Divulgar imagens íntimas equivale ao crime de agressão

Vale do Taquari

Divulgar imagens íntimas equivale ao crime de agressão

Recém-aprovado na Câmara, projeto estipula punição mais severa para quem publicar fotos ou vídeos íntimos sem autorização. Grupos de defesa das mulheres e especialistas comemoram mudança e alertam para traumas gerados às vítimas.

Divulgar imagens íntimas equivale ao crime de agressão

O avanço da tecnologia tornou comum a prática de expor-se em redes sociais e facilitou trocas de imagens. Psicólogos apontam que, em meio a uma sociedade que cultua o corpo, a troca dos chamados nudes (fotos nuas) transformou-se em uma forma de sedução, em especial entre adolescentes.

Também é cada vez mais frequente que o conteúdo trocado de forma íntima acabe publicado nas redes sociais. Um dos casos mais marcantes do estado ocorreu em 2015, quando pelo menos três mulheres de Encantado, entre elas menores de idade, tiveram as fotos divulgadas em um grupo de WhatsApp.

Pelo menos cem homens faziam parte do grupo, denominado “Ousadia e Putaria.” O intuito dos participantes era divulgar mensagens com fotos e vídeos de mulheres em momentos íntimos.

Próximo de completar dois anos das primeiras denúncias, ninguém foi indiciado como responsável pelo vazamento das imagens. A demora, segundo o delegado Silvio Huppes, ocorre devido à perícia dos celulares e computadores apreendidos na época. “O IGP está com déficit de pessoal e isso acaba atrasando as análises.” Neste mês, o delegado recebeu uma resposta pouco animadora sobre o fim da perícia. De acordo com o IGP, não existe previsão para entregar os laudos.

Na época, o caso ganhou repercussão estadual, sendo tema abordado pela Assembleia Legislativa, levando a Comissão de Direitos Humanos da Casa a intervir. Para a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), o Legislativo fez sua parte sobre o fato específico, mas ainda é necessário uma ação mais efetiva para combater essas atitudes.

A deputada defende a criação de um espaço específico para investigar esse tipo de crime de forma mais rápida. “É lento, justamente por isso, temos que pensar em alternativas para tornar isso mais rápido. Se o mundo do crime se sofisticou é preciso que as estruturas policiais também se sofistiquem.”

Mulheres são as principais vítimas

Embora a divulgação de imagens íntimas ocorra em ambos os sexos, especialistas avaliam que as mulheres são quem mais sofrem com a exposição. Psicóloga e professora da Univates, Priscila Detoni analisa que o sofrimento feminino ocorre em razão da tradição cultural. “Tem muito a ver com a cultura de gênero da nossa sociedade, porque o corpo da mulher não pode ser exposto. A mulher ainda é vista como um ser de submissão ao desejo do homem.”

Priscila traça um paralelo sobre o impacto da exposição da intimidade de homens e mulheres na internet. “Quando houve o caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro, os homens que apareciam não foram ridicularizados pela nossa cultura, mas a menina agredida foi.” A psicóloga relata o uso dessas imagens como forma de chantagem emocional de parceiros inconformados com o fim do relacionamento ou com uma rejeição.

De acordo com Priscila, a violência também é estimulada pela sensação de distanciamento causada pela internet. “As pessoas pensam que quando xingam alguém na internet não é a mesma coisa que o real, mas hoje o virtual também é o real.” Ela afirma que as marcas psicológicas são profundas, especialmente em pequenas localidades. “Gera um sofrimento psíquico, ainda mais quando a pessoa mora em uma cidade muito pequena. Ela vira motivo de deboche coletivo. Conheço casos de mulheres que tiveram de se mudar.”

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Coletivo contra o machismo

Criado após  o caso de Encantado, o Coletivo de Mulheres do Vale do Taquari trabalha desde 2015 para combater o machismo na região. Integrante do grupo, Laura Lorenzi Botassoli acredita que uma mudança só será possível quando o tema for debatido dentro da sala de aula. “Se as escolas passassem a aceitar a cartilha da ONU (Escola Sem Machismo) e começar a implementar pequenas mudanças na forma como se educam crianças, seria um passo assertivo.”

Laura considera fundamental deixar de tratar a sexualidade feminina como um tabu. “Meninos são estimulados a descobrir o seu sexo, se masturbar, tudo isso sendo muito natural e até bem visto. O contrário não é visto. Não se ensina sobre a sexualidade da mulher.”

Ela considera importante que esses temas sejam debatidos na escola, mas acredita que o Vale enfrenta uma dificuldade maior para debater questões de gênero. “Em uma região com imigração de povos muito ligados à religião, acredito que não se coloque em primeiro plano debater questões sociais em sala de aula.”

A militante acredita que a organização das mulheres foi um primeiro passo importante para mudar a mentalidade. “Não acho que em um curto espaço de tempo, desde a criação do Coletivo até hoje, resultados significativos tenham acontecido, mas vejo que se debate mais o tema.”

Leis para inibir exposição

Em meio à banalização de vazamentos de imagens íntimas, o Congresso tem se movimentado para criar leis que punam os autores de vazamentos. A primeira foi aprovada e sancionada em 2012. Conhecida como Lei Carolina Dieckman, prevê prisão de três meses a um ano para quem invadir computadores. Caso o invasor divulgue conteúdos, a pena mínima sobe para seis meses de detenção.

A lei ganhou esse nome porque foi feita após um hacker invadir o computador da atriz e divulgar na internet imagens dela nua. Nesta semana, foi aprovado na Câmara o texto que tipifica crime de exposição de fotos íntimas. O texto altera a Lei Maria da Penha, e considera o vazamento das imagens como uma forma de violência familiar. A matéria depende da apreciação do Senado para virar lei.

Priscila considera a mudança importante por reconhecer o ato como uma agressão. “A lei serve para coagir essa violência que desemboca em uma violência moral e psicológica, até financeira. Porque em uma cidade pequena uma mulher exposta não vai conseguir emprego.”

Para o presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB/RS, Rodrigo Azevedo, já existem tecnologias para rastrear pessoas que vazam fotos íntimas. “As pessoas têm a ilusão de que facilmente se ocultam em meios digitais, mas na verdade é o contrário.”

Na avaliação de Azevedo, a mudança é importante para punir os autores de forma mais incisiva. Outra lei em análise no Senado é de autoria do deputado Romário, que pune a prática do pornô de vingança. Isso ocorre quando homens divulgam vídeos e fotos de ex-companheiras após o término do relacionamento. O texto foi apresentado em 2013 e está em análise na Comissão de Seguridade Social e Família.

colagem fotos fotosRepercussão estadual

Pelo menos três mulheres denunciaram o vazamento de imagens em 2015. Até hoje Polícia Civil espera resultado da perícia em computadores e celulares apreendidos

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