“Não acredito que  existam barreiras para as mulheres nos negócios”

Entrevista - Alaidete Miguel

“Não acredito que existam barreiras para as mulheres nos negócios”

Empresária divide com o marido Homero a liderança da Bremil, uma das empresas mais representativas da região

“Não acredito que  existam barreiras para as mulheres nos negócios”
Vale do Taquari

Com 30 anos de atuação, a Bremil é uma das principais companhias do Vale do Taquari. A empresa comandada por Alaidete e Homero Miguel nasceu em 1987, em Passo Fundo, com foco na industrialização e comercialização de produtos para o mercado de frigoríficos.

No início da década de 1990, transferiu as instalações para Lajeado, mudança decisiva para o crescimento das atividades. Com o avanço dos negócios, a companhia ampliou a diversificação de produtos. A necessidade de mais espaço resultou na mudança da fábrica para o endereço atual, em Arroio do Meio.

Hoje a Bremil tem mais de 300 funcionários e é considerada a empresa nacional com o portfólio mais completo em condimentos, aditivos, proteínas, fumaças líquidas, reguladores de acidez, misturas proteicas, corantes, floculados para empanados e blends. Os produtos são importados para 40 países dos cinco continentes.

Os produtos da Bremil são desenvolvidos em um Centro de Tecnologia e Desenvolvimento, que dispõe de laboratórios de microbiologia e físico-químico. A empresa ainda tem uma planta experimental de escala industrial, para elaboração de embutidos cárneos.

Uma das personalidades responsáveis pelo crescimento da Bremil, Alaidete é uma empresária reservada, e muito ligada à família. Para ela, os gestores precisam ser exemplos de dedicação, conduta e qualificação.

Negócios em Pauta – Como foi a sua trajetória de vida profissional antes da fundação da Bremil?

Alaidete Miguel – Eu sou do interior de Bom Retiro do Sul. Meus pais moravam na localidade de Santana, hoje pertencente à Fazenda Vilanova. Quando fiz 11 anos, fui morar na casa de uma tia na cidade para poder continuar os estudos. Com 15 anos, comecei a trabalhar, em uma representação do INSS. Tive uma gestora muito bacana e ali comecei a gostar dessa parte de administração de empresas. Ela era uma mulher muito humana, parceira, que nos dava objetivos para que pudéssemos correr atrás deles. Depois fui trabalhar na prefeitura de Bom Retiro do Sul, onde fiquei por dois anos, e logo depois veio a oportunidade de trabalhar em uma empresa de contabilidade, em Passo Fundo.

A empresária divide sua dedicação entre a empresa e a família

A empresária divide sua dedicação entre a empresa e a família

Como foi a mudança para Passo Fundo e como ela influenciou na criação da empresa?

Alaidete – Na época, eu já era casada e tinha dois filhos. Fui mãe muito cedo, o primeiro com 19 anos e o segundo com 21. Fomos para lá eu e meu marido Homero, mas a empresa não foi muito bem. Ficamos os dois desempregados e precisávamos fazer alguma coisa. Como ele tinha experiência na área de frigoríficos, resolvemos arriscar. Na época, não tínhamos financiamentos ou avalistas, então, juntamos todas as nossas economias para montar o negócio. Foi uma decisão difícil porque ou comprávamos uma casa ou abríamos a Bremil. Criamos a empresa pela necessidade, pois queríamos melhorar de vida, e também porque vimos uma oportunidade no mercado.

Como foi o início do trabalho da Bremil e quais as necessidades do mercado que a empresa percebeu?

Alaidete – Começamos com uma mesinha de escritório, uma cadeira de cozinha, uma máquina de escrever e um misturador, que era a nossa indústria. Dessa forma, passamos a produzir uma mistura proteica. Naquela época, costurávamos os sacos com o produto à mão. A principal lacuna que viemos a preencher no mercado foi a da padronização do produto. Também buscamos entregar o que o cliente quer realmente, seja preço menor ou produto com mais qualidade. Tem que fazer os produtos conforme as especificações exigidas pelos clientes. Há 30 anos, as negociações eram muito mais fáceis, porque a concorrência era bem menor e muito menos profissionalizada. Mesmo sem experiência, tínhamos muita vontade de acertar. Cuidávamos para não realizar ações muito rápidas ou grandes e sempre avaliamos o impacto de cada decisão. Assim fomos dando pequenos passos rumo ao crescimento. Por exemplo, ao invés de investir em material de escritório ou máquinas para montar uma indústria mais elaborada, decidimos comprar matéria-prima. Porque é essa matéria-prima que iríamos transformar em dinheiro.

Por que a decisão de transferir as operações para Lajeado?

Alaidete – Em Passo Fundo ficamos pouco tempo e foi uma decisão com várias motivações. Somos naturais do Vale do Taquari e a família ficou toda na região. Aqui também havia um bom número de frigoríficos, além de ser perto de cidades como Viamão, Montenegro, Roca Sales e Santa Cruz do Sul, onde tínhamos clientes. Na época, já havia uma infraestrutura melhor e mais transportadoras alocadas na região. As cidades menores do Vale ainda tinham dificuldades para instalação de linhas telefônicas e acesso a caminhões. Buscamos as informações necessárias e percebemos que Lajeado era o local ideal. A busca de informações é fundamental para qualquer empresário, pois torna mais fácil acertar na tomada de decisões.

