“Tudo começou quando tive minha primeira filha. Comecei a ter medo. Aos poucos, começou a vir alguns pensamentos. Eu não poderia disputar o espaço com ela. Precisava morrer ou sumir para ela viver”, relembra Fátima dos Santos, diagnosticada com depressão faz 25 anos.
Fátima reside em Teutônia, tem 49 anos e conta, animada, que hoje toma apenas um comprimido por dia. A primeira crise iniciou depois de uma frustração envolvendo a primeira gestação.
A sensação que precisava morrer ficou cada vez mais frequente. Contou o problema para uma amiga, que falou ao marido de Fátima. Os dois procuraram ajuda médica. “Ele disse que a medicação faria efeito em 15 dias e pediu para não me deixarem sozinha. Meu marido acreditou que eu estava melhor e me deixava em casa enquanto ele trabalhava.”
O médico orientou a manter o tratamento por dois anos. Depois de um ano, interrompeu a medicação. “As pessoas começaram a dizer que isso não existia e era falta de ir na igreja.” Ela ficou quatro anos sem remédios, engravidou e as crises retornaram.
Voltaram ao psiquiatra e Fátima foi orientada a se tratar por mais três anos. Em um novo episódio, interrompeu o tratamento. Viveu dez anos sem remédios. “Engordei muito. Não tinha iniciativa, nem gosto pra nada. Tinha dor em todo corpo.”
No trabalho, colegas e chefe perceberam o problema e a levaram ao médico. “Lá eu pedi socorro.” Hoje Fátima está bem. Toma medicação todos os dias e faz acompanhamento. Buscou o reiki como terapia para auxiliar no tratamento e voltou a estudar e trabalhar.
Trabalha como massoterapeuta faz dois anos. Para ela, a profissão ajudou no relacionamento com outras pessoas, na trocar ideias. “Consigo conversar, fazer novos amigos. Com as crises, não conseguia. Eu era uma pessoa fechada. Agora, falo bastante sobre como enfrentar essa doença.”
Crescimento mundial
O caso de Fátima é o mesmo de milhares de brasileiros. Todos os dias se deparam com sintomas resultantes de doenças, traumas e decepções.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que em 2015 cerca de 11,5 milhões de brasileiros apresentaram depressão. Isso representa 5,8% da população. O país lidera o ranking na América Latina e está em quinto lugar no mundo.
Em todo planeta, são mais de 322 milhões que convivem com a doença. Os casos de ansiedade também ganham destaque. Pelo menos 18,7 milhões de brasileiros apresentam o transtorno, o que corresponde a 9,3% da população.
Significa que um em cada dez brasileiros enfrenta problemas que incluem a síndrome do pânico, fobias, transtorno obsessivo compulsivo, desordens de estresse pós-traumático, ansiedade social e generalizada.
Conforme a OMS, se comparado com o último levantamento, houve alta no número global em ambos os casos. Isso é resultado do crescimento populacional e do envelhecimento das pessoas.
Na avaliação da psicóloga Fernanda Kasper, o aumento da doença também está associado à rotina da população. “Vivemos em meio ao imediatismo. As informações ocorrem de forma muito rápida, exigindo cada vez mais de nós um jogo de cintura e ao mesmo tempo adaptação.”
Segundo ela, os quadros depressivos surgem quando a realidade deixa de ser algo suportável, agradável e estimulante. “Existem multifatores envolvidos, como ritmo, estilo de vida, fatores emocionais e predisposição genética envolvidos.”
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Mudança de vida
Jeanine Rucker conviveu com depressão por nove anos. Até os 20, tinha baixa autoestima, frustrações e crises de pânico. “Eu não sabia lidar com isso.”A família, com histórico de depressão, percebeu que o comportamento não era natural e sugeriu que a jovem procurasse ajuda.
Ela é natural de Estrela. Hoje vive em Itacaré, no sul da Bahia. Jeanine não mudou de cidade, mudou a forma de viver. Trocou o apartamento confortável por uma vida em meio à mata e produz a própria alimentação. A partir dessa mudança, deixou de usar medicamentos que controlavam as crises.
