Mulheres repensam  a maternidade

Você

Mulheres repensam a maternidade

Dados apontam que a gravidez tem chegado somente após os 30 anos. Busca por sucesso profissional tem sido um dos motivos para esse adiamento, ou até cancelamento da gestação

Mulheres repensam  a maternidade
Vale do Taquari

O número de mulheres que têm filhos depois dos 30 anos aumentou nos últimos anos. Dados da pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2015, divulgada no ano passado, pelo IBGE apontam uma total inversão de faixa etária na gravidez.

No período de dez anos analisados, entre 2005 e 2015, o número de mães com 20 a 24 anos caiu de 30,9% para 25,1%. Já a quantia de progenitoras com 30 a 39 anos cresceu, passando de 22,5% para 30,8%.

A maioria dos nascimentos relativos a esse segundo grupo, mais experiente, concentrou-se nas regiões Sudeste e Sul. Como é o caso de Carine Santos, 32. Técnica em Enfermagem, ela decidiu estudar e vivenciar o relacionamento a dois, antes de ter filhos.

“Sempre esteve nos meus planos não ter filhos cedo. Procurei ter mais estabilidade, na vida pessoal, profissional e também na área financeira”, comenta.

Ela acredita que a espera proporcionou um melhor planejamento acerca desse momento.“Sinto isso. Que vivi cada fase. Aproveitei, e agora estava pronta para formar minha família.”

Casada faz mais de sete anos, ela tomou a decisão em conjunto com o marido. Aguardou o suficiente, e há 11 meses teve a felicidade de receber Catharina Daniele Ulsenheimer.

Hoje, ela continua trabalhando, mas agora dedica horas do dia à filha. “É a realização de um sonho. Me apaixonei por ser mãe. Na verdade é uma das melhores coisas na vida de uma mulher.”

karina_feliz sem filhos

(SEM LEGENDA)

Feliz, sem filhos

Já Karine Capiotti, 40, que reside em Porto Alegre, optou por não ter filhos. A decisão ocorreu recentemente, depois de dois anos de conversa e pesquisa com amigos e conhecidos.

“Procurei esgotar o assunto. Demorei bastante tempo para definir. Fiz um questionamento interior profundo, e agora estou muito tranquila em relação a isso.”

Empresária, ela trabalha faz 15 anos com recursos humanos estratégicos e até os 30 teve seu tempo totalmente tomado pela profissão. Não tinha nem tempo para pensar sobre o assunto.

Ao passar dos anos, foi amadurecendo a ideia. Sentia uma pressão social para ser mãe, que vinha lá da infância, mas ao mesmo tempo tinha vontade de continuar com o foco no trabalho.

“Eu idealizei uma família com filhos, fui influenciada a isso. Porém, também tenho outras prioridades e vi que uma criança não teria espaço na minha vida.”

Atitude forte, mas que não foi bem recebida pela maioria das pessoas. “A mulher tem o papel de mãe quase atrelado a si. Então é bem difícil para os outros entenderem. Quase tenho que dar uma aula quando me perguntam.”

PrintOpção própria

O noivo participou do processo, e aprovou a escolha. Mas, independente disso, Karina acredita que a mulher depende só de si mesma para definir acerca da maternidade. Parte do posicionamento de cada uma, do que é prioridade, considera.

“Não pode ser algo sofrível. Precisa ser porque ela realmente quer. Eu, por exemplo, amo meu trabalho, gosto de viajar, estudar. Tudo isso me faz imensamente feliz e realizada.”

Com a evolução da medicina, Karine aponta que o congelamento de óvulos é uma saída para quem precisa de um prazo mais extenso do que o proporcionado pelo relógio biológico.

Catharina chegou à vida de Carine faz 11 meses

Catharina chegou à vida
de Carine faz 11 meses

Gravidez tranquila

Segundo o obstetra e ginecologista, Augusto Guilherme Berner, os cuidados na gestação aos 30 anos são normais. É necessário cumprir todo o programa de pré-natal e puerpério – após o nascimento.

Riscos só aumentam depois dos 35 anos. Os principais perigos da gravidez nessa idade são o aborto espontâneo e má formação fetal, principalmente após os 40 anos.

Devido a esse risco, o Ministério da Saúde aconselha que mulheres com mais de 35 anos, com histórico de doenças genéticas ou problemas como diabetes e hipertensão, façam testes específicos, além dos comumente realizados durante a gravidez. Tudo de acordo com a orientação e avaliação do ginecologista.

“As mulheres têm o direito de não serem mães”

Para a psicóloga organizacional e do trabalho, Liciane Diehl, isso também tem relação com o espaço profissional pleiteado pelas mulheres.