De que forma a mudança para Lajeado ajudou no crescimento da Bremil?

Alaidete – Foi um divisor de águas. Antes, vínhamos em um crescimento lento e com algumas dificuldades financeiras. Era a época do plano Collor, e o dinheiro no mercado estava muito escasso. Conseguimos uma equipe de vendas muito boa e começamos a reagir. Também investimos muito na empresa. Durante anos, todo o lucro da Bremil era reinvestido na companhia. Fomos comprando equipamentos e aumentando o nosso estoque. Quando uma pessoa monta um negócio, é importante saber que passará no mínimo três ou quatro anos sem ter lucro, pois precisa de capital de giro e de tempo de aprendizado. Ninguém imagina a quantidade de recursos para giro que uma empresa precisa. Em Lajeado, conseguimos avançar.

Bremil está localizada às margens da ERS-130, em Arroio do Meio

Bremil está localizada às margens da ERS-130, em Arroio do Meio

Em 1998, a Bremil decidiu mudar as operações para Arroio do Meio. Por quê?

Alaidete – Nosso terreno em Lajeado, em frente ao Parque de Máquinas da prefeitura, era de tamanho reduzido. Antes, nós comprávamos a nossa matéria-prima, que é a proteína texturizada de soja, mas decidimos abrir uma fábrica própria dessa proteína. Por isso, precisávamos de espaço. Pensamos em várias possibilidades, estudamos bem a região. A melhor área que encontramos foi essa onde a empresa está até hoje, por ser às margens da ERS-130. Também tivemos um amplo apoio político no município.

Nos 30 anos de atividade, a Bremil enfrentou diferentes cenários econômicos e políticos. Quais foram os principais percalços e como eles foram enfrentados?

Alaidete – Passamos por algumas dificuldades. Em meados dos anos 90, resolvemos investir em outro negócio, no ramo de panificação. Não deu certo e tivemos uma crise financeira na empresa. Fomos trabalhando e conseguimos recuperar. A Bremil trabalha com alimentos e essa é uma demanda que existe independente de recessão. A pessoa pode reduzir o gasto com carne, mas vai comprar mortadela. Por isso, nunca sentimos uma crise forte partindo do mercado. Em 2003, vimos uma nova oportunidade e investimos em uma fábrica de proteína isolada de soja, com tecnologia alemã. A gente sempre foi inovando e aumentando o portfólio de produtos.

Como funciona o processo de desenvolvimento de produtos e inovação da Bremil?

Alaidete – Nosso crescimento sempre foi baseado em inovação e na criação de produtos customizados para os clientes. Temos uma área técnica bem qualificada para isso. Cada cliente tem um consumo muito alto, então, dá para trabalhar com produtos personalizados. Temos condimentos exclusivos de acordo com a necessidade de cada cliente, que não vendemos para os outros. Fazemos também uma parceria com os nossos fornecedores para trazer aromistas para o desenvolvimento dos produtos. Buscamos informações dos dois lados, fornecedores e clientes, e ainda trazemos muitos produtos do exterior para serem desenvolvidos aqui.

Na sua avaliação, que diferencial foi responsável pelo sucesso da empresa no mercado?

Alaidete – Tudo o que fizemos foi com base na experiência e necessidade do mercado. Sempre fomos muito abertos a fazer o que o cliente quer. Se aparecia uma oportunidade de efetuar uma venda com determinadas especificações, a gente fazia, não importa quais eram. O pessoal da área comercial sabe que temos essa versatilidade na fábrica. Se não vencermos uma demanda durante o dia, abrimos mais um turno de trabalho, por exemplo. Nós adaptamos a fábrica à necessidade dos clientes. Um exemplo disso é essa regra de rotulagem e identificação de produtos alergênicos. Fomos a primeira empresa a se adaptar a essa nova necessidade.
Quais são os planos da Bremil para o futuro? Como a empresa se prepara para os próximos anos?

Alaidete – Estamos muito focados na organização e na redução de custos da administração. Nos organizamos para um crescimento ainda mais sólido. Hoje não podemos ser ineficientes e a exigência por qualidade e produção correta é cada vez maior. É impossível cobrar pela ineficiência, porque seu produto fica caro. Tem que evitar o transporte desnecessário, eliminar as empilhadeiras, porque elas não dão lucro. Por isso, estamos revisando o nosso layout e a organização da fábrica. Também trabalhamos com a governança corporativa, estamos pensando em uma transição.

Para Alaidete, cuidar dos funcionários é uma atitude inteligente

Para Alaidete, cuidar dos funcionários é uma atitude inteligente

A Bremil é uma empresa familiar com 30 anos de existência. Como a companhia se prepara para a transição entre as gerações?