“Sim existe uma vida após a depressão e síndrome do pânico.” Após uma viagem para Espanha, percebeu que existem diferentes modos de viver. “Comecei uma jornada de encontro comigo mesma, um caminho espiritual profundo. A sociedade me causava um mal tremendo.”
Quando voltou da Europa para Estrela, abriu uma clínica de fisioterapia. Trabalhou por quatro anos. “Estava bem. Morava sozinha e tinha tudo que poderia querer. Gastava muito em mercado e coisas materiais, era isso que preenchia meus dias, mas a insatisfação era constante.”
Nesse período, passava por estudo espiritual e percebeu que precisa encontrar um novo caminho. “Vi que não querer a minha forma de viver não era errado, afinal, tantas pessoas vivem de formas diferentes. Eu podia escolher. Não deveria ver a vida passar e não fazer nada para mudar.”
A cura de Jeanine iniciou no momento em que rompeu o padrão de vida. Muitas terapias ajudaram nesse processo. “Foi difícil e sofrido.” Segundo ela, quando chegou a Itacaré, procurou outras terapias de cura. “Comecei a perceber que a medicação não me fazia sentir tristeza, mas tira a alegria. Os remédios te cedam de todas emoções.”
Jeanine critica a indústria farmacêutica. Na avaliação dela, quando se está inserido em um sistema competitivo, as pessoas não percebem os efeitos nocivos dos remédios. De acordo com ela, as pessoas perderam toda a conexão com elas mesmas.
Para Jeanine, não seria possível perceber isso se ainda morasse em Estrela. Para ela, os padrões culturais locais provocam os transtornos. “Sentia o peso do meu sobrenome de uma forma muito forte. No Vale, ainda existe muito preconceito. As pessoas aprendem a seguir uma sociedade moldada. Quem não se encaixa, adoece.”
“Relações de trabalho são muito competitivas”
O relatório da OMS aponta que a depressão e ansiedade são as principais causas das mortes por suicídio. O Vale do Taquari se destaca nos índices. Segundo o médico psiquiatra Rafael Moreno, são 20 suicídios a cada cem mil habitantes.
A Hora – A depressão cresce no mundo. Atrelados a esse dado os casos de suicídio também se destacam. O que justifica esse crescimento?
Rafael Moreno – A depressão está subindo no ranking de doenças incapacitantes. A causa da depressão ninguém sabe bem. As pesquisas mais recentes mostram que é uma doença inflamatória, o corpo todo fica danificado. A depressão está associada a outras doenças em geral como hipertensão, diabetes, câncer, HIV, obesidade.
A rotina e o estilo de vida contribuem para esse quadro?
Moreno – Nossas relações de trabalho são muito competitivas, há muita pressão. Isso começa na infância. As pessoas enfrentam diversas cobranças e muitas não conseguem aguentar, entram nesse quadro depressivo e por vezes tentam se matar.
Mas quais casos levam ao suicídio?
Moreno – Não é todo mundo que pensa em suicídio que tenta. Os casos são maiores em municípios rurais. O problema não se concentra nas áreas urbanas. Vários fatores estão envolvidos, um deles é o isolamento dessas pessoas no interior. Outro fator associado é o abuso emocional, a pressão. Fato que justifica por que a doença está aumentando no mundo inteiro.
Nesse caso, as pessoas não deveriam mudar a forma de vida?
Moreno – Acredito que sim. É importante buscar mudanças no estilo de vida. Se a pessoa está muito estressada e entende-se que isso é um fator precipitante para o risco de suicídio é necessário mudar a forma de pensar.
As pessoas têm dificuldade em reconhecer e por vezes admitir que estão com depressão?
Moreno – A busca por ajuda aumentou, mas o homem ainda é o mais resistente. Em especial, os mais velhos. Apontamos que isso é um dos problemas do aumento do risco. Quem procura ajuda, se cura.
Existem muitas críticas às terapias medicamentosas. Os remédios são fundamentais? O que mais pode auxiliar?
Moreno – Os medicamentos são fundamentais para casos graves. Muitas situações podem melhorar com a mudança de hábitos. No Brasil há uma resistência quanto a isso. Fora do país, as pessoas preferem aderir a outras terapias sem uso de medicamentos. Quanto às terapias alternativas, qualquer contato é importante, inclusive as holísticas. O grande erro é que se trata casos leves com medicações.