temer. Segundo ele, a crise moral da política nacional e o acirramento implodido desde a disputa entre Aécio Neves e Dilma Rousseff – que culminou no impeachment – são fatores desfavoráveis para o atual presidente.

“Não creio que haja condições para ele governar. Passamos por um processo de moralização da política, e de intenso acirramento político de dois lados bem distintos. Essas duas situações favorecem a repercussão negativa da denúncia atual contra Temer”, avalia, acrescentando que estes elementos culminaram com o impedimento da ex-presidente.

Questionado se as reformas poderiam garantir apoio empresarial ao governo, alerta para um novo protagonismo. “Nas renúncias de Getúlio Vargas e Jânio Quadros, havia a mesma polarização política. Mas não havia interferência da Justiça, que desta vez desnudou um modus operandi que é antigo. Temer tentou, no discurso, levar para o lado da política. Mas não vai escapar da justiça.”

Para o cientista, o Brasil precisa diminuir o domínio econômico sobre a política. “Não é algo que uma só instituição ou um líder possa resolver. Precisamos de regras que igualem os competidores, e sem dinheiro público. Não me parece que esse congresso tenha condições de alterar isso”, lamenta. “Precisamos separar o poder de decisão das regras do mandato.”

Codevat aguarda posição sobre pedágios

Com a recente instabilidade do atual governo federal, o Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) aguarda posicionamento oficial sobre o plano de concessões de rodovias, lançado em fevereiro passado. Segundo a presidente da entidade, Cintia Agostini, ainda não houve qualquer comunicação por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

“É muito recente. Mas tem algo que é crucial: o edital tem que ser lançado logo pois está vencendo a concessão da Concepa na BR-290. Este trecho tem que ser refeito logo. Não querem renovar por mais tempo. No máximo este ano, que é o de transição, e já esta atrasado.”

Cintia reitera a posição do Ministério dos Transportes, que garantiu a intenção de incluir de toda forma a BR-386 neste edital. No entanto, a presidente do Codevat alerta para a possibilidade de o processo trancar em caso de renúncia ou impedimento de Temer. “Hoje a concessão é prioridade zero para o governo. Mas, se ocorrer algo com o governo, me parece que tudo será reavaliado e começa tudo de novo.”

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