Observa que entre os 30 e 40 anos, exatamente no esgotamento do relógio biológico, acontece o desenvolvimento e consolidação da carreira profissional .

Algumas optam pela profissão, e adiam a gravidez, outras fazem o contrário, desistindo do trabalho. E um último grupo consegue conciliar as duas coisas. Algo que, para Liciane, será naturalizado ao passar dos anos.

“Por uma exigência social, elas se sentiam na responsabilidade de se tornarem mães. Mas hoje elas podem optar. As mulheres têm o direito de não serem mães.”

liciane diehl

(SEM LEGENDA)

Mais valorização

Esse foco na carreira tem rendido às mulheres cada vez mais espaço. Mas também mais esforço para ultrapassar as barreiras. Liciane cita que a falta de reconhecimento e remuneração ao público feminino é bem evidente.

Elas chegam a ganhar 20% a menos, ocupando o mesmo cargo de um homem. Questões que não as abatem. As mulheres já são maioria dos ingressos e concluintes de cursos superiores.

“Revela que ela está cada vez mais preocupada com seu desenvolvimento. Quer cargos de liderança”, aponta. Ela afirma que o mercado está abrindo possibilidades para isso. Enxergando que ambos os gêneros são preparados para isso. “Acredito que não há diferenças biológicas que deixam um outro mais apto. Mas estimulações que ocorrem ao longo da vida.”

Sociólogo_daniel granada“Você até pode trocar de companheiro ou companheira, mas de filho não é possível”

O sociólogo Daniel Granada comenta como o avanço na busca de direitos teve influência sobre a postergação ou afastamento da ideia de gravidez.

A Hora – O que levou a esta mudança cultural nas prioridades da mulher?

Daniel Granada – Temos que ver a questão da gravidez como um fenômeno sociocultural. Diria que há um fenômeno de postergação da maternidade, mas ele existe em relação também a uma determinada classe social e nível cultural. Em classes menos favorecidas, a gravidez na adolescência ou antes dos 30 anos ainda é uma realidade. Nos países europeus e nos Estados Unidos, a tendência de se tornar mãe depois dos 30 anos é uma tendência desde 1990 pelo menos.

Isso acompanha o movimento de liberação feminina que iniciou ainda na Revolução Industrial, quando as mulheres começaram a ser recrutadas para trabalhar nas fábricas. Tal fato colocou em xeque o modelo de família patriarcal, onde o pai concentrava todo o poder. Este movimento se acentuou. Alguns sociólogos, como o espanhol Manuel Castells, afirmam que o século XX foi o século das mulheres. Houve uma mudança radical em diversas dimensões, seja nos direitos de cidadania, ao voto, como das liberdades individuais.

A transformação rápida da sociedade e a inserção da mulher no mercado de trabalho tiveram como consequências uma maior independência. O desejo de estudar e construir uma carreira no trabalho se tornaram uma prioridade maior do que o desejo de ter filhos. Atualmente a mulher pode escolher quando ela quer engravidar e a pílula anticoncepcional teve uma grande influência. Hoje em dia, inclusive a mulher pode tranquilamente optar por não ter filhos, sem que isso represente algum problema.

O homem, de certa forma, também opta por esperar mais. Isto está ligado a preocupação com a estrutura que eles pretendem oferecer a esta criança?

Granada – Cada vez mais os casais decidem ter filhos em conjunto. Se nos anos cinquenta um filho representava ajuda nas tarefas, em especial nas propriedades rurais, atualmente ter filhos custa muito caro. Existe todo um mercado relacionado com o nascimento e tudo que envolve o parto. A preocupação com os estudos. Ocorre que temos cada vez mais casais que optam por ter apenas um filho. Não sei se os casais procuram dar tudo aos filhos, mas oferecer o básico já custa bastante. Um filho é um engajamento para toda a vida. Você até pode trocar de companheiro ou companheira, mas de filho não é possível.

Alguns casais até optam por não terem filhos, a fim de preservar a carreira profissional. O que você acredita que possa mudar na sociedade a partir disso?

Daniel Granada – Diversas tendências concorrem na sociedade, em alguns países como a Alemanha, as taxas de natalidade negativas causam impacto. Na medida em que você não consegue reproduzir a mão de obra e começa a ter crescimento demográfico negativo, isso tem impacto no crescimento econômico. No caso alemão, a falta de nascimentos acabou sendo preenchida pela chegada de imigrantes. Penso que casais podem optar por ter ou não filhos, isso faz parte de um projeto de vida. Este impacto acaba reduzido em um país como o nosso, tão desigual, inclusive com relação às taxas de natalidade na nossa sociedade.

Acompanhe
nossas
redes sociais