Não tive(mos) dificuldades por ser(mos) mulher(es)?

Notícia

Não tive(mos) dificuldades por ser(mos) mulher(es)?

Em entrevista para A Hora, caderno Negócios em Pauta, edição nº 03, de abril de 2017, uma empresária do Vale do Taquari foi questionada sobre como enxerga o papel da mulher no seu meio. Copio a íntegra da resposta para…

Em entrevista para A Hora, caderno Negócios em Pauta, edição nº 03, de abril de 2017, uma empresária do Vale do Taquari foi questionada sobre como enxerga o papel da mulher no seu meio. Copio a íntegra da resposta para não dizerem que houve recorte, embora possa ter havido na transcrição para a publicação e sobre isso não me cabe falar: “Não acredito que existam barreiras para as mulheres nos negócios. Existem escolhas. Tem que cuidar da casa, dos filhos e da empresa e muitas não conseguem fazer todas as tarefas. O empresário tem que se dedicar muito à sua atividade. Não tive dificuldades por ser mulher. Sempre tive muito acesso e abertura das pessoas. Tive mais trabalho, porque tinha que cuidar dos filhos. O trabalho de casa eu terceirizei, então, pude me dedicar à empresa e aos filhos.”
Ao mesmo tempo em que é afirmada a ausência de barreiras, essas são elencadas: o cuidado da casa e dos filhos como tarefa exclusiva da mulher, por exemplo. Paradoxal. Muito facilmente, qualquer leitor inverte a lógica e pergunta por quais razões o homem não precisou conviver com esse dilema. Embora o trabalho fora de casa seja exaustivo para eles, desde que as mulheres passaram a exercê-lo as suas funções acumularam. Elas somente não têm dupla ou tripla jornada quando conseguem “terceirizar” parte das tarefas.
Algumas feministas defendem (aqui coloco a teoria delas grosso modo) ser preciso cuidado ao valorizar demasiadamente aquilo que o homem – historicamente – desempenhou. Quando a mulher tenta ocupar esses mesmos espaços, não deve fazê-lo desmerecendo as funções tradicionalmente destinadas a ela, papéis ligados ao mundo privado, alguns decorrentes da natureza (maternidade) e outros culturalmente estabelecidos (criação dos rebentos e afazeres domésticos). Concordo quando afirmam ser tortuosa a estratégia de inferiorizar determinado tipo de labor para garantir o loco em outro.
O que é claro, no entanto, é que a mulher, por se ver confinada a determinadas atuações, mesmo que relevantes, foi cerceada de diversas produções e das benesses oriundas dessas, coisas às quais gostaria, também, de ter tido acesso. Concentrando o trabalho remunerado em suas mãos, os homens ditavam as regras. A organização das mulheres em coletivos, nos movimentos feministas, conseguiu questionar, em partes, essa dominação masculina.
Mas sempre existiram exceções, figuras femininas bem-sucedidas. Portanto, é importante fazer distinção entre caminhada individual – com especificidades, privilégios, sorte e com esforço também (claro) – e trajetórias de quem partiu de pontos distintos e contou com menos elementos em seu favor. Muitas vezes, a autobiografia consegue dar conta de mostrar a realidade de uma parcela pequena de pessoas ou de uma única. O relato pode ser inspirador, mas o narrador precisa explicar que a sua história não é a do outro e não vincula esse ao fracasso se não conseguir reproduzi-la.
Entendo que o trecho em que se diz “não tive dificuldades em ser mulher” deve ser encarado como biográfico e pessoal. Aquele onde se coloca “não acredito que existam barreiras para as mulheres nos negócios”, mesmo sendo opinião, ao se referir ao conjunto, pode ser posto em xeque (a não ser que tenha sido uma assertiva politizada com intuito de elevar a autoestima das demais). Então: existem ou não barreiras?
Jandiro Adriano Koch
Diretor do Núcleo da Diversidade do DCE/Univates
jandirokoch@gmail.com

Acompanhe
nossas
redes sociais