Reforma da desconfiança

Editorial

Reforma da desconfiança

A urgência imposta pelo governo federal para levar o texto- base da reforma previdenciária à votação no plenário da Câmara não é acompanhada por alguns aliados. Comportamento previsível diante de um parlamento instável frente às pressões populares. Muitos agentes públicos…

A urgência imposta pelo governo federal para levar o texto- base da reforma previdenciária à votação no plenário da Câmara não é acompanhada por alguns aliados. Comportamento previsível diante de um parlamento instável frente às pressões populares. Muitos agentes públicos atuam no Congresso de olho nas eleições do próximo ano.
A vitória do governo não está garantida. O trabalho da contagem dos votos, feito nos bastidores, indica uma margem estreita, com dificuldade em chegar aos 308 votos necessários. Isso pode inclusive adiar o cronograma para levar o texto ao parlamento.
Ontem os ânimos exaltados foram o tom na votação do parecer. À priori, o texto estabelece a idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres para quem for se aposentar pelo INSS, além de exigir, pelo menos, 25 anos de tempo de contribuição. O projeto ainda estabelece uma transição para quem já está no mercado de trabalho.
A surpresa ficou por conta da inclusão dos policiais legislativos da Câmara e do Senado nas categorias com direito à aposentadoria especial. Outra exceção ficou por conta do regime para agentes penitenciários. Nessa terça-feira, integrantes da categoria invadiram o Ministério da Justiça. Parece que a pressão deu resultado, pois conseguiram ficar de fora da regra geral dos 65 anos como idade mínima.
Alterações no texto que começaram na esteira das primeiras manifestações contra a proposta. Em março, ao ver aliados inseguros quanto à programação para análise do projeto, para agradar o funcionalismo, o presidente Michel Temer retirou servidores estaduais e municipais da proposta inicial.
Essas medidas são o oposto do feito em outras nações. Na Europa, em países onde houve alterações nas regras da aposentadoria, o mais comum é a unificação da norma, sem distinção de classes. Como dito neste espaço, as condições para determinadas categorias abrem um precedente arriscado, para que outros trabalhadores ampliem a pressão sobre deputados ou até levem os trechos dos quais se sentem prejudicados à Justiça. “O princípio adotado pelo governo federal fere o conceito primordial de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O dispositivo tem como princípio a conversão de normas para todos”, como escrito no editorial do A Hora no dia 23 de março.
Essas mudanças de última hora elevam a desconfiança da população. Deixam intrínseca a existência de benefícios para algumas classes. Essa aversão popular frente ao estabelecido como prioridade de mudança na Previdência pode ser confirmada pela pesquisa Datafolha divulgada nessa terça-feira. Conforme o instituto, 71% dos brasileiros são contrários às mudanças.
O peculiar nesse levantamento, talvez até contraditório, é que a maioria dos entrevistados é favorável a alterações nas regras previdenciárias. Mas não concorda com a forma como o projeto está tramitando. Diante das notícias do envolvimento do alto escalão do governo em suspeitas de corrupção, qual a legitimidade e credibilidade desses agentes para estabelecer uma nova norma para a maioria da população?
Em suma, com o resultado dessa pesquisa, é possível sentenciar o desgosto da população com a gestão pública. Os trabalhadores não podem ser responsabilizados pela ineficiência administrativa do INSS.

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