Alaidete – Estamos trabalhando faz pouco mais de um ano na profissionalização dessa parte, por meio da gestão corporativa. Sempre coloquei a família em primeiro lugar e trabalhei bastante, tanto que meus filhos iam para dentro da fábrica comigo. Naquela época podia. Minha filha Paula cresceu dentro da empresa, começou na Bremil e montou a Sabormax, que fica no local da nossa antiga fábrica em Lajeado. Isso é importante para ver como ela trata os problemas e também perceber que não é fácil. Ela começou com uma empresa pequena que hoje está muito bem, gosta dessa independência. Em algumas necessidades e reuniões importantes da Bremil, trazemos a participação dela. A Paula está um pouco lá e um pouco aqui. A nossa esperança é que, quando houver mais necessidade, ela venha mais para a Bremil. Mas vamos organizar o máximo da empresa para facilitar isso. Hoje vejo que todos os problemas que enfrentamos aqui, ela enfrenta lá também. É um ensinamento e a Paula trará para cá esse conhecimento que está adquirindo agora.

Como a empresa trabalha para qualificar atuação do quadro funcional?

Alaidete – Penso que uma empresa precisa preparar os funcionários para que eles sejam agentes de mudança. Essa fase a Bremil já passou e o hoje o mudar está na cabeça de todos. Nossos funcionários pensam em seus processos e em maneiras para melhorá-los. Estamos numa fase muito boa em termos de gestão de trabalho, pois eles tomam as iniciativas e têm total liberdade para tentar, errar e fazer a diferença. Ganham méritos sempre que acertam. Fazemos reuniões para eles apresentarem seus projetos. Fizemos um trabalho grande com a fundação Dom Cabral para chegarmos a esse estágio.

Muitos empresários têm dificuldade para delegar funções e tentam manter o controle total sobre as operações das empresas. Como a Bremil trabalha essa questão?

Alaidete – Sem equipe você não faz nada. Hoje está mais fácil administrar a Bremil com essa estrutura do que quando tinha cinco ou seis funcionários. Quando são poucas pessoas trabalhando, você precisa fazer tudo. Hoje cada um tem a sua função e todos trabalham integrados. Dá certo e é muito mais fácil delegar. Você verá o seu funcionário feliz e ficará mais feliz, pois terá mais tempo para você. Não somos insubstituíveis. Isso pode causar um desconforto no início, mas depois dá um prazer bem grande. Sou apaixonada em ver as pessoas trabalhando felizes. É muito triste ver alguém dentro da sua empresa infeliz, sabendo que você é responsável por essa pessoa. Ter um funcionário bem cuidado te dá retorno. É uma atitude inteligente.

Hoje a Bremil está presente em mais de 40 países dos cinco continentes. Como a companhia conseguiu espaço no mercado internacional?

Alaidete – A exportação é um trabalho difícil, mas possível. Trabalhando bem no seu quintal, fazendo a coisa bem-feita dentro da sua região, do seu estado e do seu país, você consegue levar toda essa experiência para fora. Mas precisa de um representante, uma empresa ou pessoa que tenha conhecimento e faça essa venda externa. Tem que ser alguém com muito conhecimento, porque precisa saber a legislação de cada lugar. Quando uma exportação não dá certo, trazer de volta esses produtos é muito mais caro. Dependendo do caso, é mais barato até descartar. Então a venda tem que ser muito bem amarrada e o produto sair com tudo muito certo para não ter maiores problemas. Nós escolhemos uma empresa que tinha esse nohall. No primeiro pedido, eles fizeram toda a documentação, a gente só colocou o produto no contêiner. Deu tudo certo. Dali para frente, fomos expandido. Hoje a toda a nossa exportação é realizada pela empresa Bel Internacional.

Como é gerir uma das empresas mais representativas do Vale do Taquari? Como você enxerga o papel da mulher no meio empresarial?

Alaidete – É uma responsabilidade muito grande, porque nossas decisões interferem na vida dos outros. É fundamental fazer parcerias para conversar, porque o gestor é muito solitário. Precisamos desenvolver isso, para dividir a responsabilidade. Não acredito que existam barreiras para as mulheres nos negócios. Existem escolhas. Tem que cuidar da casa, dos filhos e da empresa e muitas não conseguem fazer todas as tarefas. O empresário tem que se dedicar muito à sua atividade. Não tive dificuldades por ser mulher. Sempre tive muito acesso e abertura das pessoas. Tive mais trabalho, porque tinha que cuidar dos filhos. O trabalho da casa eu terceirizei, então, pude me dedicar à empresa e aos filhos.

Você se dedica a outras atividades além do trabalho e família? Quais são e como elas influenciam no desempenho profissional?

Alaidete – É muito bom ter algo além do trabalho para fazer. Como fui mãe cedo, eles se formaram e saíram de casa cedo. Então, comecei a praticar mergulho. Também gosto muito de viajar. Eu e minha filha viajamos para mergulhar na época de férias e temos uma turma muito bacana. É um execício, porque você sai do seu ambiente de comando e passa a ser comandado. Reflete diretamente no trabalho e traz conhecimento

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